Buscar

Ana Toni, diretora-executiva da COP30 fala dos desafios da conferência de Belém em entrevista ao Bom Dia, Fim do Mundo

Entrevista
24 de abril de 2025
06:11

Faltando pouco mais de seis meses para a realização da 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, em Belém, aumentam as expectativas sobre o que poderá resultar do encontro, ao mesmo tempo em que também aumentam as incertezas em meio a um cenário geopolítico conturbado que se agravou a partir da volta de Trump à Casa Branca.

O que podemos esperar, de fato, de uma conferência como essa? O quão decisiva é essa reunião para a mitigação e a adaptação das mudanças climáticas? E o Brasil, como país sede, tem um papel decisivo nestas negociações?

Para responder a essas perguntas, o episódio desta semana do Bom Dia, Fim do Mundo, videocast da Agência Pública, conversa com Ana Toni, diretora-executiva da COP30.

Toni construiu sua carreira na sociedade civil. Economista e cientista política, atuou em organizações como Greenpeace e Fundação Ford e dirigiu o Instituto Clima e Sociedade de 2015 até 2023, quando foi convidada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para atuar como secretária de Mudança do Clima no ministério.

No cargo, ela liderou os esforços para a confecção do chamado Plano Clima, ainda não lançado, mas que vai trazer as diretrizes do país para o combate à emergência climática. Nos últimos dois anos ela também compôs a equipe de negociadores brasileiros nas conferências do clima da ONU e, neste ano, foi convidada pelo presidente Lula para compor a equipe que preside a COP30, junto ao embaixador André Corrêa do Lago, que preside ao evento (veja entrevista que ele concedeu à Agência Pública).

Na entrevista, Ana Toni fala sobre os desafios e expectativas sobre a COP e reconhece as dificuldades de trazer um caminho para o fim dos combustíveis fósseis: “O que a gente viu desde que conseguimos, na COP28, finalmente falar que vamos transitar para o fim de combustíveis fósseis de maneira ordenada, justa e equitativa, é que, apesar de os países estarem com o pé no acelerador para energias renováveis, eles também continuam com o pé no acelerador dos combustíveis fósseis”.

Ela também falou sobre a importância que o papa Francisco teve para mobilizar as pessoas e os governos para combater as mudanças climáticas e buscou frisar os limites da conferência, ao mesmo tempo em que defendeu, como vem fazendo Corrêa do Lago, de que a solução do problema vai depender de todos.

“As COPs não são balas de prata, elas não resolvem tudo de um dia para a noite. É ao contrário. A gente precisa desse grande mutirão global de ação climática [que vá além das duas semanas da COP]. A gente precisa de uma ação contínua para acelerar a implementação de muitas das coisas que já foram acordadas nas COPs anteriores na última década.”

Confira a seguir. As perguntas e respostas foram editadas para fins de clareza e fluidez. 

O conturbado tabuleiro geopolítico mundial tem abalado os esforços contra a crise climática. Além de termos Donald Trump tirando os Estados Unidos desse jogo, vemos muitos líderes pisando no freio diante dessas incertezas. Mas eu queria começar lembrando uma outra liderança que nunca arrefeceu em nos alertar para o risco da inação, que é o papa Francisco, morto nesta segunda-feira (21). Foi justamente uma mensagem do papa na primeira encíclica dele, a Laudato Si’, que ajudou a construir, em 2015, o consenso que acabou levando o mundo ao Acordo de Paris. Qual foi a importância de ter um líder espiritual criando esse apelo moral sobre a crise climática?

Acho que todos nós acordamos um pouco mais tristes, não só por ser a liderança espiritual incrível que o papa Francisco era para pessoas de todas as religiões, mas pelo ambientalista que sempre foi. A Laudato Si’ foi fundamental para criar o contexto do Acordo de Paris, na época, e recentemente, antes da COP28 [em 2023, em Dubai], ele fez a Laudato Deum, que era também sobre mudança do clima, e também pedindo ações num ano tão importante que foi do balanço geral. Ter uma liderança religiosa como o papa Francisco, e outros líderes religiosos, de uma forma ecumênica, mostrando a importância de cuidar da vida, e que cuidar da vida é combater a mudança do clima, é trazer um balanço melhor dessa relação do humano com a natureza, de que fazemos parte, alertar as pessoas com outro vocabulário, é absolutamente fundamental. Acho que o papa Francisco sabia, e ele deixava isso claro, que a mudança do clima é o maior acelerador de desigualdade, pobreza e sofrimento humano. Ele já estava vendo isso em 2015 – quando a gente nem tinha visto tanto dos eventos climáticos extremos que a gente viu no ano passado, no retrasado, as ondas de calor, as enchentes, os incêndios. Ele já sabia e por iss, se dedicou tanto a esse tema. Já estamos sentindo muita saudade dele.

Ele ajudou a criar um senso de responsabilidade moral nas pessoas, mas hoje, dez anos depois do Acordo de Paris, os humores não poderiam estar mais diferentes do que estavam há 10 anos, né? Não só pela instabilidade geopolítica, pelo risco de novas guerras, mas porque agora a gente ultrapassou o ano passado o aquecimento de 1,5°C pela primeira vez. Ao mesmo tempo que a importância da COP30 fica maior dentro dessas condições, para ser bem sucedida, talvez seja mais difícil. Qual é a estratégia que a presidência brasileira da COP, a senhora junto com o embaixador André Corrêa do Lago (presidente da COP) estão tentando construir para driblar esses desafios.

Vamos lembrar que a Convenção do Clima nasceu no Rio de Janeiro [na Rio-92] num momento muito especial e ali a geopolítica, o tabuleiro político, principalmente aqui no Brasil, também não era favorável. Quando tivemos o Acordo de Paris, era um outro momento político também muito importante e foi o momento da diplomacia climática florescer. O que a gente espera para a nossa COP 30, que é outro momento, não só a geopolítica mudou, mas também a diplomacia climática mudou, porque as COPs, elas não representam somente a diplomacia em termos de negociação, como foi tão importante no Acordo de Paris. Agora, o que é mais importante – e a carta do André Corrêa do Lago, presidente da COP, deixa isso muito claro –, a gente precisa de um mutirão. As negociações continuam muito importantes, mas nós temos outros players, por exemplo, setor privado, sociedade, consumidores, eleitores, que todos têm que se unir no combate à mudança do clima. As COPs se tornaram o maior evento das Nações Unidas, o que mostra que elas extrapolaram para além da negociação. Virou um momento político importante de ação climática. Mas as COPs não são balas de prata, elas não resolvem tudo de um dia para a noite. É ao contrário. A gente precisa desse grande mutirão global de ação climática [que vá além das duas semanas da COP]. A gente precisa de uma ação contínua para acelerar a implementação de muitas das coisas que já foram acordadas nas COPs anteriores na última década.

Vocês têm falado bastante da ideia que essa tem de ser a COP da implementação. O que isso significa na prática? Qual é o resultado que seria considerado um sucesso na COP quando a gente pensa em implementação?

Quando a gente pensa em implementação, implementação é uma palavra muito vaga, mas a ideia é acelerar ações que já começaram a ser implementadas em todos os níveis: local, estadual, nacional e também internacional. O que a gente espera poder trazer para essa COP, em cada um dos pilares [chefes de Estado, negociação, agenda de ação e mobilização], é essa ideia de urgência, de emergência climática que estamos já vivenciando. Na agenda de negociação, o que a gente precisa é olhar, por exemplo, para os indicadores de adaptação, para que as agendas de adaptação sejam aceleradas. Para chefes de Estado, o que significa acelerar a implementação? Que eles cheguem na COP30 trazendo NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas, as metas estabelecidas internamente por cada país para redução de emissões] ambiciosas e já aceleradas, alinhadas com [o que seria necessário para conter o aquecimento global em] 1,5°C. Isso seria o ideal. A gente estaria muito, muito satisfeito na COP30 se sentisse em cada um desses pilares essa mentalidade da implementação, da coisa concreta e não ser mais uma COP que as pessoas chegam, prometem que vão diminuir em tanto os gases de efeito estufa ou vão fazer isso com seus financiamentos, mas que a gente não consiga monitorar essas ações.

E o que seria, então, a implementação sobre a decisão de dois anos atrás, da COP de Dubai, de começarmos a fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis? Porque a gente tem visto que está ocorrendo um aumento das energias renováveis, como a eólica e a solar, mas a gente está vendo uma adição de energias e não uma substituição dos combustíveis fósseis por elas. Então, pensando na nossa COP, pensando em implementação e pensando em sair dos combustíveis fósseis, o que seria um resultado para essa COP nesse sentido?

A primeira coisa para a gente pensar em implementação é os países trazerem o mais rápido possível e com a maior ambição e qualidade possível as suas NDCs. Isso é uma ação concreta. E por que isso é uma ação concreta? [Porque as NDCs precisam trazer] como é que o seu país vai contribuir para os objetivos do balanço geral [documento da COP28 que trouxe os caminhos para conter o aquecimento, como fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis, zerar desmatamento, triplicar energias renováveis e duplicar a eficiência energética, por exemplo]. Então, isso vai ser muito importante, porque a gente vai ter uma coleção de contribuições, não só em termos gerais das emissões [de gases de efeito estufa], mas também o que cada país falou que vai contribuir para os objetivos do balanço geral que foram acordados na COP28.

