Em contraponto aos colegas que já se manifestaram a favor da responsabilização das plataformas de redes sociais sobre o conteúdo postado por seus usuários, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou, ao longo de seu voto — lido em duas sessões —, que cabe ao Congresso Nacional a prerrogativa de legislar sobre o Marco Civil da Internet, relativizou o combate a mentiras e propôs, nesta quinta-feira (5), uma autorregulação das big techs, que detêm empresas como TikTok, Facebook e Instagram.
“Ao assumir maior protagonismo em questões que deveriam ser objeto de deliberação por parte do Congresso Nacional, o Poder Judiciário acaba contribuindo, ainda que não intencionalmente, para a agudização da sensação de desconfiança hoje verificada em parcela significativa da nossa sociedade”, pontuou o ministro.
Por que isso importa?
- Big techs estão se mobilizando para tentar influenciar decisão do STF para que não sejam responsabilizadas por conteúdos ilegais ou ofensivos publicados por seus usuários, e, assim, ter que reparar danos, inclusive financeiros ou à honra de cidadãos.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli votaram para ampliar a responsabilidade das empresas pela remoção de conteúdos publicados por usuários. Hoje, André Mendonça abriu uma divergência, votando a favor da constitucionalidade do artigo 19 nos moldes atuais, ou seja, que isenta as plataformas de responsabilidade civil por danos causados por conteúdo postado por usuários — a não ser que elas tenham descumprido decisão judicial.
Ele se posicionou ainda contra a remoção ou suspensão de perfis de usuários, “exceto quando comprovadamente falsos” e defendeu que as plataformas têm o dever de “promover a identificação do usuário violador de direito de terceiro”. O julgamento foi retomado após o pedido de vista de Mendonça em dezembro de 2024.
Para fundamentar seu voto, o ministro apresentou dados do Google, Meta, YouTube e TikTok, sobre remoções de postagens. Os dados, segundo ele, indicam a pró-atividade das empresas em regular o conteúdo que circula nas redes. Mendonça ressaltou que a maioria das remoções foram realizadas pelas empresas de forma espontânea, e a minoria por notificação extrajudicial.
Ainda ao longo da leitura de seu voto, o magistrado defendeu que a moderação de conteúdo por meio de algoritmos, não pode substituir o julgamento humano e propôs uma autorregulação regulada das plataformas. Ou seja, que as obrigações das empresas sejam definidas a partir de práticas de compliance, a serem fiscalizadas por um órgão governamental, como a Controladoria-Geral da União (CGU).
Mendonça também recorreu a argumentos teóricos sobre liberdade de expressão e desinformação. Fazendo referência a um filósofo português, ele afirmou que “a verdadeira tolerância defende as pessoas, ainda que expressem opiniões idiotas ou inaceitáveis”.
O ministro afirmou ainda que “no Brasil, é lícito duvidar da existência de Deus, que o homem foi à Lua e das instituições”; e que “não é pelo simples fato de se ser mentiroso que o discurso deve ser automaticamente censurado”. Ainda assim, ponderou que nem todo “tipo de discurso mentiroso deve ser tolerado ou mesmo considerado isento de responsabilidade posterior”.

Barroso: “Precisamos fazer com que mentir volte a ser errado”
“Há muita desinformação e muita incompreensão a propósito do que estamos fazendo aqui no Supremo Tribunal Federal”, afirmou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, antes de retomar o julgamento sobre o papel das plataformas digitais em relação aos conteúdos publicados nas redes sociais um dia antes do voto de Mendonça, que se posicionou contra a atuação do tribunal na matéria e relativizou a censura a mentiras.
Em resposta a ataques da direita e de big techs, Barroso enfatizou que a decisão na Corte “nada tem de invasão à competência dos outros poderes e muito menos tem a ver com censura”. As acusações circulam nas redes bolsonaristas desde que a data da sessão foi anunciada, na semana passada, e também dizem respeito a uma suposta interferência na competência do Legislativo.
“Estamos decidindo casos concretos em que surgiram litígios, pessoas se sentiram lesadas em seus direitos e procuraram o Judiciário. O Judiciário não está legislando e muito menos regulando em caráter geral, abstrato e definitivo as plataformas digitais”, pontuou Barroso.

Big techs a reboque: Professora e dona de casa originaram ação
Os casos mencionados pelo ministro, que motivaram as duas ações em análise no STF, envolvem uma professora de português, alvo de uma comunidade criada por alunos para atacá-la no extinto Orkut, e uma dona de casa, que teve um perfil falso criado no Facebook.
As ações colocam em xeque a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O que for decidido no STF tem repercussão geral, ou seja, vai valer para todos os processos semelhantes. “Nós estamos discutindo responsabilidade civil, nós vamos decidir se as pessoas que ajuizaram as ações têm ou não têm direito a uma indenização. É simples assim e esta é a verdade. Aliás, no mundo atual, nós precisamos fazer com que mentir volte a ser errado de novo”, enfatizou Barroso, que também mandou recado para os parlamentares: “quando o Congresso legislar a respeito é a vontade do Congresso que vai ser aplicada pelo STF, desde que, evidentemente, compatível com a Constituição”.
Um projeto de lei sobre a regulamentação das big techs, que ficou conhecido como PL das Fake News, está parado na Câmara dos Deputados desde o ano passado. Nesta terça-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o Executivo tem uma proposta pronta sobre a regulação das big techs para enviar ao Congresso.
“Nós temos um projeto pronto que já foi discutido na Casa Civil e depende de deliberação para encaminhar sobre regulação em torno da questão que, na minha opinião, é decisiva, que é a questão da concorrência [entre as plataformas]”, afirmou Haddad, durante evento promovido pela revista Piauí.
Na mesma ocasião, o ministro do STF Flávio Dino, próximo a votar após Mendonça, indicou que o Supremo fará uma revisão no Marco Civil da Internet até que o Congresso legisle sobre o tema. “Certamente, o sistema legal instituído por essa lei não permanecerá nos mesmos termos. Isso pra mim é uma certeza aritmética porque três [ministros] já votaram nessa direção”, ressaltou.