Buscar
Opinião

Minha família está em Teerã. Quando terei notícias deles novamente?

Desenvolvedor da Pública relata angústia por familiares em Teerã sob bombardeios israelenses

Opinião
23 de junho de 2025
19:00
Amir Pashaei/Wikimedia Commons

Eu nasci no Irã. Depois de viver como nômade digital por anos, eu vim morar no Brasil há cerca de 11 anos. Mas boa parte da minha família – tias e tios – ainda vivem no Irã, principalmente em Teerã.

Falei com minha tia dois dias atrás, pelo Telegram. Até agora, minha família e praticamente todo mundo estava trancado em casa. Bombas estão caindo e, apesar das alegações israelenses de que suas bombas têm “precisão cirúrgica” e de que só atacam alvos militares (como se isso justificasse alguma coisa), civis iranianos estão sendo mortos por todos os lados.

A conexão com a internet, sempre controlada pelo Estado islâmico, está mais instável do que nunca.

Vou explicar um pouco o que acontece no país onde nasci. Poucos iranianos, dentro ou fora do país, apreciam a ditadura teocrática. Mas uma manipulação astuta do ditador religioso Khomeini no início dos anos 1980, somada a uma guerra devastadora entre o Irã e um Iraque – apoiado pelos EUA – resultou, pelo menos inicialmente, em uma teocracia extremamente repressiva. Dito isso, há um tipo de acordo silencioso entre o Estado e o povo: desde que você mantenha qualquer desobediência ou crítica em privado, o Estado o deixará em paz. Na maior parte do tempo.

Mas, nas últimas décadas, isso escalou em algumas ocasiões, mais recentemente com o movimento Mulher, Vida, Liberdade, que provocou confrontos violentos entre o governo e a geração mais jovem, após a morte – talvez o assassinato – de uma jovem sob custódia policial. Ainda assim, embora esse último impasse esteja longe de ser resolvido, muitas mulheres, especialmente jovens, agora andam pelas ruas sem cobrir o cabelo – algo que, tecnicamente, é ilegal, mas é tolerado pelo Estado e seus agentes como mais um passo em um lento movimento de compromisso em direção à moderação e liberdade.

Talvez você já saiba que, antes da Revolução Islâmica de 1979, o Irã tolerava comportamentos muito mais liberais. O xá que os EUA reinstalaram no poder em 1953, após a remoção (pelos EUA e o Reino Unido) de um primeiro-ministro democraticamente eleito era muito alinhado ao Ocidente, mas também um autocrata repressivo, prendendo milhares de presos políticos e sendo responsável pela morte de centenas. Olhando para trás e considerando outros autocratas e ditadores no Oriente Médio e na América Latina, isso hoje nem chega a chocar.

O filho do último xá, exilado junto com os pais e agora vivendo nos EUA (ele também é próximo do Estado sionista de Israel), faz gestos há décadas para facilitar um retorno à democracia no Irã. 

Agora, com o Estado genocida de Israel expandindo sua guerra para o Irã – usando alegações desacreditadas como justificativa para matar centenas, senão milhares, de civis –, o filho do xá e os falcões de guerra do mundo todo veem uma oportunidade para finalmente submeter o Irã à hegemonia ocidental. 

E em vez de condenar Israel por mais uma rodada de assassinatos desproporcionais e sem provocação, políticos europeus e o G7 afirmam que o Irã é uma “força desestabilizadora” e que ele deve ser impedido, a todo custo, de obter uma bomba nuclear.

Todos eles – com os EUA à frente – ignoram que Israel é o fator desestabilizador; que Israel é a potência nuclear no Oriente Médio; que Israel bombardeia o Líbano, o Iêmen e o Irã; que Israel está em processo de assassinato sistemático do povo palestino; e que Israel ocupa partes da Síria, destruindo casas de civis que vivem perto demais de bases militares construídas ilegalmente em solo sírio.

Enquanto isso, a Alemanha reabasteceu caças israelenses no espaço aéreo do Iraque, o Reino Unido enviou caças e os EUA mandaram bombardeiros para a região. O chanceler alemão admitiu que está “grato” por Israel estar fazendo o “trabalho sujo” da Europa.

Tudo isso enquanto a Diretora de Inteligência Nacional dos EUA afirmou, ainda em março deste ano, que o Irã não está buscando desenvolver uma bomba nuclear – e não o faz pelo menos desde 2003, invalidando a principal alegação do criminoso de guerra Netanyahu e dos bajuladores europeus e americanos que o seguem.

Netanyahu é um jogador de pôquer. Sempre que está prestes a perder, ele aumenta a aposta. E, nesta semana, ele se sentiu confiante o suficiente para ampliar suas guerras e incluir o Irã, esperando que os EUA o sigam – enquanto continua a matar palestinos em suas casas e em pontos de distribuição de ajuda humanitária, em meio à fome imposta por Israel na Faixa de Gaza.

Mas eu acho que Netanyahu pode ter mordido mais do que consegue mastigar. O Irã é, sem dúvida, o adversário mais formidável que o regime genocida já enfrentou. No entanto, o poder militar iraniano ainda não se compara ao de Israel, muito menos ao dos EUA. Se um ataque iraniano causar danos graves a Israel, as consequências para o Irã serão terríveis – e os EUA provavelmente usarão isso como justificativa para entrar no conflito, caso já não o tenham feito.

O resultado final, daqui a alguns anos, pode ser mais um Estado falido no Oriente Médio, graças aos EUA – ou, com sorte, um Estado fantoche alinhado ao Ocidente, com alguém como o filho do último xá no comando, mesmo que ele seja profundamente impopular no Irã.

A última vez que fui visitar minha família foi em 2006. Me lembro que Teerã é uma cidade moderna e hoje vivem lá cerca de 10 milhões de pessoas. As montanhas Alborz, cobertas de neve, dominam o horizonte ao norte, com seus vales ascendentes servindo de refúgio popular nos fins de semana.

Teerã é uma metrópole acelerada e expansiva, onde modernidade e tradição se misturam aos pés das imponentes montanhas. Seu horizonte é pontuado por arranha-céus elegantes, enquanto a cidade ostenta uma vibrante cena tech, shoppings luxuosos, cafés sofisticados e uma cultura artística dinâmica – tudo coexistindo com bazares movimentados e mesquitas históricas. Ao contrário da imagem do Irã propagada no Ocidente, a cidade pulsa com energia e inovação juvenil, sendo uma das mais modernas do Oriente Médio.

Agora, tanto os capangas de Trump quanto os de Netanyahu postaram nas redes sociais que os iranianos devem “evacuar Teerã”. O absurdo dessas ordens, somado à impossibilidade de deslocar, de uma hora para outra, uma população comparável à da cidade de São Paulo, fez com que algumas estradas que saem de Teerã vissem milhares de pessoas deixando a cidade em busca do que acreditam ser lugares mais seguros.

Mas será que dá mesmo para escapar de um bando de genocidas loucos?

Quando vou ter notícias da minha família novamente? Minha apreensão e incerteza só vão acabar quando o criminoso de guerra Netanyahu vencer – ou perder – sua partida de pôquer.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Vale a pena ouvir

EP 173 Genocídio em Gaza nas palavras de um palestino

Jornalista palestino Ramzy Baroud relata as consequências do genocídio em Gaza e da omissão global

0:00

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes