Buscar
Coluna

Greta, Gaza e a impossibilidade de haver justiça climática sem justiça social

Quando o conflito em Israel e a Palestina tem tudo a ver com a crise climática

Coluna
12 de junho de 2025
17:00

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, enviada às quintas-feiras, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

Quando ainda estava a bordo do barco Madleen, da Coalizão Flotilha da Liberdade, a caminho de Gaza, a fim de dar visibilidade ao bloqueio imposto por Israel à ajuda humanitária, a ativista sueca Greta Thunberg respondeu em uma entrevista o que conectava a luta pela Palestina com a crise climática, sobre a qual ela sempre alertou.

“Para mim, não há como distinguir os dois. Não podemos ter justiça climática sem justiça social. A razão pela qual sou ativista climática não é porque quero proteger as árvores. Sou ativista climática porque me importo com o bem-estar humano e planetário, e esses dois aspectos estão extremamente interligados”, disse ao programa Democracy Now na semana passada. 

“Quando vemos o genocídio em Gaza, é claro que há algumas ligações muito óbvias: o ecocídio, a destruição ambiental, é um método muito comum usado em guerras e para oprimir pessoas. Mas também deveria ser muito mais simples do que isso. Não importa qual seja a causa do sofrimento, seja o CO2, sejam bombas, seja a repressão estatal ou outras formas de violência, temos que nos opor a essa fonte de sofrimento”, explicou. 

“E se fingirmos nos importar com o meio ambiente, se fingirmos nos importar com o clima e o futuro dos nossos filhos, sem ver, reconhecer e lutar contra o sofrimento de todas as pessoas marginalizadas hoje, então essa é uma abordagem extremamente racista à justiça que exclui a maioria da população mundial”, disse, por fim.

Greta, quando ainda era apenas uma adolescente, ficou famosa por protestos, inicialmente bastante solitários e silenciosos, que fazia em frente ao parlamento de seu país para pedir ação dos governantes contra as mudanças climáticas. Ela começou a atrair outros jovens, num movimento que ganhou corpo até resultar nas marchas pelo clima com milhares de pessoas. 

Líderes autoritários e negacionistas já destilaram todo tipo de veneno contra ela. Bolsonaro a chamou de pirralha. Agora, em razão dos protestos contra Gaza, Donald Trump a chamou de “estranha”, de “pessoa raivosa”. O governo de Israel ironizou a campanha da Flotilha da Liberdade dizendo que se tratava de um “barco de selfies”.

Greta e companhia, que inclui o brasileiro Thiago Ávila, ainda detido em Israel, pretendiam – mais do que tentar levar ajuda humanitária, que era simbólica – colocar sob holofotes o fato de que, por ordens de Benjamin Netanyahu, os palestinos estão correndo sério risco de morrer de inanição. 

A ativista também tem razão ao dizer que o ecocídio é uma tática de guerra. A devastação ambiental que vem ocorrendo em Gaza tende a tornar muito mais difícil uma eventual recuperação, se e quando a guerra, enfim, acabar.

Diversas análises lançadas nos últimos meses mostram como os recursos naturais do país estão sendo aniquilados. Imagens de satélite feitas no breve cessar-fogo no começo do ano apontaram que 80% das árvores de Gaza tinham sido derrubadas tanto por bombardeiros, convertendo áreas verdes em crateras de bombas, mas também pelos moradores para eles poderem alimentar lareiras, diante da perda de aquecimento, como aponta reportagem no site Yale Environment 360, da Escola de Meio Ambiente da Universidade Yale.

O texto remete a um relatório divulgado pelo Programa Ambiental da ONU, a Unep, em junho do ano passado com uma análise dos impactos ambientais do conflito. O documento traz dados preliminares, mas eles são dramáticos. 

O uso de maquinário militar e a derrubada de árvores expôs e misturou o solo superficial, prejudicando sua fertilidade e elevando o risco de desertificação. Instalações de tratamento de água e esgoto foram danificadas ou destruídas, levando ao despejo diário de cerca de 130.000 m³ de esgoto não tratado no Mediterrâneo.

Eles relatam destruição também de boa parte da infraestrutura de água e dos sistemas de gestão de resíduos. E que mais de 25% do grande pântano costeiro foi destruído, afetando ecossistemas marinhos e terrestres.

O documento estima que há até 39 milhões de toneladas de escombros contendo materiais tóxicos, como amianto, chumbo e cádmio de painéis solares e edifícios destruídos, contaminando solo, águas subterrâneas e de superfície. 

São 50 páginas de descrição de danos extensos e interconectados na água, no solo, no ar, na biodiversidade, que agravam a crise humanitária e demandam que a reconstrução incorpore remediação ambiental desde o início.

E não para aí. A guerra piora a própria crise climática. O jornal britânico The Guardian publicou reportagem em maio sobre um estudo que calculou que nos primeiros 15 meses, o conflito levou a mais emissões de gases de efeito estufa que o equivalente às emissões anuais combinadas de Costa Rica e Estônia.

“O estudo concluiu que o combustível dos bunkers e foguetes do Hamas é responsável por cerca de 3.000 toneladas de CO2e, o equivalente a apenas 0,2% do total de emissões diretas do conflito, enquanto 50% foram gerados pelo fornecimento e uso de armas, tanques e outras munições pelo exército israelense”, aponta a reportagem.

Não é à toa, portanto, que o Observatório do Clima divulgou nesta semana um apelo ao presidente Lula que pare de vender petróleo para Israel. A rede de ONGs brasileiras citou um levantamento da organização Oil Change International que mostrou que o Brasil foi um dos cinco maiores fornecedores de petróleo cru a Israel. 

“O petróleo que polui o planeta também ajuda a causar o massacre ao povo da Palestina”, alertou o OC. “Não existe justiça climática sem proteção aos direitos humanos. Uma comunidade internacional incapaz de parar uma limpeza étnica acontecendo em tempo real diante dos olhos de todos não será tampouco capaz de lidar com a crise do clima.” É isso! 

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes