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Agora aposentado, Silvinei Vasques é investigado por bloqueios ilegais em rodovias durante as eleições

Reportagem
17 de abril de 2023
16:00
Este artigo tem mais de 1 ano

BRASÍLIA — Em dezembro de 2020, Silvinei Vasques, então superintendente da Polícia Rodoviária Federal do Rio de Janeiro firmou o primeiro contrato do governo federal com a Combat Armor Defense do Brasil, no valor de R$4,2 milhões, abrindo os cofres públicos para a fornecedora de blindados, à época uma empresa novata no mercado. 

Um ano depois, em abril de 2021, quando Vasques assumiu a chefia geral da PRF, a Combat Armor Defense ganhou outros contratos milionários. Além do Rio, a empresa vendeu seus serviços para as superintendências das polícias rodoviárias do Rio Grande do Norte, Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia, Santa Catarina e para o departamento nacional da corporação. Ao todo, a companhia recebeu R$33,5 milhões em pagamentos dos R$36,5 milhões em contratos firmados com a PRF, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. 

Silvenei, agora aposentado após o fim do governo Bolsonaro, é também investigado por bloqueios ilegais em rodovias durante as eleições e por fazer campanha para Jair Bolsonaro (PSL). Já a sua relação com a Combat Armor Defense não se encerrou.

Ao menos é o que disse o CEO da própria empresa, Maurício Junot, sobre o ex-chefe da PRF, que pediu emprego na empresa neste ano, acompanhado do ex-secretário executivo do Ministério da Justiça, Antonio Lorenzo — o número 2 de Anderson Torres durante o governo de Jair Bolsonaro.

A informação de Junot foi dada à Agência Pública quando questionado sobre a relação de Silvinei com a empresa de blindados. “Eles fizeram uma visita para mim lá (na sede da firma), deixando currículo, mas nenhum dos dois tem nenhum tipo de relacionamento comigo”, disse.  

Porém, funcionários da empresa consultados pela reportagem relataram que Silvinei Vasques teria prestado serviços para a Combat em janeiro, mas não teria permanecido “após a informação vazar”. A assessoria da companhia nega a informação: “ele não trabalha, não foi e não é funcionário ou colaborador”. A contratação havia sido noticiada pela Revista Fórum. Tentamos contato com o ex-PRF por telefone, mas não obtivemos retorno até a publicação.    

Empresa tentou esconder informação 

A Combat Armor também contratou no início deste ano os serviços de consultoria de Antonio Lorenzo, o número dois da pasta comandada por Anderson Torres. 

Em janeiro, ele e Silvinei Vasques abriram empresas de consultoria, a F5 Consultoria e a Victory Consultoria, respectivamente. Elas foram registradas na Receita Federal com o mesmo endereço em Florianópolis (SC), onde funciona o escritório de contabilidade Quality Contabilidade e Consultoria. 

Lorenzo contou à Pública que prestou consultoria para a presidência da Combat nas áreas de comunicação, administração e finanças. “Eu fiz um trabalho pontual de consultoria em algumas áreas que eles pediram quando tinham trocado de diretoria”, afirmou.    

A empresa, no entanto, tentou esconder a informação da reportagem. Maurício Junot, ao ser contactado na última quarta-feira (12/4), negou a contratação de Lorenzo e Torres. “Eles nunca foram meus funcionários, não são meus funcionários, não trabalham para mim”, destacou.

A assessoria de imprensa também enviou uma nota reforçando que os dois “nunca fizeram parte do quadro de funcionários da Combat Armor Defense”, mas ao ser confrontada com a informação de que Lorenzo havia confirmado os serviços, admitiu: “O Lorenzo foi consultor por dois meses e acabou o tempo, mas ele nunca foi funcionário, foi uma prestação de serviço pontual”, justificou a assessoria que continuou negando a admissão de Silvinei Vasques. Em nota, a empresa destacou ainda que segue “um rígido código de conduta”. “Valorizamos todos os princípios legais e éticos”, acrescentou. 

O boom da Combat Armor durante o governo Bolsonaro

A Combat Armor Defense Brasil é presidida pelo americano Daniel Beck, militante trumpista que participou das manifestações que culminaram na invasão do Congresso dos Estados Unidos. Ele e Maurício Junot têm trânsito junto à família Bolsonaro. Dois meses depois da fundação da empresa, em maio de 2019, o CEO foi recebido por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em seu gabinete na Câmara dos Deputados. Os dois também estiveram no Palácio do Planalto, em março de 2022, conforme revelado pelo site Metrópoles.

Na imagem três homens brancos de terno, à esq. o CEO da Combat Armor Defense Maurício Junot que usa gravata vermelha, no meio Flávio Bolsonaro com gravata cinza e a dir. usando gravata na cor vinho, o lobista de armas Misael de Souza.
Maurício Junot (à esq) e o lobista de armas Misael de Souza (à dir), se reuniram com Eduardo Bolsonaro em 23 de maio de 2019

Já os registros de entrada à sede da PRF em Brasília, ao qual tivemos acesso por meio da Lei de Acesso à informação, mostram que Beck participou da comemoração dos 93 anos da corporação e Junot esteve em uma reunião no prédio do órgão “para tratar dos prazos de entrega dos veículos [blindados] vencedores da licitação”. Os encontros aconteceram em 18 de agosto e 25 de outubro de 2021, respectivamente. 

Também em 2021, ano em que Silvinei Vasques assumiu a chefia da PRF por indicação de Flávio Bolsonaro, a Combat Armor despontou como a maior fornecedora de compras realizadas por meio de contrato, de acordo com os dados do portal da transparência do governo federal.  

Como já citado na reportagem, ao todo, a companhia recebeu R$33,5 milhões em pagamentos dos R$36,5 milhões em contratos firmados com a PRF, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. 

A Combat Armor teve um crescimento exponencial durante o governo de Jair Bolsonaro. Seu capital social era de R$ 1 milhão em 21 de março de 2019, quando foi criada; saltou para R$ 6,8 milhões em 23 de setembro de 2020 e no mês seguinte mudou para R$13,4 milhões. Em 9 de março de 2022 aumentou para R$ 20,9 milhões, chegando a R$27,4 milhões em 26 de outubro. Os dados são da Junta Comercial de São Paulo. 

No período em que Silvinei Vasques esteve à frente da PRF do Rio, foram firmados três contratos com a empresa: um no dia 29 de dezembro de 2020 e dois em 31 de dezembro, totalizando R$8,2 milhões. Em novembro daquele ano, a Combat venceu uma licitação da superintendência no valor de R$11,7 milhões, a primeira com o governo federal.   

Apelidado de Patrol, os blindados adquiridos pelo órgão foram utilizados durante a segunda chacina mais letal do Rio, que deixou 23 civis mortos na Vila Cruzeiro, em maio do ano passado.  

Blindado adquirido pela PRF da Combat Armor Defense, o carro está pintado nas cores azul escuro e amarelo.
Blindado adquirido pela PRF da Combat Armor Defense

Em 2020, a Combat Armor também forneceu veículos blindados à Polícia Militar do Rio de Janeiro – ao longo dos últimos anos . O contrato está na mira do Tribunal de Contas do Estado, que apontou irregularidades, como direcionamento de licitação

Em novembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), proibiu a Combat Armor de participar de licitações com o poder público por não ter feito a entrega dos blindados licitados. A decisão foi proferida em agosto do ano passado e a empresa recorre da ação. 

Os rolos de Silvinei Vasques

Silvinei Vasques foi exonerado pelo então presidente Jair Bolsonaro da direção-geral da Polícia Rodoviária Federal em 20 de dezembro do ano passado. No dia seguinte, a corporação concedeu aposentadoria voluntária a ele, aos 47 anos de idade e 27 anos de trabalho como policial. Como entrou no órgão antes da Reforma da Previdência, em 2019, sua aposentadoria segue a regra antiga, que permite que homens com 30 anos de contribuição e 20 de atividade policial se aposentem independente de idade. 

Sua saída da PRF está relacionada com a série de escândalos que se envolveu durante o período eleitoral do ano passado. Em novembro, Vasques se tornou réu por improbidade administrativa após pedir votos em sua rede social para Jair Bolsonaro. O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação contra ele, “pelo uso indevido do cargo, com desvio de finalidade, bem como de símbolos e imagem da instituição policial com o objetivo de favorecer um dos candidatos nas eleições presidenciais”.

Silvinei Vasques, ex-chefe da PRF durante governo Bolsonaro, é um homem branco de cabelos e olhos escuros. Na imagem ele está vestindo um casaco preto com o logo da polícia e a bandeira do Brasil, sentado em uma poltrona dando entrevista
Funcionários da Combat consultados pela reportagem relataram que Silvinei Vasques teria prestado serviços para a empresa

O ex-diretor-geral da PRF também é investigado pela suspeita de omissão diante dos bloqueios ilegais feitos por bolsonaristas radicais que não aceitaram o resultado da votação e por causa das barreiras que o órgão montou em rodovias no segundo turno para abordar ônibus com eleitores, descumprindo ordens do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Conforme a Pública mostrou no dia da votação, em 30 de outubro, a PRF parou cinco vezes mais ônibus no Nordeste, reduto eleitoral de Lula, do que no Sul. Documento enviado à Câmara dos Deputados pela corporação – assinado por Antonio Lorenzo –, em resposta ao pedido de requerimento de informação do deputado Marcelo Castro (PSD/RJ) mostra que a Bahia foi o estado com maior efetivo de policiais rodoviários naquele dia, com 369 policiais – seguido do Mato Grosso do Sul (333) e Rio Grande do Sul (294). 

No documento, o órgão destacou que a distribuição de policiais por região foi proporcional ao total do efetivo: 40% do efetivo da Região Norte, 40% do Centro Oeste, 34% na Região Sul, 33% nas regiões Sudeste e 39% na Nordeste. 

A Polícia Federal também apura uma viagem do ex-ministro da Justiça Anderson Torres à Bahia, às vésperas do segundo turno das eleições, em que ele teria pedido à superintendência do estado que atuasse em conjunto com a PRF com objetivo de prejudicar o fluxo de eleitores, conforme revelado pelo blog da Andreia Sadi.  

Reprodução Redes Sociais
Reprodução Wikimedia Commons
Valter Campanato/Agência Brasil

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