Mas você tem toda razão em falar que o que a gente viu desde que conseguimos, na COP28, finalmente falar que vamos transitar para o fim de combustíveis fósseis de maneira ordenada, justa e equitativa, é que, apesar de os países estarem com o pé no acelerador para energias renováveis, como a China e muitos outros, os países também continuam com o pé no acelerador dos combustíveis fósseis. E por que isso está acontecendo? Porque a demanda por energia no mundo está crescendo muito. Então, os países parecem não poderem ou não quererem fazer escolhas. 

Então, sim, precisamos começar a conversar quando é que tem uma substituição. Isso é absolutamente fundamental, senão a gente só está adicionando, o que já é importante, mas a gente precisa também fazer a transição para o fim de combustível fóssil. E, se a demanda por energia não diminuir, esse debate vai demorar ainda mais. Por isso duplicar a eficiência energética é tão importante, porque a gente precisa diminuir a demanda. Mas, digamos que a gente consiga estabilizar a demanda, aí [tem de] fazer essa substituição o mais rápido possível. E essa substituição não pode ser só um problema dos produtores de combustível fóssil, tem que ser um planejamento que envolva os produtores, as empresas que estão explorando petróleo, carvão, gás, e os consumidores que também têm a sua parcela de responsabilidade para substituírem suas demandas de combustível fóssil para combustível renovável, biocombustível e outros. 

Agora, a emergência climática está aí, então se a gente fala de segurança energética, a gente tem que falar também de segurança climática, e a gente já passou do nível de insegurança climática que é razoável para a humanidade, então a gente tem que tratar de ambos.

Uma das suas funções da COP é elaborar a chamada agenda de ação. Você poderia explicar pra gente o que é isso?

A agenda de ação começou junto com o Acordo de Paris. As COPs nasceram especificamente para falar de negociação – entre os diplomatas, entre os países. Mas no Acordo de Paris, 10 anos atrás, se percebeu que a gente ia precisar dos outros atores, setor privado, governo subnacionais. Então, a agenda de ação nasceu para estimular que os outros atores participassem da ação global, pelo clima, através das COPs. E começaram a trazer governadores, prefeitos, setor privado para, primeiro, participar das COPs, e trazerem também seus objetivos de como é que eles iam contribuir para a descarbonização e, logicamente, para a agenda de adaptação. Essa agenda cresceu muito. As COPs viraram, para além da negociação, um grande momento de mobilização global. O que a gente precisa fazer em relação à agenda de ação agora é que ela seja baseada no que a gente já acordou nas COPs. Se concordamos em triplicar a energia renovável, acabar com o desmatamento, duplicar a eficiência energética, transitar para o fim de combustíveis fósseis, a gente tem que mobilizar esses outros atores, os que não estão negociando, para que eles ajudem nesses objetivos, fazer um grande mutirão para atingir esses objetivos que já foram acordados.

Mas assim como a própria negociação climática já não é escrita a ferro e fogo, já que os países podem prometer várias coisas, desistirem depois e não sofrerem nenhum tipo de sanção, quando a gente pensa nesses outros atores, nessas empresas, as promessas são ainda mais fluidas. Tanto que a gente viu muitas empresas fazendo compromisso nos últimos anos e pulando fora recentemente. A gente vê esse movimento com bancos nos Estados Unidos e mesmo entre empresas grandes no Brasil, como o JBS. Então, apesar de um mutirão ser muito importante, quanto a gente, de fato, pode contar com eles para conseguir chegar onde a gente precisa?

Você está absolutamente correta. A gente podia contar, até antes da eleição dos Estados Unidos, que o governo americano ia continuar com as suas ações. Então, é uma promessa, infelizmente, tão vaga como qualquer outra promessa de muitos desses atores do setor privado, dos governos subnacionais. É ainda mais vago, você tem toda a razão. Mas, no final, a opção por descarbonização e por adaptação é uma escolha. A transição está acontecendo, sabemos que ela vai acontecer. 

Dez anos se passaram desde o Acordo de Paris e, apesar da fragilidade dos acordos internacionais e da agenda de ação, como você colocou, antes a gente estava mirando uma trajetória de chegar a 2100 com mais de 4°C de aquecimento em relação ao período pré-industrial. Passaram-se dez anos de agenda de ação e de negociação com as NDCs, e agora a gente está mirando 2,5°C. Então, apesar da fragilidade do sistema, ele já teve um impacto muito positivo. Mas a gente também sabe que 2,5°C ainda está longe de ser o que a gente precisa, que é chegar no máximo até 1,5°C. Então, depende sim da boa vontade das empresas, de legislações nacionais, do que prefeitos e governadores vão fazer, depende de como as pessoas votam. 

Se a gente também não mobilizar os eleitores, eles vão votar para presidentes que decidem sair do Acordo de Paris, como foi o caso dos Estados Unidos. Essa mobilização é através da agenda de ação, através do mutirão, ela é necessária. Sem isso, vai demorar muito mais. Não vai ser por só forçar as pessoas fazerem. As pessoas têm que entender como vão contribuir para isso, e é um processo longo, é um processo que requer 195 países acordando na agenda de negociação. É necessário que empresas se comprometam com isso ou aquilo, mas, no final, é esse mutirão das ações, em todos os níveis, do consumidor, do eleitor, de governos federais, empresas, todos vão ter que contribuir. 

Porque a transição virá, como o presidente da COP 30 falou na primeira carta, ou por escolha ou por catástrofe. A gente espera que seja por escolha, e a transição virá de um jeito ou do outro, mas uma transição justa, ela só virá se for por escolha. É isso que a gente está tentando fazer, conscientizar as pessoas das suas responsabilidades econômicas, sociais e éticas, para ver se a gente muda o mundo nessa direção. Se você souber de algum outro jeito de fazer isso… porque não existe, nem na diplomacia, nem no regime internacional, qualquer outro jeito que a gente obrigue as pessoas, as empresas ou os países a fazerem mais do que as suas próprias legislações.

A sra. comentou sobre a necessidade de diminuir a demanda de energia, e eu só estou aqui pensando nesses data centers gigantescos que estão pedindo cada vez mais energia. A gente está em um mundo que quer mais de tudo, mais mineração, mais energia. As escolhas talvez tenham de ser por não acionar tantas coisas.

A gente mencionou o papa, que tinha essa responsabilidade ética. A gente vai ter que voltar a isso, porque no final depende de todos nós, porque a gente demanda energia individualmente o tempo todo. A gente está muito feliz usando os nossos tablets, os nossos telefones celulares, sem essa conscientização que isso está, sim, demandando mais energia, e essas escolhas são difíceis, porque essa ideia do limite da natureza fica muito clara com a mudança do clima.

E é a primeira vez que a sociedade como um todo está tendo que lidar com esse limite da natureza e essa convivência com esse limite, que é uma coisa difícil, porque nos nossos processos econômicos e sociais, é como se não tivesse limite a demanda. Mas o limite está sendo dado pela natureza. Como é que a gente agora organiza a nossa vida econômica e social dentro desses limites. 

Outra coisa que se espera nessa COP é que haja um avanço sobre adaptação, que é uma agenda hoje mais que necessária, considerando todos os eventos que a gente vem sofrendo. Isso vai ser uma prioridade na COP?

Certamente, adaptação vai ser uma prioridade na COP. O que tem na negociação para o tema é acordar os indicadores das metas de adaptação, mas a gente tem que ir além e debater financiamento para adaptação. O tema sempre foi, digamos, quase secundário, porque, obviamente, é a mitigação que resolve os problemas estruturalmente, mas esta é a primeira COP após a gente ter já atingido, em um ano, o aquecimento de 1,5°C, e é a primeira COP num lugar que pode entrar em um ponto de não retorno, que é a Amazônia. Isso faz com que a adaptação não seja mais uma escolha, ela é uma necessidade para a sobrevivência das pessoas. Se o tema clima surgiu na tua vida, na minha, através das negociações das COPs, o tema clima está surgindo na vida da maioria das pessoas nesse mundo através de enchentes, através de ondas de calor, através de secas, e essa é a realidade que a gente já está vivendo. Dar muito mais peso político e econômico para a agenda de adaptação já não é mais uma escolha, e a gente sabe que a COP30 vai ter que lidar com isso. [Junto com as novas NDCs], os países também deveriam entregar até o fim do ano seus planos de adaptação. É fundamental que a gente faça essa cobrança para a gente chegar na COP30 com maior número de planos de adaptação. [No Brasil] a gente vem trabalhando no nosso Plano Clima, no nosso plano de adaptação, desde o começo de 2023. Vamos entregar os planos setoriais de mitigação e vamos entregar o nosso plano de adaptação com 16 planos setoriais. 

Falando em adaptação, na semana que vem se completa um ano da tragédia das chuvas do Rio Grande do Sul, que matou 183 pessoas, deixou boa parte do estado debaixo d ‘água por semanas e causou prejuízos da ordem de R$ 90 bilhões. No ano passado também tivemos uma seca extrema, com muitas queimadas que atingiram Amazônia e Pantanal. E a sensação que dá é que a gente continua despreparado para novas tragédias. Por que a gente ainda não tem esses planos em ação?

Primeiro porque ninguém gosta muito de mudança. Segundo, a própria ciência nos dava um prazo maior para se adaptar. O IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] imaginava que o tipo de desastre que a gente viu no Rio Grande do Sul aconteceria em 2032, 2033. A mudança do clima chegou muito rápido. E a gente sempre olhou muito mais para mitigação do que adaptação. Essa, infelizmente, é a realidade. 

E, terceiro, o processo da política pública… ela tem seu tempo. Eu acho que se hoje acontecesse, tomara que não aconteça, um desastre como foi o do Rio Grande do Sul, certamente o Rio Grande do Sul, o governo federal, estaria mais preparado do que estava um ano atrás. Isso não quer dizer que está preparado. Não está preparado, mas estaria mais preparado do que estava… Agora, a gente já está fazendo um trabalho imenso no governo federal para prevenção dos incêndios. Normalmente eles começam, se não me engano, em agosto, setembro, mas já tem a sala de crise, já estão liberando os recursos para trabalhar com incêndios, porque a gente já está se preparando melhor. Então, eu vejo o governo federal, pelo menos, e alguns dos governos estaduais, acelerando esta preparação, mas é uma preparação complexa e ela depende também da participação da sociedade, que também está se acostumando com lidar com esses eventos. A gente vai ter que voltar para o que eu falei no início, que é acelerar a implementação em geral, tanto de mitigação, como de adaptação, financiamento, capacitação e transferência tecnologia. A gente tem que acelerar as ações em todos os esses pilares.

A sra. fez carreira na sociedade civil e sabe muito bem da importância da pressão popular. E hoje, no governo, está justamente ouvindo cobranças da sociedade civil, que tem muita expectativa de ter voz nesse ano, porque as últimas três COPs aconteceram em países mais autoritários, que não permitiram grandes manifestações. Quanto a COP pode entregar de tudo isso que as pessoas desejam tanto que a COP resolva?

É um orgulho grande ter vindo da sociedade civil, e agora, ao estar no governo, também é um privilégio ver do outro lado o que acontece. Cada vez mais eu valorizo o trabalho da sociedade civil, que é absolutamente fundamental de ter ideias, de sugerir políticas públicas, de pressão, de monitoramento. É absolutamente fundamental essa cobrança, e me sinto totalmente privilegiada de estar no Brasil e estar trabalhando na mudança de clima, onde a sociedade civil brasileira é tão ativa, tão conhecedora, estimulando e trazendo coisas novas que podem também ser absorvidas pelo governo, ou cobrando do governo novas ações. 

Mas, olhando agora a partir do olhar do governo para a sociedade civil, eu acho que tem, sim, uma expectativa sobre COP maior do que uma COP pode entregar, pelos temas que a gente discutiu nesse podcast, que é a COP ser mais do que uma negociação, a COP agora é uma mobilização geral, e essa mobilização não precisa esperar as duas semanas [da conferência] para acontecer. Ela é contínua, a nossa sociedade civil sabe disso. A cobrança é muito bem-vinda, advocacy é super bem-vindo, vai continuar e deve continuar para todos os países, inclusive aqui para a gente, mas a gente vai ter que ir além. E esse além é implementar na ponta. 

Muitas vezes há demandas que a gente, governo, ou não consegue implementar, ou que uma empresa poderia estar implementando, ou que uma prefeitura deveria estar implementando. Acho que cada vez mais a sociedade começa a perceber o que ela própria pode fazer, [sabendo] que a COP não é uma bala de prata. A sociedade civil que acompanha [as negociações de] clima entende os limites de uma COP e está trabalhando muito bem com isso. 

Eu acho que o que a gente precisa é explicar o que uma COP, sim, pode entregar, e o que uma COP não entrega, e quem entrega é o governo durante o resto do ano, ou quem entrega é o setor privado, ou quem entrega é o eleitor, ou quem entrega é o consumidor. Não imaginar que essas escolhas e essa transição vão ser fáceis. Não vai ser fácil, mas é a única solução. Todos nós vamos ter que contribuir em todas as nossas capacidades, como governo, como setor privado, como consumidores, como mães, pais, professores ou eleitores.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes