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A hora H de definir entre um licenciamento ambiental decente e a devastação

Dados de desmatamento divulgados pelo governo mostram que controle tem funcionado, mas PL pode pôr tudo a perder

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7 de agosto de 2025
18:20

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Enquanto seguem nesta quinta-feira (7) as reuniões finais no governo federal para definição de qual postura o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vai tomar sobre o projeto que cria uma lei geral do licenciamento ambiental, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima divulgou os dados consolidados de alertas de desmatamento nos últimos 12 meses na Amazônia. E isso, sozinho, já deveria servir como um excelente argumento para o veto do presidente aos pontos mais danosos daquele que ficou conhecido como PL da Devastação.

O texto aprovado no Congresso tem sido apontado como uma potencial bomba para o aumento do desmatamento no país, uma vez que traz diversos trechos que abrem a possibilidade de redução no controle ou mesmo na prevenção de desmatamento.

Uma análise feita pelo Instituto Socioambiental calculou que as brechas criadas pelo projeto de lei podem fazer com que o Brasil perca o equivalente ao território do Paraná em florestas.

Ou seja, o projeto tem o potencial de impossibilitar que o Brasil cumpra suas metas de zerar o desmatamento até 2030 e ainda pôr a perder tudo o que o governo conquistou nesta seara nos últimos dois anos e meio. Em entrevista exclusiva ao nosso podcast Bom Dia, Fim do Mundo, a ministra Marina Silva fala bastante sobre os riscos do PL. Ouça aqui.

Nesta quinta, entre uma reunião e outra no Palácio do Planalto para argumentar pelos vetos, a ministra Marina Silva convocou uma coletiva de imprensa para anunciar os dados dos alertas de desmatamento que ocorreram em alguns biomas do Brasil nos últimos 12 meses.

As informações, fornecidas pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), funcionam como uma espécie de termômetro do que deve ser apresentado depois, no fim do ano, por outro sistema, o Prodes, que apresenta a taxa oficial de desmatamento.

O Deter fornece diariamente alertas do que está acontecendo em campo a fim de orientar a fiscalização, mas quando seus dados são observados de forma acumulada, como no período de 12 meses, é possível ter uma ideia de como deve fechar o Prodes depois.

Os dados divulgados nesta quinta revelam que os alertas para a Amazônia apontam para uma perda de 4.495 km2 da floresta, ante 4.321 km2 registrados entre agosto de 2023 e julho de 2024. Uma alta de 4%, mas ainda assim a segunda menor taxa da série histórica, iniciada há dez anos.

O aumento não chega a ser de todo uma má notícia, já que alguns especialistas temiam que poderia ser pior. A preocupação ganhou força em maio, quando o Deter mostrou que os alertas quase tinham dobrado naquele mês, na comparação com maio do ano passado.

Aquele mês marca o início da temporada seca da Amazônia, justamente quando desmatadores aproveitam para derrubar a mata, e havia o temor de que a taxa poderia vir alta também em junho e julho. Mas os dois últimos meses tiveram queda em relação aos mesmos períodos do ano anterior, em um indicativo de que as operações de controle funcionaram para evitar que o caldo entornasse.

De fato, logo que se viu que maio tinha apresentado uma alta muito acima da média do que vinha acontecendo desde o início de 2023, o Ibama adotou uma série de medidas de embargo remoto de desmatadores em toda a Amazônia, o que ajudou a conter a motosserra nos meses seguintes.

Não sem choradeira. O governador do Pará, Helder Barbalho, anfitrião da COP30, chegou a tentar reverter os embargos. Ele reclamou, mas a ação foi fundamental para que o estado tivesse, no período de 12 meses, uma redução de 21% nos alertas (sendo que no mês de maio, especificamente, tinha tido alta).

Há outros pontos importantes na divulgação dos dados desta quinta. A alta de 4%, segundo a análise do Inpe, se deveu principalmente pelo impacto das queimadas do ano passado – que foram tão intensas em algumas regiões que chegaram a levar ao colapso da floresta, sendo interpretado pelo satélite como desmatamento.

Isso é uma coisa relativamente nova na Amazônia, que sempre teve como principal ameaça o chamado corte raso, que é quando as árvores são derrubadas, arrancadas do chão, e tudo o que resta é o solo exposto. É isso que se convencionou chamar de desmatamento.

O fogo, que vem piorando com as mudanças climáticas, obviamente causa um dano importante, mas numa floresta tropical, portanto úmida, ele era visto mais como um instrumento de degradação, uma vez que depois de apagado, por mais que matasse muitas árvores, ainda deixava algumas de pé e havia alguma chance de recuperação.

A degradação consecutiva, com uma mesma área sendo queimada por anos, pode ser um problemão, mas o que os pesquisadores começaram a notar neste último período de 12 meses (o ano de referência nos cálculos de desmatamento), é que o fogo começou a ter uma relevância maior no colapso da floresta, por consequência das mudanças climáticas.

O secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, frisou durante a coletiva que dos 4.495 km2 perdidos entre agosto do ano passado e julho deste ano, 15% se deu por causa desse colapso por fogo e 84% por corte raso. De acordo com Capobianco, se for observada somente a perda por corte raso, ela caiu 8% no período. A alta observada na taxa total veio por causa da seca e fogo extremos de 2024. No período de agosto de 23 a julho de 24, as queimadas tinham representado apenas 5% do total desmatado.

“Sem a influência climática, que criou um ambiente extremamente adverso, tornando a floresta mais suscetível a incêndio, nós teríamos tido um índice 8% menor que o do ano passado e o menor de toda a série histórica do Deter”, disse Capobianco.

“Este é o trabalho que historicamente a gente vem construindo. Que o Ibama vinha trabalhando com embargos, com toda ação de controle do corte raso, que o Deter permite que as equipes cheguem quase em tempo real na área. O sucesso da ação de controle continua positivo e destacado. Mas os incêndios se tornaram um desafio novo”, continuou.

O secretário afirmou ainda que agora o governo busca intensificar novas estratégias para “combater essa novidade, que é o fato de que grileiros e os desmatadores passam a contar com um aliado novo, que é a mudança do clima e passam a usar o incêndio como ferramenta de desmatamento, porque sabem que corte raso tem punição intensiva”.

E todo esse cenário complexo pode ficar ainda mais complicado se o PL do licenciamento entrar em vigor nos termos adotados por deputados e senadores.

Porque apesar de as mudanças climáticas de fato trazerem um desafio crucial para a proteção da Amazônia – e a ministra Marina Silva fez questão de lembrar disso: se não reduzirmos drasticamente também o uso dos combustíveis fósseis, principais responsáveis pelo aquecimento global, “a floresta vai perecer do mesmo jeito” –, a realidade é que o governo tem conseguido conter o desmatamento.

Mas o PL do licenciamento pode criar outras chances de desmatamento, podendo pôr a perder – ou no mínimo dificultar mais – essas políticas públicas.

Marina Silva teve de sair antes do fim da coletiva justamente para voltar a negociar com o resto do governo sobre o PL e não pôde responder sobre isso, mas o secretário de combate ao desmatamento, André Lima, afirmou que o risco de aumento tanto de desmatamento quanto de incêndios florestais “está sendo muito considerado no debate dos vetos”.

Pedi um pouco mais de esclarecimentos depois que a entrevista acabou e ele confirmou que as várias formas de flexibilização ou facilitação de projetos de infraestrutura previstos no PL, sobretudo em regiões sensíveis como Amazônia e Pantanal, trazem, na análise do MMA, um aumento de risco de desmatamento.

“É o caso da LAC [licença por adesão e compromisso], da dispensa de licenciamento para melhoramento de infraestrutura ou ampliação de capacidade de infraestrutura – que é o caso de asfaltamento e duplicação de estradas. É o caso da LAE [licença ambiental especial], que permite licenciamento monofásico para empreendimentos considerados estratégicos e prioritários, que são sempre empreendimentos de grande impacto”, listou Lima.

“E principalmente aqueles dispositivos que estão em dois artigos da lei que limitam a análise ambiental dos impactos indiretos. Os impactos relacionados a desmatamento e incêndios são, por essência, indiretos. Abrir uma via, implementar uma usina hidrelétrica. Claro, a usina tem o impacto do desmatamento [direto] na área alagada, mas é localizado e depois não tem mais. Mas depois, o aumento da população, a vinda de trabalhadores que depois não têm para onde ir e ficam na região, tudo isso leva a mais desmatamento. Quer dizer, os impactos indiretos, sobretudo de grandes obras, são muitas vezes maiores que os impactos diretos”, continuou Lima, exemplificando os pontos polêmicos do PL.

Segundo ele, tudo isso foi discutido a fim de orientar vetos pontuais que eliminem esses riscos. E, para não deixar buracos na lei, ainda de acordo com Lima, está sendo avaliada a apresentação de um projeto de lei em caráter de urgência.

Conheceremos o resultado nesta sexta. E aí começa outra batalha com o Congresso, para não derrubar os vetos e passar a lei. Oremos.

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