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COP30 começa hoje: entenda o que está em jogo e o que podemos esperar

Abandono dos combustíveis fósseis, financiamento e metas para adaptação devem nortear as negociações em Belém

Reportagem
10 de novembro de 2025
04:00
Presidente Lula durante discurso na Cúpula do Clima
Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR

A 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, começa nesta segunda-feira (10), em Belém, com o desafio – auto-declarado pelo país anfitrião – de ser a COP da implementação e a COP da verdade. No marco dos dez anos do Acordo de Paris, a conferência quer acelerar a ação climática com base em tudo o que já foi combinado em conferências anteriores.

Tarefa complexa e difícil de mensurar, afinal “implementação” e “verdade” podem significar muitas coisas. Ainda mais em um momento conturbado da geopolítica internacional, que gerou a preocupação de que os principais problemas a serem atacados – em especial o abandono dos combustíveis fósseis –, poderiam ser deixados de lado. 

Às vésperas da conferência começar, porém, sinais positivos vieram da Cúpula do Clima de Belém, realizada no fim da semana passada, em que líderes de mais de 50 países se reuniram para dar o tom da conferência. 

Em pelo menos duas ocasiões, o presidente Lula passou uma mensagem forte de que gostaria de ver saindo desta COP algum direcionamento sobre os combustíveis fósseis. A geração e o consumo de energia a partir de petróleo, gás e carvão ainda respondem por mais de 75% das emissões dos gases de efeito estufa, que aquecem o planeta. Tanto na plenária de abertura quanto em uma reunião específica sobre transição energética ele defendeu que, “apesar das nossas dificuldades e contradições”, é preciso ter um mapa do caminho para “superar a dependência dos combustíveis fósseis”. 

Mesmo que, internamente, o país vá no sentido contrário – e, nesta reunião sobre transição, Lula chegou a falar que “direcionar parte dos lucros com a exploração de petróleo para transição energética permanece um caminho válido para os países em desenvolvimento” e que “o Brasil estabelecerá um fundo dessa natureza para financiar o enfrentamento da mudança do clima e promover justiça climática” –, a mensagem tem peso político.

Especialistas em negociações climáticas interpretaram isso como uma espécie de sinal verde para que o assunto crucial para o combate à crise climática seja de fato discutido pelos delegados durante a COP. Na visão de muitos deles, Lula definiu o tom do que a conferência deve entregar. Como presidente do país anfitrião, ninguém teria mais envergadura do que Lula para dar a letra: abordem os elefantes na sala.

Em entrevista coletiva neste domingo, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago afirmou que Lula foi muito claro em seus discursos e que é sobre isso que se trata a ideia de implementação: “Nós temos um mandato: nós temos de fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis [como definido na COP28, em Dubai]. Como vamos fazer isso?”

Ele lembrou que esta ideia já estava presente na nossa nova NDC (contribuição nacionalmente determinada – as metas climáticas do país) apresentada no fim do ano passado, mas foi um pouco evasivo sobre se algo assim de fato pode sair como resultado da conferência em Belém. 

“O Brasil é um dos países que diz muito claramente ser a favor de um movimento para criar um mapa para a transição para longe dos combustíveis fósseis. Porque precisamos criar uma lógica. Haverá consenso sobre como vamos fazer isso? Este é um dos grandes mistérios da COP30”, afirmou.

Um pouco depois, porém, ao ser questionado sobre se ele já estava conversando com os demais países, em especial com grandes países produtores de combustíveis fósseis, a embarcarem na ideia de concretizar esse mapa do caminho durante a conferência, Corrêa do Lago foi mais incisivo: “O Brasil é um país fóssil. Não há nenhuma dúvida. E isso nos dá uma posição muito especial para falar do assunto. Então acho que talvez este seja o lugar certo para falar sobre isso.”

Entenda, a seguir, quais são esses elefantes na sala, os itens na agenda de negociação e as principais demandas para esta COP:

Resposta à insuficiência das NDCs

No marco dos dez anos do Acordo de Paris, todos os países deveriam ter atualizado neste ano suas metas climáticas, as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) – os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa que cada nação assumiu ao assinar o Acordo de Paris. 

Sempre se soube que as metas originais eram insuficientes para conter o aquecimento global a 1,5 °C, meta estabelecida pelo Acordo de Paris. Com os compromissos em vigor, o planeta ainda rumava para um aquecimento de 2,7 °C. Mas poucos países cumpriram a obrigação de reformular suas NDCs. Até 30 de setembro, apenas 64 nações, responsáveis por cerca de 30% das emissões globais, tinham apresentado novas metas. 

Com a aproximação da COP, na última semana novas NDCs foram submetidas – inclusive de pesos-pesados nas emissões, como a China, maior emissor global, e a União Europeia.

Uma análise feita pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) estimou que se essas novas metas forem totalmente cumpridas, o aquecimento tem um decréscimo, mas ainda fica em torno de 2,5 °C. Cada décimo de temperatura importa para evitar mais tragédias climáticas e mais mortes, mas o avanço ainda é muito tímido. 

E a ciência já alertou que, ao menos temporariamente, a meta de conter o aquecimento global em 1,5 °C em relação ao período pré-industrial já foi perdida por provavelmente alguns anos – mas quantos vai depender justamente da ação dos países para conter as emissões. Enquanto isso, o planeta deve enfrentar eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes, como tempestades e ondas de calor, como vimos no ano passado.

Da COP30 se espera que haja alguma resposta a essa insuficiência das novas NDCs e Corrêa do Lago reforçou isso em sua carta, conclamando os países a incorporarem essa urgência em suas decisões. “O desafio que se coloca não é apenas identificar o que falta, mas mobilizar o que impulsiona – converter os déficits de ambição, financiamento e tecnologia em forças de aceleração”, escreveu.

O presidente Lula também fez um chamado para isso em uma sessão temática sobre os dez anos do Acordo de Paris durante a Cúpula dos Líderes. “É fundamental que saiamos da COP30 com o compromisso de acelerar o alinhamento de nossas NDCs à Missão 1.5 com a qual nos comprometemos em Dubai”, disse. É uma referência ao compromisso dos países de continuar se esforçando para que, mesmo com uma ultrapassagem temporária da meta de temperatura, as emissões sejam contidas a fim de evitar um colapso climático.

Transição para longe dos combustíveis fósseis

O principal instrumento para conter a temperatura é o abandono dos combustíveis fósseis. Daí a importância da fala de Lula na Cúpula dos Líderes. 

Foi apenas há dois anos, na COP28, em Dubai, que os países concordaram pela primeira vez em estabelecer como meta fazer uma “transição para longe dos combustíveis fósseis”, dentro do chamado Balanço Global do Acordo de Paris (GST na sigla em inglês). Mas desde então, alguns países produtores de petróleo começaram a pôr empecilhos nesse debate e não houve mais avanços. 

Na sessão temática sobre transição energética, o presidente lembrou que desde a adoção do Acordo de Paris, a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética global diminuiu apenas de 83% para 80%.

O sucesso da COP30 será medido pela capacidade de os países darem um encaminhamento para essa decisão. “Na esteira do chamado do Presidente Lula, a COP30 tem a oportunidade de dar uma resposta forte à causa primordial da crise do clima, os combustíveis fósseis”, apontou o Observatório do Clima (OC), rede de organizações da sociedade civil brasileira, em um documento com expectativas para a conferência.

“O maior exemplo de liderança seria a COP30 mandatar o processo de criação de um mapa do caminho para a transição energética, que detalhe o que seria justo, ordenado e equitativo, visando ao estabelecimento de um calendário para a transição”, sugerem.

“Sabemos que será difícil avançar nesse tema, mas uma COP que não fala de fósseis falha em seu propósito. As palavras importam – e Lula, como anfitrião, deu à presidência brasileira o mandato político de que precisava”, acrescentou Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do OC.

Financiamento

A COP29, em Baku, deixou uma espécie de “herança maldita” para a COP30: um resultado considerado muito ruim sobre o aumento do financiamento climático para os países em desenvolvimento, o que abalou a confiança, principalmente das nações mais vulneráveis, na capacidade de o regime climático internacional resolver esse problema. 

Às presidências das duas conferências coube, então, fazer um roteiro com caminhos para escalonar os recursos acordados na COP29, de apenas US$ 300 bilhões, para US$ 1,3 trilhão até 2035. 

