Buscar

Pela segunda vez, Celso Padovani vai vencer sem adversários; ele coleciona armas, R$ 16 milhões e multas ambientais

Reportagem
3 de outubro de 2024
14:00

Um único evento por dia é suficiente para preencher a agenda de compromissos eleitorais de Celso Padovani (União), candidato à reeleição em Marcelândia, cidade de pouco mais de 11 mil habitantes, situada na região norte do estado de Mato Grosso e com forte relação com o agronegócio.

Padovani se deu ao luxo até de se ausentar por cinco dias inteiros na reta final da campanha – entre 19 e 24 de setembro –, mantendo a tranquilidade que será reeleito no dia 6 de outubro. Isso porque Marcelândia é um dos 214 municípios brasileiros que só têm um único candidato inscrito para concorrer ao cargo de prefeito.

Em casos assim, o Código Eleitoral estabelece que o postulante está automaticamente garantido no cargo com um único voto válido depositado na urna. A eleição de 2024 já bateu o recorde de mais candidaturas solo de prefeito nas cidades brasileiras neste século – superando 2008, quando houve 132 votações sem o tradicional “bate-chapa”.

Essa, porém, está longe de ser a única controvérsia na trajetória política e empresarial de Celso Padovani, de 61 anos. Na última eleição municipal, em 2020, o prefeito também foi alçado ao posto sem concorrer contra nenhum outro adversário – venceu com 84,4% dos votos e festejou em suas redes sociais a votação expressiva.

Natural de Cascavel, no oeste do Paraná, Padovani declarou este ano na Justiça Eleitoral que não tem sequer o ensino fundamental completo. Isso, no entanto, passou longe de ser um impeditivo para que acumulasse uma fortuna declarada em R$ 16 milhões. 

Entre seus principais ativos estão cinco fazendas que, juntas, são avaliadas em mais de R$ 5,4 milhões. O prefeito declarou possuir quase 3 mil cabeças de gado, que valem R$ 6 milhões. Ele tem ainda outras criações, essas um pouco mais modestas, de cavalos, ovelhas, mulas e porcos, que chegam à cifra de R$ 108 mil. 

Além do dinheiro, o que mais chama atenção na declaração de Padovani é o enorme arsenal de armas que ele mantém sob sua posse. No total, são 11, que, juntas, valem quase R$ 100 mil. Um fuzil, de R$ 17 mil; cinco pistolas de diferentes modelos, juntas, avaliadas em R$ 43,9 mil; dois revólveres da Taurus que, somados, dão o valor de R$ 8,9 mil; duas espingardas, no valor de R$ 21,8 mil e uma carabina Rossi, de R$ 5,1 mil.

Por que isso importa?

  • Marcelândia é um dos municípios que mais registraram desmatamento ilegal em Mato Grosso, segundo dados da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de 2022

Quando foi candidato em 2020, Padovani não havia declarado nenhum armamento à Justiça Eleitoral. Embora já fosse rico, seu patrimônio aumentou substancialmente em R$ 5,5 milhões no período em que comandou Marcelândia. Quatro anos antes, ele havia declarado possuir R$ 10,5 milhões.

A reportagem procurou Celso Padovani para falar sobre o enriquecimento acelerado, a coleção de armas e o fato de vencer duas eleições sem enfrentar nenhum oponente nas urnas. Via assessoria de imprensa, o prefeito disse que só poderia agendar uma conversa depois do período eleitoral, pois “mesmo sendo candidato único, está bem atarefado”.

O prefeito do boi, da bala e da Bíblia

Padovani unifica, sozinho, as três letras “b” que caracterizam as alas mais conservadoras do Congresso Nacional: a bancada do Boi, da bala e da Bíblia. Além de ter fortunas em cabeça de gado e uma predileção especial por armamentos de grosso calibre, ele foi candidato à prefeitura de Marcelândia em 2004, representando a chapa Frente Liberal Cristã. Foi derrotado por Adalberto Diamante, do PPS. 

À época, sua chapa era formada pelo seu partido, o PSDC (hoje Democracia Cristã) e pelo PFL (que veio a se tornar o União Brasil, sua legenda atual). No registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há declaração dos bens de Padovani na eleição que concorreu há 20 anos.

Com tantos predicados conservadores, não é de estranhar que o prefeito tenha apoiado Jair Bolsonaro (PL) na eleição presidencial de 2022. Em suas redes sociais, há inúmeros registros desse engajamento político, como vídeos dele com a camisa da Seleção Brasileira, hinos de louvores cantados em defesa do ex-capitão e até fotos do próprio Padovani ao lado do ex-presidente.

Os esforços não foram em vão. Os 5.884 eleitores marcelandeses deram uma esmagadora vitória a Bolsonaro nas urnas, com 73,88% dos votos. Marcelândia foi a sétima cidade do Mato Grosso, em números percentuais, a mais votar em Bolsonaro. Lula (PT) teve 23% dos votos, enquanto Soraya Thronicke (União), natural de Mato Grosso, teve apenas 49 votos (0,81%).

Os ótimos números se estenderam também na eleição para governador. Mauro Mendes (União Brasil), mesmo partido de Padovani, teve 82,23% dos votos em Marcelândia. 

O segundo governo de Mendes tem sido marcado por intensos embates com indígenas, que tentam travar a sanção da lei estadual que libera pecuária em áreas de preservação do Pantanal e da construção da Ferrogrão – ferrovia que vai escovar a produção de grãos do Centro-Oeste até o porto de Miritituba, no Pará. 

A ferrovia passará pela cidade de Marcelândia, valorizando o agronegócio local.

Sobre as recentes queimadas em Mato Grosso, o governador eximiu os produtores rurais da responsabilidade sobre o fogo, mas culpabilizou os indígenas pelo ato, sem apresentar provas.

“Eu estava acompanhando aqui e tem outra causa que representa um percentual alto das queimadas que são nossas reservas indígenas”, disse Mendes, em entrevista à Rádio Bandeirantes.

Todos os vereadores são da base do prefeito

A palavra oposição parece realmente não fazer parte do vocabulário político de Marcelândia. Além de, por duas eleições consecutivas, a cidade não ter disputa entre candidatos ao cargo de prefeito, todos os nomes que hoje pleiteiam uma das nove vagas na Câmara de Vereadores são da coligação do atual mandatário. 

Ou seja, independentemente de quem seja eleito, já está na base de apoio no próximo mandato de Padovani.

Ao todo, 20 candidatos concorrem ao Legislativo municipal. Dez do União Brasil e outros dez do MDB. Os dois partidos compõem a coligação que forma a chapa de Padovani – ele é do União Brasil, e sua vice, Rosemar Marcheto, é do MDB.

A falta de diversidade política em Marcelândia é um fenômeno relativamente recente. Em 2020, foram 54 candidatos ao cargo de vereador por cinco partidos diferentes. Em 2016, eram 58.

Além do monopólio político, Padovani exerce enorme influência econômica em Marcelândia. Ele é dono da empresa ProNorte Colonização, fundada em 2003 para tocar negócios imobiliários, mas que passou a se especializar também na extração de madeira em florestas nativas e também plantio de arroz, milho, soja, feijão e outros cereais. 

A empresa possui sozinha 110 mil hectares de terra no município, de acordo com um vídeo institucional publicado nas redes sociais em 2017.

A ProNorte hoje é tocada por Padovani e seu filho, que também se chama Celso. A matriz fica na cidade de Marcelândia – outras duas filiais estão também em outras cidades agrícolas do estado: União do Sul e Nova Santa Helena.

Marcelândia vive basicamente da agropecuária, com produção mecanizada de soja, arroz e algodão, além de criação de gado. O município possui uma extensa área territorial, com 12 milhões de km². 

Parte desse espaço compreende a área de proteção da floresta amazônica, cobiçada pelos madeireiros e criadores de gado para ser transformada em pasto. Marcelândia está localizada no norte de Mato Grosso, próximo da divisa com o Pará, na área de influência da BR-163 e integrando uma região conhecida como Portal da Amazônia. 

Desmatamento e compra de voto

Padovani é um dos 69 prefeitos do país que estão no exercício do mandato e possuem um histórico de crimes ambientais. Um levantamento exclusivo feito pela Agência Pública, publicado em agosto deste ano, mostra que, nos últimos dez anos, esses prefeitos têm juntos quase R$ 35 milhões em dívidas por multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

Padovani tem duas multas com o órgão federal do ano de 2018 que, juntas, chegam a R$ 1,2 milhão. O político foi multado por destruir 181 hectares de floresta amazônica nativa em Marcelândia e por apresentar informações consideradas enganosas sobre área de vegetação que deveria ser preservada em propriedade privada.

O site De Olho Nos Ruralistas mostrou ainda que a ProNorte Colonização, empresa de Padovani, é ré em uma ação civil pública movida em 2021 pela Força-Tarefa em Defesa da Amazônia, a Amazônia Protege. 

A Força-Tarefa aponta que 6,1 mil hectares foram desmatados sem autorização pelo projeto imobiliário Santa Rita, em Marcelândia, tocado pela ProNorte. A autuação ocorreu em 2007 por fiscais do Ibama.

A Amazônia Protege solicita a recuperação imediata da área e pede o pagamento de uma multa de R$ 42,3 milhões. Ainda de acordo com o site, a ProNorte reincidiu na prática outras duas vezes, entre 2016 e 2018. O processo corre na 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Sinop, em Mato Grosso. 

Procuramos a ProNorte para falar sobre o processo e a multa milionária em ação na Justiça, mas não houve resposta ao nosso pedido de entrevista.

Marcelândia é citada pelo site De Olho Nos Ruralistas também como uma das cidades administradas por grandes latifundiários que retornaram à lista de grandes desmatadores.

Em 2013, durante a gestão de Adalberto Diamante (PR), a cidade deixou de constar na lista do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

Criado em 2004, no primeiro governo Lula (PT), o PPCDAm mede, entre outras coisas, o índice de desmatamento de mata nativa dos municípios brasileiros.  

Depois de Diamante, Marcelândia passou a ser administrada por Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), que levou a cidade de volta à lista de municípios com maior índice de devastação ambiental do país. 

O atual prefeito mantém política semelhante. Para se ter uma ideia, a Secretaria de Meio Ambiente de Marcelândia acumula outras duas funções que lhe tiram o protagonismo da pasta: Turismo e Agricultura.

Quem comanda a secretaria é o médico veterinário Lincoln Alberti Nadal. Em 2022, ele foi flagrado em vídeo por indígenas da etnia Yudjá Juruna oferecendo R$ 1,5 mil para que eles votassem em Jair Bolsonaro e no governador Mauro Mendes.

A Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso. Em nota, a polícia informou à Pública que o inquérito foi concluído e encaminhado para o Tribunal Eleitoral da Comarca de Cláudia, em setembro de 2023. Mesmo com a denúncia, Nadal não foi exonerado pelo prefeito Padovani.

Edição:
Willian Kanashiro/Secom-MT
Reprodução/Instagram
Reprodução/Facebook
Reprodução/Facebook

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo e também a cobertura única e urgente que estamos fazendo no especial Clima das Eleições. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Clica aqui pra saber mais!

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes