Novas imagens obtidas pela Agência Pública mostram que a desnutrição continua atingindo crianças indígenas quase um ano depois que o governo federal declarou uma emergência de saúde na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Duas fotografias tiradas no início de dezembro na comunidade de Õnkiola, na região de Auaris, no extremo norte da terra indígena, mostram um trabalhador na área da saúde do governo carregando uma criança visivelmente desnutrida.
A Pública apurou que o Polo de Saúde existente na comunidade fechou três vezes por falta de comida ao longo do ano, o que consternou a comunidade indígena. Esse desamparo levou a altercações dos indígenas com as equipes de saúde, agravando as deficiências do atendimento.
Em meio à gravidade da situação, as Forças Armadas desmontaram um posto de suprimento de combustíveis numa das regiões na terra indígena mais visadas pelo garimpo, a do Palimiú. Esse posto dava apoio a aeronaves do Ibama e da Polícia Federal.
Em 16 de novembro, o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) solicitou por ofício ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Renato Rodrigues de Aguiar Freire, que providenciasse ajuda para a distribuição de cestas básicas.
O ofício informa que o MPI e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) foram informados pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) de que “que havia cerca de 40.115 cestas prontas e aguardando serem retiradas para transporte destinado às comunidades do povo Yanomami. Em que pese termos consciência da relevante dificuldade logística local, é imprescindível que sejam tomadas providências quanto à segurança alimentar na região, o que perpassa pela logística aérea”.
Por que isso importa?
- A desnutrição e invasão garimpeira continua atingindo crianças indígenas quase um ano depois que o governo federal declarou uma emergência de saúde na terra indígena
- A situação levou Lula a fazer nesta terça-feira (9) uma nova reunião ministerial em Brasília sobre a questão Yanomami
No ano passado, a Pública revelou que a Defesa estava cobrando R$ 1,6 milhão por bimestre para fazer a distribuição dos alimentos apenas em uma região da terra Yanomami.
Na reunião da coordenação operacional em Boa Vista (RR) ocorrida em 5 de dezembro passado com os diversos órgãos públicos que participaram do esforço do governo, o representante das Forças Armadas, coronel do Exército Roberto Sousa, disse que o conflito diplomático entre Venezuela e Guiana provocou “a desmobilização” das Forças Armadas na terra Yanomami.
O coronel disse ainda, segundo ata do encontro, que os militares vão participar “de forma pontual” de operações para a desintrusão dos garimpeiros e mencionou que “a frente das Forças Armadas estão voltadas à soberania nacional, notadamente o conflito fronteiriço dos países vizinhos” Venezuela e Guiana.
Na reunião seguinte, ocorrida no último dia 12, as Forças Armadas já não enviaram representantes.
A Pública indagou ao Ministério da Defesa sobre a desativação do posto de suprimentos e as declarações do coronel. O ministério não deu respostas diretas, mas indicou ou manifestou a intenção de sair da operação de distribuição de cestas básicas e da expulsão dos garimpeiros.
“O apoio logístico empregado pelas Forças Armadas se deu de forma emergencial, até que os órgãos que têm essa atribuição como atividade finalística pudessem implementar soluções duradouras. O controle do espaço aéreo sobre o Território Yanomami permanece ativo e é feito exclusivamente pelo Comando da Aeronáutica. Cabe destacar que a participação do Ministério da Defesa e das Forças Armadas nas ações logísticas e humanitárias ocorreu em ambiente interagências, que incluem a participação de órgãos e entidades da administração pública e da iniciativa privada. No período em que as Forças Armadas atuaram em território Yanomami, houve o emprego de aeronaves das Forças Armadas, de outras instituições públicas e da iniciativa privada no transporte de pessoal e material”, diz a nota.
A Defesa diz ainda que os militares distribuíram até o momento 36,6 mil cestas básicas, mas novamente silenciou sobre o ofício do MPI que falou em 40 mil cestas paradas à espera do transporte.
A Pública voltou a indagar se as Forças Armadas consideram encerrado seu papel na questão, mas não houve resposta. Também indagou se as Forças Armadas não vão mais seguir o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que autorizou a operação na terra Yanomami. Publicado no final de janeiro de 2023, o decreto diz que os militares devem prestar o apoio necessário para a operação.
Na manhã desta terça-feira (9), Lula fez uma reunião com diversos ministérios e órgãos a fim de discutir a situação na terra Yanomami. O presidente, cujo governo iniciou a retirada dos garimpeiros e declarou a emergência sanitária em 21 de janeiro de 2023, ficou contrariado ao saber que 308 Yanomami morreram até 30 de novembro passado, dos quais 52,5% com menos de quatro anos de idade.
Na abertura do encontro desta terça-feira, Lula disse que a reunião “é para definir, de uma vez por todas, o que nosso governo vai fazer para evitar que indígenas brasileiros continuem sendo vítimas de massacre. […] [O que fazer com] as pessoas que querem invadir as áreas que estão preservadas e que têm dono — que são os indígenas — e que não podem ser utilizadas”. O número de crianças mortas por desnutrição ao longo de 2023 não está claro nas tabelas divulgadas pelo Ministério da Saúde no último relatório de 20 de dezembro, com dados coletados até 30 de novembro. A Pública solicitou ao ministério que fizesse esse esclarecimento na tarde do domingo (7), mas não houve resposta até o fechamento deste texto. O relatório fala apenas em 35 mortes por “doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas”.
Em agosto passado, um grupo de organizações não governamentais que monitora a situação na terra Yanomami divulgou um balanço crítico sobre os seis primeiros meses das ações do governo. Segundo o documento, recentemente “o Ministério Público Federal (MPF) também publicou um documento que analisa a trajetória das mortes evitáveis entre crianças menores de cinco anos na TI Yanomami. De acordo com o órgão, esse tipo de óbito quase dobrou nos últimos 8 anos, com picos em 2020 e 2022. E, quando se analisa o recorte de óbitos nessa faixa etária, tendo como causa da morte principal a desnutrição, verifica-se que no último quadriênio o total de mortes praticamente duplicou em relação aos quatro anos anteriores”.
O relatório foi produzido pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume) e Urihi Associação Yanomami com pesquisadores do ISA (Instituto Socioambiental), Unifesp e Morzaniel Iramari Yanomami.