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A suspensão do Twitter afetou a desinformação eleitoral?

Para especialistas, fake news ainda rodam na plataforma, mas suspensão consolidou fragmentação da audiência

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24 de setembro de 2024
06:00

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Pablo Marçal parece ter derretido, Ricardo Nunes se consolidou entre o público bolsonarista; o segundo turno parece ter se definido nas últimas duas semanas. E isso só em São Paulo. A campanha eleitoral está a toda, e com os recentes acenos do Twitter – que passou a respeitar as decisões do STF, indicando uma advogada como representante legal e suspendendo as contas investigadas – parece que a empresa de Elon Musk percebeu que é um mau negócio ficar fora do ar neste momento. 

Mas qual foi o impacto até agora dessa suspensão histórica da rede social durante a corrida eleitoral? Procurei quatro especialistas em desinformação e fact-checking para me ajudar a entender a resposta. 

(Alô, Alexandre de Moraes: para deixar claro, os pesquisadores seguem monitorando a rede através de contas no exterior.) 

“É impressionante que o volume de desinformação nas temáticas que a gente monitora de desinformação, que são campanhas permanentes ligadas à extrema direita brasileira, não diminuiu em nada. Isso nos surpreendeu bastante”, diz Marie Santini, diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ (Netlab). 

Mas, para ela, embora o volume seja o mesmo, a suspensão do Twitter reduziu a velocidade com que essas campanhas desinformativas se espalham. 

“O Twitter tinha essa característica de rede social muito veloz, que de alguma forma colocava pautas e questões e informações erradas no debate público e atingia muitas pessoas muito rapidamente, pela lógica do algoritmo da plataforma”, explica. Por outro lado, a presença massiva da imprensa e de políticos ajudava a acelerar o ciclo da desinformação. 

“A suspensão do Twitter teve esse duplo efeito, desacelerou a disseminação de desinformação e essa desaceleração está dando um tempo para a imprensa chegar com as informações confiáveis, íntegras. Isso deixa o debate público um pouco mais saudável”, diz ela.

Natália Leal, diretora da Lupa, agência de fact-checking que também faz treinamentos, afirma que a suspensão não afetou o fluxo de fake news: “Os usuários seguem ativos em outras plataformas e mantêm o mesmo comportamento de espalhar informações falsas”, diz. “Muitas contas que tradicionalmente publicam desinformação sobre o processo eleitoral seguiram ativas no X, através de VPN, e, sem acesso ao aplicativo, não conseguimos monitorar esse movimento e checar essas informações”. 

Já Sérgio Lüdke, coordenador do projeto Comprova, que reúne dezenas de redações para fazer verificação em tempo real, lamenta a suspensão do Twitter, dizendo que “faz bem à saúde mental não conviver com o ódio na plataforma, mas é também lamentável ter que deixar para trás todo o estoque de inteligência que ela é capaz de gerar e conservar”. 

Para ele, o maior impacto da suspensão do Twitter foi impedir a avaliação do fluxo de desinformação, pois a plataforma funcionaria como um “entreposto” onde campanhas de fake news são trazidas de outras plataformas. 

“É muito difícil dimensionar a redução da circulação da desinformação com as barreiras impostas ao X”, diz ele. “Mas a atividade ainda é grande. Somente uma das postagens que usou fotos manipuladas da Tabata Amaral há alguns dias alcançou perto de 200 mil visualizações.” 

Tai Nalon, fundadora e diretora do Aos Fatos, uma organização que promove soluções tecnológicas originais para monitorar e combater desinformação, lembra que o monitoramento já estava mais difícil desde a aquisição da empresa por Elon Musk. “Desde que a API do Twitter passou a ser paga, no ano passado, estamos sofrendo com um apagão de dados que nos impede de fazer diagnósticos mais precisos sobre o que está acontecendo na plataforma. E como Musk mudou fundamentalmente alguns de seus principais atributos, como a timeline cronológica e a distribuição gratuita de conteúdo, fica ainda mais difícil dimensionar se a experiência que eu e o Aos Fatos vínhamos tendo no X é a mesma de outras pessoas.” 

Ainda segundo a jornalista a principal ferramenta de combate à desinformação havia sido “cooptada por grupos políticos desde a origem”. “Há estudos que mostram que essa ferramenta sozinha não combate a desinformação e, por falta de transparência e mecanismos de controle, pode até aumentar seu alcance”, explica.

Embora já tivesse sido uma boa ferramenta qualificadora do debate público onde estavam autoridades e quem as cobria, o Twitter já tinha menos usuários que o TikTok e “estava em franco declínio”. “Antes do bloqueio, era conversa recorrente entre marcas jornalísticas despriorizar a plataforma. Havia menos jornalistas engajados em transmitir boas informações também, já que virou um terreno fértil para assédio e outros tipos de ataques digitais. E, mesmo que você tivesse a sorte de não ser atacado, o engajamento era inexplicavelmente baixo para contas gratuitas. Então, se não é possível afirmar categoricamente se a desinformação aumentou, certamente é possível dizer que a quantidade de boa informação diminuiu.”

Bluesky ou TikTok? 

Os especialistas concordam que a rede que mais ganhou adeptos nesse período foi o Bluesky – estima-se que a plataforma recebeu mais de 3 milhões de novos usuários, atingindo a casa dos 10 milhões no total. Essa migração modificou a dinâmica das conversas e da desinformação. 

“De acordo com a nossa equipe de audiência e engajamento, que acompanha esses ambientes, ainda não há por lá uma tendência de espalhamento de desinformação como ocorria no X”, diz Natália Leal. “No Bluesky, inclusive, vimos usuários comemorando que perfis que costumam compartilhar teorias da conspiração e conteúdos falsos não migraram para lá.” Mas, para ela, a rede é ainda incipiente e é preciso ver se ela vai se consolidar.   

De fato, pode ser que, se o Twitter voltar a funcionar no Brasil esta semana, todos esses usuários voltem para o quintal de Musk.  

O jornalista Lüdke avalia que houve um “comportamento de manada” para o Bluesky – mas apenas de perfis mais progressistas. Marie Santini discorda. Para ela, quem migrou para a plataforma foram “pessoas neutras, que talvez não estivessem conversando tanto sobre política, estivessem usando o Twitter para outras coisas”. Além disso, analisa a pesquisadora, há uma tentativa de desinformadores de “ocupar mais o TikTok”, mas, como a rede não é tão usada por membros da imprensa tradicional, a tração dessas campanhas é menor. 

Fragmentação da audiência e falta de incentivo ao jornalismo 

O resultado, para Marie Santini, é que o que se vê agora “não é uma polarização dentro de uma plataforma, é uma polarização em plataformas diferentes, ou seja, cada campo político está discutindo numa plataforma específica e não está conseguindo ser confrontado e debater com outro campo”. Crescem, assim, as bolhas ou “câmara de eco”.

Na análise de Tai Nalon, o debate público já estava mais fragmentado e deve continuar assim. “O bloqueio do Twitter apenas cimentou essa percepção. Se o Instagram e o Facebook desincentivam conteúdos políticos, assim como o TikTok não gosta muito de jornalismo, há poucos lugares onde encontrá-los. O YouTube, que é uma máquina inexplicavelmente subestimada de informação e de desinformação, é um deles. O WhatsApp também, além do Telegram. Mas essas plataformas oferecem experiências bastante específicas de consumo e me parecem incomparáveis.” 

“Também não sei dizer se é bom ou ruim – só sei que os mecanismos de incentivo à boa informação são insuficientes dentro dessas plataformas.”

Natalia Leal também acredita que a tendência é uma via de mão dupla. “Há alguns anos temos diferentes plataformas e redes sociais se alternando em relevância nesse debate e para a sociedade. É positivo, à medida que quebra um monopólio de informação, mas também é negativo, porque a falta de regulação transforma esses ambientes em lugares nocivos e perigosos muito rapidamente.” 

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