Atualização: nesta quinta-feira, dia 12 de junho, a expedição Flotilha da Liberdade informou que Thiago Ávila foi liberado e deve chegar ao Brasil na sexta-feira, dia 13.
Uma cela sem luz, ventilação e completamente sozinho. É essa a última informação que Lara Souza tem do seu esposo, Thiago Ávila, o ativista brasileiro detido pelo governo de Israel no último dia 8 de junho por tentar furar o cerco a Gaza no barco da Coalizão Flotilha da Liberdade, carregando mantimentos e 12 ativistas, entre eles a sueca Greta Thunberg, que levavam uma reivindicação política contra a guerra.
A informação chegou à psicóloga nesta quarta-feira, 11 de junho, pela manhã e a surpreendeu. Antes, o direcionamento era que o governo israelense iria deportar Thiago e outros sete ativistas que seguem presos. Agora, o futuro é incerto.
Desde domingo, dia 8 de junho, quando o barco foi interceptado pelos militares israelenses, o único contato de Lara com Thiago se dá através da advogada que o representa. Foi ela quem trouxe a notícia: Thiago, diferentemente de todos os demais ativistas, está isolado em uma solitária.
Por que isso importa?
- Ativista brasileiro Thiago Ávila, detido pelo governo de Israel enquanto tentava levar mantimentos para Gaza, estaria preso em uma solitária sem luz nem ventilação, segundo sua esposa.
- Ávila e outros oito ativistas permanecem presos desde o último dia 8 de junho.
A Agência Pública conversou com Lara nesta quarta, 11 de junho. Cansada, ela tem buscado diálogo junto ao governo brasileiro para tentar a liberdade de Thiago sem que ele precise assumir um crime que defende não ter cometido: os ativistas afirmam que foram interceptados em águas internacionais, fora do território israelense. Contudo, segundo eles, a opção oferecida por Israel para a deportação seria assinar um termo no qual reconhecem o cometimento do crime.
Foi essa a estratégia aceita por Greta Thunberg e mais outros três ativistas que estavam no barco e já foram liberados. Lara explica que desde o início havia o acordo que determinados membros da expedição aceitariam termos de uma eventual deportação para conseguirem sair do país e trazer visibilidade para os demais e para a causa.
“Acreditamos que ele está sendo punido por ser um dos coordenadores da coalizão e por ser o coordenador presente na missão”, diz.
A reportagem enviou questionamentos ao governo de Israel acerca das detenções e das denúncias feitas pelos ativistas, mas não recebemos retorno. Também enviamos perguntas ao Itamaraty sobre a atuação do governo brasileiro no caso.
Após a publicação, o Ministério das Relações Exteriores publicou nota chamando o caso de “flagrante transgressão ao direito internacional” e que “o Brasil clama pela libertação de seu nacional [Thiago] e insta Israel a zelar pelo seu bem-estar e saúde”. Leia a nota aqui.
Leia a entrevista completa abaixo.
Como está a situação do Thiago atualmente? Que informações você tem?
A situação atual é a seguinte: ontem, eles todos, os oito que seguem detidos, passaram por audiências. Nessas audiências, as defesas argumentaram que eles deveriam ser imediatamente libertados, já que eles não cometeram nenhum crime, eles não entraram ilegalmente no território israelense – eles foram levados até Israel, estavam em águas internacionais. Então, a defesa pediu a liberdade, a liberação deles.
Mas a corte israelense decidiu pela deportação. Negou a liberdade, tratou como se eles tivessem, de fato, cometido um crime e decidiu deportá-los.
Essa deportação não tem data definida. A nossa expectativa era de que fosse nos próximos dias, porque o padrão de Israel, quando alguém entra ilegalmente no país, é deportar em até 72 horas depois da entrada da pessoa. Essas 72 horas se completariam amanhã, na quinta-feira [12 de junho].
Mas eles também marcaram uma audiência para o dia 8 de julho, tratando como uma audiência de acompanhamento, e a gente ficou com essa informação conflitante.
Hoje, quando a advogada foi visitar o Thiago, ela descobriu que ele estava na solitária.
Ele foi movido de prédio, aparentemente está no mesmo complexo prisional, mas só ele foi colocado na solitária. A advogada disse que ele foi ameaçado de que ficaria sete dias sozinho lá nessa cela, que não tem ventilação, que não tem luz.
Eles [os militares israelenses] disseram que ele ficaria lá sem poder ter contato com ninguém, nem com a advogada. Enfim, fizeram essas ameaças, que eu sei que são violências psicológicas, uma forma de deixar a pessoa vulnerável nessas condições, sem acesso a direitos básicos.

A advogada falou [para os representantes israelenses] que isso não era permitido, que é ilegal e que, se isso acontecesse, levaria para a Suprema Corte [israelense] o caso dele, que isso não pode acontecer.
Mas quando ela saiu de lá, ele ainda estava na solitária, e não ligou mais.
Então não há uma informação clara se a deportação foi revogada ou não? Houve justificativa para colocá-lo na solitária?
A nossa expectativa era que ele fosse deportado o mais rápido possível, mas ao mesmo tempo, com essas ameaças que foram feitas pelos soldados, a gente está aflito em saber exatamente o que vai acontecer.
A justificativa para colocá-lo na solitária foi que ele estava fazendo greve de fome, o que já seria um absurdo, porque é um direito. Ele não pode ser punido ou ter outros direitos violados por causa disso.
A gente não acredita nessa justificativa, porque em outras flotilhas [que também tentaram chegar em Gaza], que existem há mais de 15 anos, os coordenadores, os líderes da missão, também já foram punidos de forma diferenciada dos demais membros.
Acreditamos que ele está sendo punido por ser um dos coordenadores da coalizão e por ser o coordenador presente na missão.
A última informação que vocês têm então é sobre a solitária e nada mais?
Eu já estou até perdida nos dias. Ontem [10 de junho] teve a audiência, e aí a advogada disse que o mais provável era isso, a deportação, mas que não tinha certeza.
Hoje de madrugada aqui no Brasil, acho que era 5 da manhã quando ela me ligou, ela me deu o resultado de que ele seria deportado, de que os oito seriam deportados.
Mas ela me ligou no final da manhã, por volta das 11 horas, me falando da situação da solitária. A decisão de deportá-lo não parece ter sido revogada, a gente não teve nenhuma informação de terem revogado essa decisão, mas, ao mesmo tempo, tiveram essas ameaças a ele, dele ficar sete dias nessa cela.
Ainda não existe uma data oficial, ninguém tem, nenhum deles [os sete detidos], nem o Thiago, nenhuma das famílias, nem as embaixadas têm informação oficial de uma data em que eles vão ser trazidos de volta para casa.
O contato que vocês têm com Thiago e os demais é via advogados? Você conseguiu falar com ele nesse período?
O meu contato é só com a advogada, eu não pude falar com o Thiago desde domingo, não foi permitido. Ela tentou várias vezes, ainda no aeroporto [para onde os detidos foram levados], tentou várias vezes me passar o telefone, mas não foi permitido.
Isso é outra coisa também, de uma diferença de tratamento. Outros membros da expedição conseguiram falar com seus familiares, mas ao Thiago, não foi permitido. A advogada pode ir na prisão, foi ela quem o representou na audiência.
Os outros sete membros da expedição seguem detidos separados do Thiago? E porque quatro conseguiram sair?
Quando eles [todos os membros da expedição] chegaram no aeroporto, eles foram imediatamente levados para serem interrogados, separadamente. Então, eles não sabiam o que estava acontecendo uns com os outros.
Foi apresentado esse termo, que era um termo de aceitar a deportação. No caso, quem assinasse o termo assumiria que tinha entrado ilegalmente no território de Israel e descumprido as leis do país e, por isso, eles estavam sendo deportados, mas que eles desejavam ser liberados desse prazo de 72 horas, que é o padrão do país.
Quatro pessoas assinaram e foram liberadas. Eu acho que é importante também dizer que essas quatro pessoas assinaram como uma forma de estratégia. Eram as pessoas responsáveis pelo contato com a mídia, e a Greta, pelo alcance que ela tem. Eles foram orientados a assinar para que eles pudessem, o mais rápido possível, falar para o mundo o que aconteceu durante o período em que eles foram levados de águas internacionais até o porto e o aeroporto pelos militares de Israel. Foi uma forma de que as pessoas pudessem saber antes o que tinha acontecido.
As outras oito pessoas não assinaram como uma forma de posicionamento político de que eles não cometeram um crime, porque eles não iam confirmar um crime que eles não cometeram.
Além disso, como eles eram interrogados separadamente, eles não sabiam o que estava acontecendo uns com os outros. Eles não tinham certeza de que todos estavam recebendo essas mesmas propostas.
A orientação da Flotilha é que as pessoas de mídia assinem o que for preciso para ir embora logo e noticiar, mas que as demais pessoas não assumam um crime que não cometeram, até para evitar o risco de alguém ser deixado para trás e essa pessoa ficar presa sozinha.
E o que você sabe do estado de saúde do Thiago? Houve alguma denúncia de violência?
O governo de Israel publicou um vídeo na qual os ativistas são vistos recebendo água e um sanduíche, e publicou dizendo que eles estavam sendo bem tratados.
Mas soube por um dos ativistas que foi libertado na segunda que os ativistas estavam sendo coagidos a receber essa comida, os soldados estavam armados obrigando eles a receber a água e o sanduíche para o vídeo ser gravado, e que, depois daquele momento, eles não receberam mais água ou comida durante as 16 horas de trajeto, nem quando chegaram à base militar, nem quando chegaram ao aeroporto.
O ativista também falou que eles passaram por situações de tortura psicológica, de agressões verbais. E disse que eles também foram impedidos de dormir, com os soldados gritando com eles o tempo todo, especialmente com a Greta, gritando o nome dela, numa tentativa, óbvio, de ameaça, de coagir, de intimidar.
Até onde eu sei, eles não sofreram violência física.
Você sabe quais foram os motivos para a greve de água e de comida do Thiago?
Não, pra ser sincera, eu não perguntei. E ela [a advogada] também não me informou. Eles já tinham informado a gente que a prisão tem péssimas qualidades, péssimas instalações. Que eles estão recebendo água não potável, imprópria para consumo, que eles estavam recebendo comida insuficiente. Falaram também de outras questões como infestação de percevejos e coisas do tipo.
Como têm sido as conversas com o governo brasileiro? Você teve uma visita no Itamaraty, certo? Depois teria agenda no Palácio do Planalto, como foi?
Eu só tive a reunião no Itamaraty, a reunião no Planalto foi desmarcada.
A embaixada brasileira em Israel me responde desde a segunda-feira de manhã. [Inicialmente] eles também não tinham muitas informações, não conseguiram estar em contato com o Thiago, só estavam tendo informações que o governo de Israel passava, dizendo que ele estava bem, mas que não podiam falar com ele até eles serem levados para o aeroporto.
Lá, o representante da embaixada pôde falar com ele, mas brevemente, porque logo ele foi levado para o interrogatório, e aí ele teve que escolher entre a presença consular ou a presença da advogada. Ele escolheu a presença da advogada. Desde então, a embaixada tem tentado acompanhar. Eles foram ontem na audiência.
O Itamaraty, na reunião, foi solícito, demonstrou que eles queriam repatriar o Thiago, mas depois da decisão dos ativistas de não assinarem, os representantes do Itamaraty me informaram que eles não tinham muito o que fazer, que eles iam continuar prestando assistência consular, mas que isso saía da alçada deles.
Na minha perspectiva, é um problema, considerando que é uma prisão ilegal. A gente está considerando o Thiago e os outros ativistas como presos políticos. Eles foram ilegalmente levados para lá, não deveriam estar presos. Entendo que o governo brasileiro precisa fazer todos os esforços para repatriar os presos políticos.
Houve justificativa para o cancelamento da audiência no Planalto?
A justificativa foi que a ministra [Gleisi Hoffmann] não conseguiu cumprir as agendas.
Desde a detenção de Thiago, veículos têm levantado associação dele com a embaixada do Irã e outros eventos do tipo. Uma coluna publicada no Estadão falou em “sanha antissionista”. Como é essa atuação dele e como vocês têm recebido essas críticas?
Bom, o Thiago sofreu muitas ameaças pelo posicionamento dele e pela defesa da Palestina. Quando ele intensificou esse posicionamento, depois de 2023, as ameaças pioraram. Ele começou a ser atacado mais frequentemente com ameaças mais graves, e eu recebo ameaças por meio dele, já que não sou uma figura pública.
As pessoas dizem que vão fazer coisas comigo, com a nossa filha, ou com a mãe dele, com os familiares dele.
Desde a prisão, eu recebi várias mensagens nesse sentido de descredibilizá-lo. Infelizmente, eu acho que a gente já está um pouco habituado a esse tipo de ação.
Eu sou ativista. A gente luta junto, mas eu não faço parte dessa organização, da Flotilha. E eu nunca atendia a esses eventos do Thiago fazer falas em locais públicos e coisas do tipo.
O Thiago já foi detido em uma viagem pelo Panamá ano passado, correto? Você estava junto? Como foi?
A gente estava voltando de Cuba. Eu estava junto, a nossa filha estava junto, os meus pais. Ele foi parado na saída do avião. Tinham dois agentes que não estavam identificados, não tinham nenhuma roupa diferente, nem crachá, nenhuma forma de identificação.
Ele foi levado para um interrogatório. Entraram com ele em uma sala também não identificada. Trancaram a porta. A gente foi junto, mas eles impediram que a gente entrasse na sala. Tentaram impedir que a gente ficasse ali perto, mas a gente ficou lá mesmo assim.
Depois, o Thiago contou que eles estavam fazendo perguntas sobre a militância dele pela causa Palestina, perguntando coisas sobre organizações a favor da Palestina, da atuação deles, sobre a Flotilha (porque já haviam tentativas da organização da Flotilha anteriores).
Eles fizeram algumas perguntas também de intimidação, dizendo coisas como o nome da mãe e da irmã dele, endereços, onde a gente mora, da rotina dele, coisas assim.
Eles se identificaram como agentes do governo do Panamá?
Eles não se identificaram como nada. Não tinham crachá, a sala não tinha nenhuma identificação, não tinha placa, não se identificaram…
A gente estava em conexão no Panamá, ele ficou mais de uma hora detido. A soltura foi “ok, vai embora”, e fomos embora.
Desde quando o Thiago atua com a causa Palestina? Ele tem atuação em questões de moradia e ecossocialistas, certo?
Na verdade, o Thiago desde o início entrou no ativismo social já relacionado com questões internacionais. Ele atua pela causa Palestina desde 2005, que foi quando ele começou a ser mais ativo e ter contato com organizações. Em 2023, foi só uma intensificação, porque é uma situação de genocídio que demanda mesmo mais atenção.
Você pode me explicar melhor como foram essas tentativas anteriores da Flotilha? De quantas o Thiago participou?
Essa [expedição atual] foi a quarta tentativa nos últimos dois anos.
Em maio do ano passado eles tentaram sair da Turquia, mas não foi possível por entraves burocráticos. Eles estavam com todas as documentações prontas, mas um dia antes deles saírem, um representante do governo de Israel se encontrou com o governo turco e, aí, no dia seguinte a Turquia retirou a autorização deles de viajar. O barco foi desautorizado a navegar, sem nenhuma justificativa.
Depois, eles tentaram novamente em agosto do ano passado. Eles conseguiram navegar saindo de portos da Europa. Mas, de novo, tiveram problemas. O motor do barco foi danificado e eles não puderam continuar.
Então eles tentaram novamente em maio deste ano, saindo de Malta. No dia em que o barco começou a navegar, antes de fazer uma parada para buscar mais ativistas, foi bombardeado por dois drones. Felizmente, os ativistas que já estavam no barco não morreram, eles pularam no mar para se salvar e foram resgatados. Obviamente, o barco foi danificado e não foi possível seguir a missão.
E eles voltaram para casa e depois, no início de junho, o barco [da expedição atual] saiu. Eles conseguiram todas as documentações. Saíram da Itália, foram para águas internacionais e ainda, em águas internacionais foram interceptados por Israel ilegalmente.
Houve alguma ação após esse bombardeio do drone? Alguém assumiu responsabilidade?
Essa foi até uma das cobranças que nós fizemos, porque um drone bombardeou um barco em território aéreo europeu e nada foi feito.