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ONU: Como Lula se opôs a Trump ao defender multilateralismo e convocar a “COP da verdade”

Discurso sobre soberania e defesa da Palestina puseram Brasil “do bom lado da história” na ONU, avalia ex-embaixador

Reportagem
23 de setembro de 2025
17:23
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Conferência Internacional de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão da Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados. Sede das Nações Unidas, Salão da Assembleia Geral – Nova York (EUA)
Ricardo Stuckert / PR

“Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra”, discursou o presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), na abertura da 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nesta terça-feira (23), minutos antes do microfone ser passado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A crítica diz respeito às condições impostas pelos norte-americanos aos demais países nos últimos meses, que inclui um tarifaço, já em vigor, de 50% sobre as importações feitas do Brasil. Os presidentes adotaram posturas e discursos opostos na reunião.

Na ocasião, Lula ainda se dirigiu a chefes de estado de todo o mundo para defender o reconhecimento do Estado da Palestina e do compromisso dos países com as metas climáticas, destacando a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, em Belém, como a “COP da verdade”.

Por que isso importa?

  • Discurso de Lula pode reforçar a imagem do Brasil no que diz respeito à resistência às imposições do governo dos Estados Unidos aos demais países, bem como à política trumpista de interferência em outras nações. Lula reforçou ainda o papel da União Europeia e dos Brics na ocasião;
  • Convocação à participação real na COP pode reforçar compromisso por um pacto para evitar mudanças climáticas.

“Enquanto o Brasil defendeu o multilateralismo ao apoiar as Nações Unidas, os Estados Unidos atacaram a ONU dentro da ONU. Enquanto Lula fez a defesa do meio ambiente, Trump atacou a ideia de aquecimento global e as energias renováveis”, destacou o ex-embaixador Cesário Melantonio Neto, que afirma que a fala brasileira coloca o país “do bom lado da história”.

Já para o professor de política internacional e comparada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes, o discurso pode ser “o mais importante” da trajetória internacional de Lula. “O Brasil é entendido como um caso de sucesso, de resistência aos desmandos de Donald Trump. […] Lula capitalizou essa narrativa como estadista e como homem de Estado”, avaliou Lopes. “Desde a primeira semana de governo, ele convive com a ameaça à ordem democrática. E Lula construiu uma narrativa de legitimidade”.

O diretor-executivo do Democracia em Xeque, Fabiano Garrido, avaliou que o discurso foi “ao mesmo tempo, equilibrado e firme”, e que Lula, ao se posicionar na ONU poucos dias após manifestações no Brasil e a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, reforçou a mensagem de que o Executivo tem respaldo para sustentar a ordem democrática.

O nome é Genocídio

No eixo do conflito em Gaza, Lula voltou a usar a palavra que tem guiado sua diplomacia nos últimos meses: genocídio. “Nenhuma situação é mais emblemática do uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina. Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”, afirmou o presidente brasileiro.

Para o pesquisador do Grupo Ásia do Núcleo de Política e Relações Internacionais (NUPRI) da Universidade de São Paulo (USP) João Chiarelli, a fala de Lula dá continuidade ao que já vinha sendo dito pelo governo, cuja última declaração à imprensa destacou que o atual governo israelense busca “exterminar o povo palestino”.

“Lula vem dando voz às atrocidades ocorridas em Gaza, com a expectativa que com a maior visibilidade, a Comunidade Internacional possa tomar medidas legais para constranger o governo de Benjamin Nethanyahu e assim demovê-lo das barbáries cometidas pela sugestão contra o povo palestino”, avaliou Chiarelli, que também é professor da Universidade Federal dos Pampas (Unipampa) e coordenador da Oficina de China e Leste Asiático (Ofchila) da UFRGS.

“Foi na linha da maioria dos países que compõem a comunidade internacional — que agora, como a França, Inglaterra, Canadá, Austrália, Bélgica, Luxemburgo, Mônaco e Malta, reconheceram o Estado Palestino. A única solução, como disse o presidente [da França] Macron, é também a criação do Estado Palestino”, complementou o diplomata aposentado Melantonio Neto.

COP30 e o silêncio sobre o petróleo

Apesar da proximidade da COP30, que será realizada em novembro, para o coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima Claudio Angelo, a questão climática apareceu em menor peso no discurso, o que refletiria a realidade atual, em que o tema estaria recebendo menos prioridade.

“Evidentemente, para um presidente de COP, para alguém que vai presidir uma COP daqui a 6 semanas, a gente esperava um pouco mais de visão, um pouco mais de liderança”, afirmou Angelo, que destacou a ausência de menções ao petróleo: “Isso pode ser ruim, porque Belém precisa entregar alguma coisa sobre combustíveis fósseis, mas pode ter sido bom também, porque tudo que o Lula andou falando de petróleo foi besteira”.

O destaque ficou por conta da retomada da ideia de um Conselho de Clima da ONU, ideia lançada por Lula em 2022. Para Angelo, trata-se de uma saída possível para contornar o impasse do consenso que trava a Convenção do Clima, abrindo espaço para decisões por voto em temas politicamente sensíveis, como a transição para longe dos combustíveis fósseis.

“É uma ideia que pode resolver situações políticas mais difíceis, já que a convenção enfrenta cada vez mais dificuldades em entregar o que precisa”, disse o coordenador.

A “química” trumpista

Após o governo Trump sancionar, em 22 de setembro, a esposa e a empresa dos filhos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o presidente dos EUA fez um discurso em tom diferente do atual clima de tensão entre Brasil e Estados Unidos. As sanções se devem à reação do presidente norte-americano ao que classificou como restrições à liberdade de expressão, primeira tentativa de intervenção na política brasileira devido ao julgamento da trama golpista de 8 de janeiro de 2023, que já levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Trump alegou ter percebido uma “ótima química” com Lula, a quem descreveu como “um cara muito agradável” no breve encontro entre os dois líderes de Estado entre os discursos de ambos na ONU. “Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos. Na verdade, concordamos que nos encontraríamos na semana que vem”, disse Trump. “Ele parece um cara muito legal, ele gosta de mim e eu gostei dele. E eu só faço negócio com gente de quem eu gosto. Quando não gosto deles, eu não faço. Quando eu não gosto, eu não gosto. Por 39 segundos, nós tivemos uma ótima química e isso é um bom sinal”.

No discurso frente a chefes de estado, no entanto, Trump voltou a reforçar sua visão de abusos do sistema jurídico, que chegou a classificar como “corrupto” e disse que o Brasil não poderia “ir bem” se não estivesse associado aos Estados Unidos.

Edição:
The White House, Public domain, via Wikimedia Commons

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