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Jornalistas dizem que governador bolsonarista Mauro Mendes (União) recorre à Polícia Civil para fazer “assédio judicial”

Reportagem
6 de março de 2024
15:28

Nesta segunda (4), um grupo de entidades de defesa do jornalismo ajuizou uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de tentar garantir o direito constitucional ao sigilo das fontes jornalísticas. Os aparelhos eletrônicos de dois jornalistas de Mato Grosso, incluindo seus telefones celulares, estão em poder da Polícia Civil após uma operação de busca e apreensão deflagrada em Cuiabá em 6 de fevereiro deste ano.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Instituto Vladimir Herzog e o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT), além dos dois profissionais alvos da operação policial, assinaram a reclamação protocolada no STF.

Por que isso importa?

  • O sigilo da fonte é fundamental para a liberdade de imprensa, um dos pilares da democracia
  • Esclarecer se há abusos por parte da polícia contra jornalistas pode evitar que esse tipo de conduta se torne padrão contra a imprensa

No último dia 16, a defesa dos jornalistas de Cuiabá Alexandre Aprá e Enock Cavalcanti impetrou um habeas corpus na Justiça local a fim de trancar o inquérito e impedir uma devassa, pela Polícia Civil, nos telefones celulares e aparelhos eletrônicos apreendidos com os jornalistas. As entidades de defesa do jornalismo pediram que a questão fosse analisada com urgência e que o inquérito fosse suspenso e arquivado “com o objetivo de assegurar direito constitucional à preservação do sigilo da fonte”.

Em decisão no início da tarde desta terça-feira (5), o desembargador Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, negou o trancamento do inquérito. Ele disse não ver “plausibilidade” no pedido, pois, “pelos elementos aqui constantes, não vislumbro, de plano, o aventado constrangimento ilegal”.

A investigação policial contra os jornalistas começou a partir de uma queixa apresentada à polícia pelo governador bolsonarista Mauro Mendes (União).

Os profissionais dizem ser alvo de um “assédio judicial”, por meio da Polícia Civil, promovido pelo governador, sobre o qual fazem uma cobertura crítica sobre ele e o seu governo. Uma comitiva de jornalistas mato-grossenses também formalizou a denúncia durante o primeiro encontro neste ano do Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais, vinculado à Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) em Brasília (DF), na última sexta-feira (1º). O observatório foi criado pelo governo Lula no ano passado. O encontro foi acompanhado pela Agência Pública.

Comitiva de jornalistas durante encontro do Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais
Comitiva de jornalistas durante encontro do Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais

Segundo levantamento entregue pelo Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT) ao coordenador do Observatório do MJSP, o secretário Nacional de Justiça, Jean Uema, atualmente há pelo menos 18 jornalistas na mira de inquéritos da Polícia Civil. De acordo com o Sindjor-MT, isso representa um “flagrante uso da máquina pública” contra críticos do governo Mendes.

Mauro Mendes alega ser alvo de mentiras 

Como pano de fundo do caso está a Operação Fake News 3, realizada em 6 de fevereiro passado pela Polícia Civil, que teve como alvos, além de Aprá e Cavalcanti, o empresário e comunicador Marco Polo Pinheiro.

Em nota enviada à Pública nesta terça-feira (5), a Secretaria de Estado de Comunicação (Secom) de Mato Grosso encaminhou a seguinte manifestação do governador Mauro Mendes, na íntegra: “Qualquer cidadão brasileiro, seja ele político ou não, tem assegurado o direito de processar todos aqueles que praticarem o[s] crime[s] de calúnia e difamação. O governador de Mato Grosso exerce esse direito, recorrendo ao Judiciário para processar aqueles que mentiram, difamaram e caluniaram. Isso é perseguição ou o exercício de um direito constitucional?”.

Denúncia vai além de inquérito contra jornalistas

Entre as denúncias apresentadas ao Ministério da Justiça, há o rumoroso caso de perseguição contra Alexandre Aprá.

A trama foi objeto de reportagem da Pública no ano passado e envolveria a contratação de um detetive particular supostamente responsável por forjar um falso envolvimento de Aprá com tráfico de drogas ou pedofilia.

Durante o encontro no Ministério da Justiça, a comitiva de jornalistas mato-grossenses afirmou que o governo Mauro Mendes usa o aparato investigativo e a estrutura da Delegacia de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI) da Polícia Civil para “criminalizar” os críticos do governo.

Foi a pedido da DRCI e do Ministério Público que a Operação Fake News 3 foi desencadeada. No relatório do inquérito – base da operação, subscrito pelo delegado Ruy Guilherme Peral, da DRCI – a Polícia Civil aponta que Aprá, Enock e Marco Polo formaram uma suposta “associação criminosa” a fim de caluniar e perseguir Mauro Mendes e o desembargador do Tribunal de Justiça Orlando de Almeida Perri.

Mauro Mendes e o desembargador do Tribunal de Justiça Orlando de Almeida Perri
Desembargador do Tribunal de Justiça Orlando de Almeida Perri (à esq) e o governador Mauro Mendes (ao fundo)

A DRCI diz que Aprá, Cavalcanti e Pinheiro repassaram, em sites e via WhatsApp, uma reportagem do site Repórter Brasil que falava de suspeitas sobre decisões judiciais pró-garimpeiros em Mato Grosso.

Na operação contra Aprá, Cavalcanti e Pinheiro, a polícia tinha autorização para apreender telefones celulares, notebooks, tablets e até videogames dos investigados. A decisão judicial que permitiu a operação autorizou também a quebra do sigilo telemático dos equipamentos, que seguem sob a guarda da polícia. Para os jornalistas, tal fato ameaça o sigilo de suas fontes.

Na conclusão do inquérito, o delegado Peral pediu ainda a prisão preventiva de Aprá, que foi negada pelo juiz João Bosco Soares da Silva, da 10ª Vara Criminal, responsável por autorizar a Operação Fake News 3.

Jornalistas afirmam que Mauro Mendes usa o aparato investigativo e a estrutura da DRCI para “criminalizar” os críticos do governo

A comitiva mato-grossense pediu também ao Ministério da Justiça uma investigação sobre a legalidade da compra e do uso do aparelho de espionagem GI2-S, adquirido pelo governo Mauro Mendes sem licitação em 2022 – compra já detalhada pela Pública no ano passado.

O GI2-S é fabricado pela companhia israelense Cognyte, a responsável pelo programa First Mile – que a Polícia Federal suspeita ter sido usado ilegalmente pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro, foco do chamado escândalo da “Abin paralela”.

Conforme revelado pela Pública, o que o governo de Mato Grosso informou a órgãos de controle sobre o potencial uso do GI2-S se contradiz com a real capacidade do aparelho – que opera de modo a “não revelar para as operadoras de telefonia celular que a rede está sendo monitorada”, “permitindo atividade secreta e uso dissimulado do aparelho” celular monitorado.

O hackeamento se torna possível também porque o GI2-S, da Cognyte, permite invasões ativas via “entrega automática de um SMS predefinido para qualquer telefone que seja capturado” – técnica similar ao phishing, que é o envio de comunicações fraudulentas de modo a parecer que vêm de fontes confiáveis, invadindo proteções do aparelho com um pretenso consentimento do usuário.

Esse é um ponto relevante, pois o governo de Mato Grosso defendeu sua compra perante o Ministério Público Estadual (MPE) alegando que o aparelho de espionagem era uma “ferramenta passiva”.

Segundo apurado pela Pública, o deputado estadual de Mato Grosso Valdir Barranco (PT) enviou um ofício em outubro de 2023 ao então ministro da Justiça Flávio Dino pedindo apoio para esclarecer o uso da ferramenta de espionagem GI2-S pelo governo Mauro Mendes. O caso segue aberto, sem conclusão, no MJSP. 

Edição:
Rubens Valente/Agência Pública
Reprodução
Reprodução/ Polícia Judiciária Civil do Mato Grosso

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