Quando o governo brasileiro, faltando apenas três semanas para o início da 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, aprovou o pedido de licença para a Petrobras para fazer uma perfuração em busca de petróleo na Foz do Amazonas, foi inevitável entender isso como um sinal de que o país, anfitrião do evento, não tocaria no espinhoso tema do fim dos combustíveis fósseis. Nem se esforçaria muito para que isso tivesse um espaço nas negociações da conferência.
Foi, portanto, uma bela surpresa ver o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defender nesta quinta-feira (6), na abertura da Cúpula de Líderes de Belém, que a COP30, sim, traga caminhos para que o mundo possa “superar a dependência dos combustíveis fósseis”.
Com um discurso forte e, em alguns momentos, tocante, Lula repetiu algumas expressões que ele já tinha usado há dois anos na COP28, em Dubai, e endossou o que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vem defendendo veementemente como objetivo principal para Belém. Para chefes de estado e de governo de mais de 50 países, disse que as falas deles precisam ser uma bússola para a conferência que começa na segunda-feira e destacou:
Foi bastante aplaudido ao dizer isso.
E se parece contraditório com o que ele já defendeu diversas vezes, de que o país aumente sua exploração de petróleo, é porque é mesmo. Além de Lula ter se mostrado favorável à exploração na Foz do Amazonas, o planejamento energético brasileiro vai em sentido oposto ao discurso do presidente na cúpula. Em casa, não é assim que as coisas estão caminhando. Ainda assim, ele poderia não ter passado essa mensagem. Ao fazer essa declaração, deu o tom para a COP30.
Esse encaminhamento ser concretizado de alguma maneira nas próximas duas semanas será a medida do sucesso da COP30. É o que vai confirmar se esta será a COP da implementação, ou a COP da verdade, como gosta de dizer Lula.

O mundo começar a se organizar para de fato estabelecer um cronograma para o fim do carvão, petróleo e gás e também para o fim do desmatamento é o que precisa ser feito para tirar o planeta do rumo de um aquecimento de mais de 2,5 °C.
Internamente, o Brasil pode não estar fazendo essa discussão, mas nenhum país produtor de combustíveis fósseis está. Agora, se coletivamente os países concordam em estabelecer um roteiro para o abandono, aí até as forças de mercado começam a se ajustar. E, sim, Lula tem razão, é preciso ter dinheiro para isso – o grande nó das negociações climáticas.
Nesta quarta-feira (5), o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, apresentou um outro “mapa do caminho” para que o mundo consiga escalonar o financiamento climático a US$ 1,3 trilhão para os países em desenvolvimento. O documento traz sugestões para uma mudança da arquitetura financeira, mas também precisa, de algum modo, aterrissar nas negociações ou nos compromissos dos países de impulsionarem a ação climática.
O momento não poderia ser mais delicado.
Antes de Lula se pronunciar, a secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Celeste Saulo, afirmou que 2025 caminha para ser o segundo ou terceiro ano mais quente do registro histórico, depois do recorde batido em 2024.

Ela lembrou que os últimos três anos foram os três mais quentes desde que as medições começaram a ser feitas, e que o crescimento recorde das emissões de gases de efeito estufa significa que é virtualmente impossível limitar o aquecimento global a 1,5 °C nos próximos anos. Ou seja, a principal meta do Acordo de Paris, dez anos depois de ele ter sido assinado, vai ser ultrapassada mesmo que temporariamente.
Lula incorporou em seu discurso esse tom de urgência ao afirmar que há dois “descompassos” que ele diz que precisam ser superados.
“O primeiro é a desconexão entre os salões diplomáticos e o mundo real. As pessoas podem não entender o que são emissões ou toneladas métricas de carbono, mas sentem a poluição. Podem não compreender o que são sumidouros de carbono ou reguladores climáticos, mas reconhecem o valor das florestas e dos oceanos. Podem não ser versadas em financiamento concessional ou misto, mas sabem que nada se faz sem recursos. Podem não assimilar o significado de um aumento de um grau e meio na temperatura global, mas sofrem com secas, enchentes e furacões”, disse.
“O segundo descompasso é o descasamento entre o contexto geopolítico e a urgência climática. Forças extremistas fabricam inverdades para obter ganhos eleitorais e aprisionar as gerações futuras a um modelo ultrapassado que perpetua disparidades sociais e econômicas e degradação ambiental. Rivalidades estratégicas e conflitos armados desviam a atenção e drenam os recursos que deveriam ser canalizados para o enfrentamento do aquecimento global”, afirmou.
Na sequência, declarou que “a mudança do clima é resultado das mesmas dinâmicas que, ao longo de séculos, fraturaram nossas sociedades entre ricos e pobres e cindiram o mundo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento”. E que “será impossível contê-la sem superar as desigualdades dentro das nações e entre elas”.
Lula pareceu inspirado pelos espíritos amazônicos ao encerrar seu discurso lembrando uma crença Yanomami de que os humanos têm de sustentar o céu, para que ele não caia sobre a Terra.
“Essa perspectiva dá a medida da nossa responsabilidade perante o planeta, principalmente diante dos mais vulneráveis. Mas também reconhece que o poder de expandir horizontes está em nossas mãos. Temos que abraçar um novo modelo de desenvolvimento mais justo, resiliente e de baixo carbono. Espero que esta Cúpula contribua para empurrar o céu para cima e ampliar nossa visão para além do que enxergamos hoje.”

PayPal 


