O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início nesta quarta-feira (13) ao julgamento sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF 635), conhecida como ADPF das Favelas. A ação, movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019 e deferida pela Corte em 2022, mira a adoção de medidas que possam frear e reverter políticas de segurança pública “historicamente pautadas no racismo e na violência contra territórios negros e favelados”.
A Agência Pública acompanhou os movimentos sociais presentes em Brasília que vieram pressionar para que o tema fosse julgado no STF. Do lado de fora do plenário, antes do início do julgamento, mais de dez organizações da sociedade civil e movimentos sociais em defesa dos direitos humanos se reuniram e protestaram a favor da ADPF e pela defesa das regras para operações policiais.
A ADPF 635 marca a primeira vez na história do Judiciário em que movimentos sociais são incluídos como amicus curiae, segundo Glaucia Marinho, diretora-executiva da Justiça Global. Para ela, essa inclusão é de “importância muito grande porque abre precedentes para outros casos que têm a participação de movimentos sociais”.
Na ação, o STF poderá decidir sobre a implementação obrigatória de câmeras e gravações de áudio nas operações, além da presença de socorristas para maior transparência e controle. Movimentos sociais propõem, ainda, que o STF exija do estado do Rio de Janeiro um plano concreto de redução da letalidade, com metas específicas, visando a uma diminuição média de 70% das mortes.
“Você tem os movimentos de familiares, de favela, pensando na estratégia da ação. Porque antigamente você tinha uma separação muito grande, né?! [De] Quem vai pensar o direito, a estratégia, o que vai ser pautado, falado e quem sofre a violação. Agora, nessa ADPF está todo mundo junto”, afirmou Marinho.
Bruna da Silva, mãe de Marcus Vinicius, morto aos 14 anos em operação na Maré a caminho da escola, protestou, afirmando que a ação é de suma importância para a fiscalização da corrupção no estado. “O Estado não tem intenção de diminuir o crime. Eu não aceito enquanto moradora de favela ver o Estado atuando de um lado, apreendendo coisas de um lado e revendendo de outro. Eu não aceito isso. Aí eu pergunto, quem é o bandido da história?”, questionou. “Se a minha filha tem 18 anos hoje, graças a Deus, a minha única filha que o Estado deixou, é porque a gente tem uma ADPF em vigor.”
“Nós, moradores de favela, somos afetados por essa violência diariamente. […] Independente de ser envolvido no tráfico ou não ser envolvido, nós somos criminalizados por morar em uma favela. Então, para eles, o direito nosso é o quê? É eles entrarem, meter bala para dentro, quem matou, morreu, acabou. Estão nem aí para as nossas vidas”, disse Fátima Pinho, uma das fundadoras e coordenadora do Movimento Mães de Manguinhos.
A ministra Anielle Franco, acompanhada de sua mãe, também esteve presente no ato e prestou apoio às mães. “A ADPF traz um movimento importante pra essas mães. Minha mãe tá aqui. Acho que não é à toa que a gente tem aqui casos que a gente acompanhava há muito tempo, há muitos anos. A minha irmã acompanhou, e eu, à frente do instituto [Instituto de Defesa da População Negra], também acompanhei”, disse a ministra. “Eu tenho essa dor, né? Conheço essa dor na minha casa.”
“A gente busca, no âmbito dessa DPF, mas sobretudo a partir de todas as nossas mobilizações e atuações enquanto sociedade civil organizada, que o Estado aja dentro da perspectiva constitucional resguardando vidas, protegendo as pessoas, e não sendo um remédio que mata mais do que a doença”, disse Joel Luiz Costa, fundador do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN). “Nós não estamos pedindo favor, estamos aperfeiçoando uma Constituição que foi muito bem feita, mas é muito mal executada.”
Rejeição na Câmara
Ontem (12), o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) esteve na Comissão de Segurança Pública da Câmara, e afirmou a relevância da ação no Supremo para combater a letalidade policial nas favelas.
“De 2013 a 2019 aumentou em cinco vezes o número de mortes decorrentes de operações policiais nas favelas do Rio. Depois da ADPF, que criou mecanismos de controle, de limite para essas operações, nós temos uma redução em 70% da letalidade policial nestas operações”, disse Vieira.
O discurso foi criticado por deputados presentes na audiência, que afirmaram que a ação tomada pelo STF contribui com a criminalidade e favorece criminosos. “E essa ADPF 635, senhores parlamentares, não é a única, claro, é uma das raízes da explosão da criminalidade no Brasil”, disse o deputado Sanderson (PL-RS).
“Então, como policial, eu digo que o problema do nosso país não é a polícia. É certos tipos de deputados que tem aqui, defensor de bandido, de senadores e de ministros do STF. […] Bando de [senadores] frouxo, covarde, com poucas exceções, nós sabemos disso, que sequer tem coragem de colocar um impeachment de ministro do STF.”, complementou o deputado Gilvan da Federal (PL-ES).
Os movimentos sociais reiteram que o julgamento não contribui para diminuir a letalidade de ações policiais só no Rio, mas em todo o país, pois impacta e abre precedentes para tratar também de casos em outras regiões.
“É um marco na história da luta dos familiares de vítimas de violência do Brasil. Porque a gente está falando da ADPF no Rio de Janeiro, mas isso vai mudar o olhar da segurança pública no Brasil. Então, seja no Rio de Janeiro, São Paulo, Acre ou Rondônia, terá uma mudança a partir do julgamento da ADPF”, afirmou Patrícia Oliveira, uma das fundadoras da Rede de Comunidades Contra a Violência.
O julgamento foi iniciado com a leitura do relatório do ministro Edson Fachin, que levou ao plenário o histórico do processo, seguida das sustentações orais das partes envolvidas. A votação, no entanto, será agendada para uma data posterior.