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Problema é ainda mais sério porque maioria dos países conta com florestas para impedir aumento da temperatura global

Reportagem
14 de novembro de 2024
04:00

Florestas e outros biomas terrestres não conseguiram absorver gás carbônico em ritmo suficiente para fazer frente às emissões de combustíveis fósseis em 2023, levando a uma taxa de crescimento de CO2 na atmosfera 86% maior do que no ano anterior, segundo estudo europeu publicado na revista National Science Review, em outubro. 

Os pesquisadores concluíram que a alta foi provocada por um enfraquecimento na capacidade dos ecossistemas de absorver o gás do efeito estufa. Isso ocorreu em um ano que foi extremamente quente, com secas intensas na floresta amazônica e enormes incêndios florestais no Canadá. 

O estudo acendeu um alerta logo antes da 29ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP29), que começou na segunda-feira, 11 de novembro, em Baku, capital do Azerbaijão. Dos 143 países com metas de redução de emissões, que serão novamente discutidas a partir da COP, pelo menos 118 deles dependem de suas florestas para atingir os objetivos e evitar que a Terra aqueça mais de 1,5 ºC na comparação com a temperatura média do período pré-industrial. 

Por décadas a fio, as florestas, a vegetação e o solo dos biomas vêm ajudando a humanidade nessa tarefa, absorvendo grande parte – cerca de 30% – das emissões de gás carbônico provocadas pela queima de combustíveis fósseis. Isso acontece naturalmente por meio da fotossíntese – processo de “alimentação” das plantas, por meio do qual elas absorvem o CO2 na atmosfera para produzir a matéria-prima necessária para seu crescimento. 

O estudo europeu e outras pesquisas, no entanto, apontam que essa absorção pode estar enfraquecendo, pelo menos em algumas partes do mundo.

Por que isso importa?

  • As florestas absorvem grande parte do gás carbônico que está na atmosfera. O gás contribui para o efeito estufa, aumentando a temperatura global.
  • Se as florestas absorverem menos carbono, será preciso mais ações para impedir o aumento da temperatura, que torna eventos extremos cada vez mais comuns.

Ainda há muitas dúvidas na comunidade científica sobre o tamanho desse enfraquecimento, suas causas, se ele varia ao longo do tempo e se seria reversível. Mas as evidências preliminares, caso confirmadas, preocupam.

“Se as florestas e os oceanos deixarem de remover o gás carbônico como vinham removendo há décadas, nossas metas teriam que ser muito mais ambiciosas, teríamos que dar uma superacelerada no corte de emissões – e estamos muito longe disso”, diz o meteorologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas brasileiros em mudanças climáticas. 

No ano passado, as emissões cresceram 1,3%. Segundo o relatório mais recente da ONU sobre o tema, se todas as metas dos países fossem realmente cumpridas, ainda estaríamos caminhando para um aquecimento de 2,6 ºC até o fim do século na comparação com a era pré-industrial. 

Se 2023 já tinha sido o ano mais quente registrado na história, este ano promete ser ainda pior. Segundo levantamento do observatório Copernicus, da União Europeia, 2024 deve se tornar o primeiro ano a registrar um aumento da temperatura média global acima de 1,5 ºC. 

Nesse cenário – e enquanto falhamos miseravelmente em cortar as emissões – estamos todos contando com a absorção realizada pelas florestas.

Amazônia pode estar se tornando fonte de carbono

Para Philippe Ciais, um dos autores do estudo publicado em outubro e diretor do Laboratório para Ciências Climáticas e Ambientais, instituto de pesquisa francês, a grande pergunta é como essa capacidade de absorção varia no tempo e se ela continuará retirando da atmosfera a mesma quantidade de gás carbônico das emissões humanas como fez no passado. 

Em artigo publicado em agosto, outro grupo de pesquisadores europeus indicou uma perda de força de 25% na absorção de florestas e vegetação da Europa entre 2000 e 2010. 

“Essa redução parece ser impulsionada por uma combinação de fatores: aumento na intensidade do manejo florestal (extração controlada de madeira e outros produtos florestais) e uma elevação na frequência e gravidade de distúrbios naturais”, explicou Ronny Lauerwald, da universidade francesa Paris-Saclay e um dos autores do estudo, em entrevista à Pública

“No entanto, quantificar com precisão a contribuição de cada um desses fatores para a capacidade decrescente de absorção de CO₂ das florestas europeias continua sendo um desafio significativo”, disse ele.

No Brasil, alguns levantamentos científicos também apontam para um enfraquecimento da floresta amazônica. Pior ainda: algumas partes da floresta, principalmente as mais afetadas por queimadas e desmatamento, já estariam se tornando fonte de carbono, como mostram os trabalhos conduzidos pela cientista Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“As estimativas do balanço de carbono da Amazônia na última década indicam que a Amazônia como um todo é agora uma fonte de carbono (ou seja, perde carbono para a atmosfera) na ordem de 1,1 Gt CO2 por ano”, diz um artigo recente assinado por Gatti e outros pesquisadores.