Esse roteiro foi apresentado no começo da semana passada com várias sugestões para mudar a arquitetura financeira hoje vigente de modo a melhorar o repasse de recursos. A mensagem principal que o documento passa é de que o dinheiro existe e que é possível chegar àquela cifra, mas serão necessárias mudanças que dependem de vontade política, como taxar os super-ricos e realizar a troca de dívida de países do sul global por ações climáticas. 

Não há previsão, porém, de que esse roteiro seja incorporado pelos países de alguma maneira na COP30. E já houve críticas de que ele foca muito em financiamento privado, em vez de oferecer caminhos mais concretos para financiamento público concessional (com taxas de juros mais baixas do que as praticadas pelo mercado para não aumentar o endividamento de países). 

Ainda assim, o tema vai pairar durante toda a COP e interferir no humor dos negociadores. Dinheiro é o grande nó das conferências de clima porque é ele que dita tanto a capacidade dos países de assumir metas mais ambiciosas para fazerem a transição energética, quanto para se adaptar às mudanças que já estão ocorrendo no clima. 

Florestas

Apesar da COP30 ter como sede Belém, uma cidade no coração da floresta amazônica, a preservação das florestas não é um item formal da agenda de negociação. Ainda assim, será um tema da conferência, por causa da importância delas na contenção do aquecimento global: as florestas absorvem gás carbônico da atmosfera, evitando um aumento ainda maior da concentração de CO2. Assim, vários países (com florestas e sem florestas) defendem que a preservação florestal e outras soluções baseadas na natureza ganhem um espaço definitivo na agenda. 

Zerar o desmatamento em todo mundo, assim como reverter a degradação florestal, foi listado no Balanço Global do Acordo de Paris elaborado na COP28, como uma das metas a serem perseguidas para colocar o planeta no trilho de conter o aquecimento em 1,5 °C.  

Uma das soluções apresentadas pelo Brasil para alcançar esses objetivos, é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), lançado oficialmente durante a Cúpula do Clima. Na ocasião, 53 países assinaram uma declaração de apoio político à iniciativa. Entre eles, alguns já prometeram aportes que totalizam mais de US$ 5 bilhões, como Noruega (US$ 3 bilhões), França (500 milhões euros), Brasil (US$ 1 bilhão) e Indonésia (US$ 1 bilhão), além da sinalização de investimentos futuros por parte da Alemanha. 

A ideia do fundo, que será operacionalizado pelo Banco Mundial e ainda levará anos para ser efetivamente viabilizado, é remunerar os países de floresta tropical por cada hectare de floresta em pé – o que, se der certo, pode representar o maior volume de recursos na história destinado às florestas tropicais. Pelo menos 20% desses recursos serão destinados diretamente a povos indígenas e comunidades tradicionais, que atuam como guardiões das florestas ao redor do mundo. 

Adaptação

Uma das missões mais difíceis que os negociadores terão pela frente ao longo dessas duas semanas será fechar os indicadores para o “Objetivo Global de Adaptação” (GGA, na sigla em inglês), que serão usados para medir o quanto os países têm conseguido aumentar a resiliência de vários setores contra a crise climática, como abastecimento de água, saneamento, agricultura, saúde, infraestrutura e erradicação da pobreza.

“Até hoje, nós monitoramos as mudanças do clima pelas emissões [de gases do efeito estufa]. A tentativa com o GGA é monitorar a resiliência. Os países terão que relatar o progresso ou as faltas em várias áreas”, explica Natalie Unterstell, diretora-executiva do Instituto Talanoa.

Com essa definição, espera-se que os governos tenham um norte para definir prioridades em seus esforços de adaptação – cada vez mais urgentes diante dos impactos de eventos climáticos extremos, como inundações, secas e ondas de calor, que, além de afetar a população diretamente, quebram safras agrícolas, danificam infraestruturas e geram custos bilionários. Essas métricas também devem dar instrumentos para a sociedade civil cobrar mais ações de seus governos.

A organização nacional dos povos indígenas brasileiros, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), por exemplo, defende que sejam estabelecidos indicadores específicos para monitorar a situação de defensores ambientais (incluindo dados sobre ameaças, criminalização e violência relacionadas à proteção dos territórios), além de métricas que reconheçam e valorizem a contribuição dos saberes e conhecimentos indígenas e tradicionais no combate às mudanças climáticas.

Não será fácil, porém, chegar a um consenso sobre os indicadores. Primeiro pela quantidade de itens. Após um processo complexo, que durou dois anos, os diplomatas conseguiram sair de uma lista de quase 10 mil pontos para uma com 100 indicadores – cada um deles pode ser objeto de mais discussão agora em Belém. E há preocupação de alguns países em desenvolvimento de que prestar contas sobre todos esses indicadores venha a se tornar um fardo.

Além disso, os países em desenvolvimento defendem que haja “meios de implementação” (leia-se: dinheiro e tecnologia) para que possam, de fato, realizar ações de adaptação. Hoje, a maior parte dos recursos financeiros destinados ao enfrentamento da mudança climática vai para medidas de redução de emissões. O financiamento para adaptação é, majoritariamente, público, e os países mais pobres, que mais precisam desses recursos, não possuem orçamento para fazer os investimentos necessários. Por isso, eles defendem que seja estabelecida uma meta de triplicar o financiamento para essa área até 2030. 

Transição justa

Outro item que está previsto formalmente na agenda de negociação da COP30 é uma definição sobre “transição justa”. 

Transição justa é o nome dado às mudanças necessárias para transformar as atuais economias altamente emissoras de carbono em economias “descarbonizadas” ou “de baixo carbono”. A palavra “justa” aqui é fundamental, porque o objetivo é que essas transformações não acabem por aprofundar as desigualdades entre os países ou por penalizar comunidades vulneráveis em processos como extração de minerais críticos e encerramento de atividades poluentes. 

Por isso, essa é uma das principais pautas da sociedade civil na COP30. “Transição justa é falar de coisas que preocupam as pessoas, como o aumento do custo da eletricidade, ou como nos movemos, como nos alimentamos, como trabalhamos”, explicou à Pública Anabella Rosemberg, especialista sênior da Climate Action Network, uma das maiores organizações internacionais de ativismo climático. 

Na COP28, os países criaram um programa de trabalho sobre transição justa para discutir caminhos para atingir as metas do Acordo de Paris. Ao longo dos últimos anos, representantes dos países tentaram definir, primeiro, o que é uma transição justa – já que a própria definição é alvo de divergências –, quais seriam seus princípios e o que é possível fazer para alcançá-la na prática.

Agora, o tema estará na mesa de negociação dos diplomatas. A expectativa é a de que, depois de muitas discordâncias, os países aprovem uma resolução, baseada em um texto preliminar acordado em Bonn, na Alemanha, onde foi realizada, em junho, a conferência preparatória para a COP30. Nele, os países reconhecem, por exemplo, que as transições justas precisam ser centradas nas pessoas, feitas de baixo para cima e abarcando toda a sociedade. 

Como costuma acontecer, as principais divergências aparecem na hora de definir como implementar essas definições e princípios. Os países em desenvolvimento defendem que seja criado algum tipo de arranjo institucional para que tenham acesso às tecnologias e recursos para realizar as transições – que incluem a requalificação de trabalhadores, investimentos em energias limpas e, em muitos países, o mero acesso à eletricidade e à possibilidade de cozinhar em segurança (sem usar lenha ou carvão, por exemplo).

Os países desenvolvidos, porém, se opõem a um arranjo de implementação, porque implementar significa que eles teriam que dar mais recursos financeiros para as nações em desenvolvimento, além de compartilhar tecnologia.

A sociedade civil encampa a proposta da Climate Action Network para a criação do chamado Mecanismo de Ação de Belém (BAM, na sigla em inglês). Esse mecanismo teria três funções principais: coordenar as diferentes iniciativas de transição justa ao redor do mundo, que hoje estão espalhadas por diferentes instituições; garantir o compartilhamento do conhecimento, como planos que deram certo e bons exemplos de políticas públicas; e facilitar o acesso à tecnologia necessária e a possíveis financiadores.

Edição:
Raimundo Pacco/COP30
Ueslei Marcelino/COP30
Ueslei Marcelino/COP30
Alex Ferro/COP30

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