“A Amazônia vem atuando historicamente como sumidouro [absorvendo carbono], porém isso vem perdendo força, uma redução de 30% desde os anos 1990”, diz o ecólogo David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp e coordenador do AmazonFACE, um experimento de campo inédito que quer, justamente, entender até onde vai a absorção de CO2 pela floresta. 

Por meio de grandes torres equipadas com sensores em uma área de floresta madura, o experimento vai expor a vegetação a uma concentração maior de CO2 do que a atual para entender o que pode acontecer com a floresta no futuro. Em tese, quanto mais CO2, mais eficiente é a fotossíntese.

“Mas as observações estão mostrando que esse efeito tem seus limites”, diz Lapola. O pesquisador explica que as principais hipóteses para essa limitação são duas: a primeira seria a da falta de nutrientes no solo, que impede a absorção efetiva do carbono pela planta. Na Amazônia, o principal problema pode ser a ausência de fósforo. 

A segunda hipótese é a mudança climática, com o aumento dos extremos (mais dias de temperaturas muito altas, secas intensas seguidas por chuvas também extremas), que estaria afetando a capacidade da floresta de funcionar como funcionou por milhares de anos. 

“Quando falamos da Amazônia como sumidouro [que absorve CO2], estamos falando o quanto a floresta vai nos ajudar a conter a mudança do clima. Mas tem o outro lado dessa moeda, que é a floresta em si estar vulnerável à mudança climática”, afirma Lapola.

O pesquisador Marcos Costa, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e um dos autores do último grande relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne as evidências científicas de ponta sobre o clima, afirma que é preciso olhar para o balanço global para avaliar o tamanho do problema.

“Aparentemente, os enfraquecimentos dos sumidouros de carbono [biomas que atuam absorvendo o gás] são locais, ainda não vemos uma tendência global.” 

“Na Amazônia está enfraquecendo? Muito provavelmente está, temos os artigos indicando até a mudança de sinal, de sumidouro para fonte, o que é muito preocupante. Mas globalmente o que importa é que, se perdeu a capacidade aqui, outras florestas ainda estão compensando”, explica Costa. 

Faltou combinar com a floresta: modelos desatualizados e metas irreais

Em nível local, o enfraquecimento dos sumidouros importa para os países em seus esforços de conter emissões. O caso da Finlândia é ilustrativo. 

O país nórdico se comprometeu a se tornar carbono neutro até 2035 – cortando emissões e compensando as restantes com a capacidade de absorção de sua vasta cobertura florestal. Faltou, porém, combinar com a floresta. Entre 2009 e 2022, a absorção por floresta, vegetação e solo diminuiu 90%, segundo um levantamento do jornal britânico The Guardian. Assim, apesar de o país ter cortado 43% das emissões em todos os setores, o balanço líquido está aproximadamente no mesmo nível da década de 1990. 

Um alívio para os países que usam as remoções florestais para calcular suas metas de cortes de emissões é que ainda falta consenso científico sobre o tamanho das limitações na capacidade comprovada das florestas de absorver CO2

Pelas diretrizes atuais, nas quais os países se baseiam para reportar suas emissões, florestas em pé absorvem carbono. O Brasil, por exemplo, contabiliza as remoções feitas pela vegetação de áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas.

Marcos Costa, da UFV, aponta que faltam recursos para melhorar os modelos de vegetação, sobre os quais ainda há “grandes incertezas”. Por anos ele trabalhou nesses cálculos, mas diz que, na última década, os investimentos caíram muito, estagnando o desenvolvimento. 

E há ainda um passo anterior, diz Costa: para alimentar os modelos, seria necessário produzir muito mais dados com experimentos de campo sobre a capacidade de absorção das florestas e suas limitações – como o AmazonFACE, que deve começar a operar no ano que vem.

“Os modelos precisam considerar melhor o fogo, a degradação florestal e a mortalidade causada pelas secas, que estão no geral ausentes das equações”, diz Ciais, do Laboratório para Ciências Climáticas e Ambientais. Para ele, essas ausências tornam essas projeções “muito otimistas” em relação aos sumidouros terrestres.

Enquanto isso, diferentes países, como o Brasil, continuam contando com a capacidade de suas florestas de absorver carbono para limitar o aquecimento global. 

“A pergunta prática mais urgente é se medidas eficazes podem ser implementadas para evitar a degradação adicional dos sumidouros de carbono”, afirma o pesquisador Lauerwald. “Abordar essa questão pode fornecer orientações críticas para a política climática.” 

No caso brasileiro, garantir que a Amazônia continue absorvendo carbono passa, obrigatoriamente, por conter o desmatamento e a degradação da floresta. A boa notícia é que pelo menos a primeira parte dessa tarefa vem sendo cumprida. Segundo os dados oficiais do Inpe, a taxa de desmatamento na Amazônia Legal caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, atingindo a menor área desde 2015. Trata-se da terceira queda consecutiva, um ganho indispensável para a manutenção da floresta. 

Edição:
Mayangdi Inzaulgarat/Ibama/Divulgação Flickr
Dado Galdieri/AmazonFACE
Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

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