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Risco Trump: “COP no Brasil poderá ver o enterro da meta de 1,5 ºC”

Como a volta de Donald Trump à presidência dos EUA pode abalar os esforços globais contra as mudanças climáticas

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19 de julho de 2024
06:00

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Desde o início do ano, há uma certeza entre quem atua nos esforços contra as mudanças climáticas: o fato mais importante do ano para essa agenda será a eleição presidencial dos Estados Unidos. Se o ex-presidente Donald Trump, um notório negacionista, conseguir retornar ao cargo, há um pessimismo de que a chance de conter o aquecimento global em níveis que se espera serem mais seguros pode ser perdida. 

O temor não é de hoje, mas começou a se intensificar após o debate do candidato com Joe Biden, no qual o presidente atual teve uma atuação desastrosa, e piorou após o atentado contra Trump no último sábado, 13. A sensação é que, assim como ocorreu no Brasil em 2018, a tentativa de assassinato pode dar um vigor a sua campanha.

Se o republicano vencer as eleições e conseguir cumprir o que vem prometendo, como desmantelar a principal política climática de Biden, a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), há quem imagine que a meta de conter o aquecimento global em 1,5 ºC, na comparação com os níveis pré-industriais, fica praticamente impossível alcançar.

“Se Trump ganhar, a COP30 [30ª Conferência do Clima da ONU], no Brasil, vai se consolidar como o enterro do 1,5 ºC. Não tem como cumprir a meta sem os EUA”, me disse Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima. 

É um cenário que considera que as emissões dos Estados Unidos vão crescer em um período em que, assim como as do resto do mundo, deveriam cair rápida e consistentemente. Uma análise feita pelo Carbon Brief, um site britânico especializado em clima, estimou que, sob Trump, os Estados Unidos podem chegar a 2030 com uma emissão de 4 bilhões de toneladas de carbono a mais do que sob Biden.

No ano que vem, em Belém, tem de ocorrer uma revisão para cima das metas estabelecidas pelos países em 2015 no Acordo de Paris. Já se sabia, naquela época, que os esforços que cada nação oferecia seriam insuficientes para conter o avanço da temperatura em 1,5 ºC. E, de fato, desde que o acordo foi fechado, apesar de as emissões de gases de efeito estufa terem desacelerado, elas ainda não começaram a cair. Já a temperatura do planeta só faz subir. 

Os últimos nove anos foram os mais quentes do registro histórico, sendo 2023 o que teve a temperatura média anual mais elevada. Neste ano, espera-se que o recorde mais uma vez seja superado. Junho foi o 13º mês consecutivo a registrar a maior temperatura para o respectivo período na história – vários deles superando o fatídico 1,5 ºC. 

O momento pede medidas mais ousadas dos países – e é o que se espera que aconteça tanto neste ano, na COP29, em Baku, no Azerbaijão, quanto na COP30. A primeira vai tratar de financiamento, em que os países precisam se comprometer a colocar mais dinheiro na mesa para ajudar os países em desenvolvimento a reduzir suas emissões e a se adaptar. Na segunda, o objetivo é aprimorar as ações contra as mudanças climáticas. 

Mas, se os Estados Unidos voltarem a desembarcar desse esforço, que é necessariamente conjunto, tudo fica bem mais complicado.

“Independentemente do impacto preciso, um segundo mandato de Trump que desmantele com sucesso o legado climático de Biden provavelmente acabaria com qualquer esperança global de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 ºC”, escreve o Carbon Brief.

Na sua gestão, Trump tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e fez de tudo para incentivar o carvão mineral, o combustível fóssil mais poluente, e para desmantelar ações que tinham sido tomadas por Barack Obama para reduzir as emissões do país. 

Agora ele está mirando o IRA, a mais importante política climática já criada nos EUA. Aprovada em 2022, previu o investimento de US$ 1 trilhão em clima e energia, além de incentivos fiscais para energia limpa, carros elétricos e aprimoramento nas indústrias. 

É o pilar da estratégia econômica e industrial da administração de Biden. O presidente democrata foi esperto em nem colocar “clima” no nome da lei. Ele sempre falou em redução de inflação, em aumento de empregos. Um relatório elaborado pela Universidade Princeton projetou que o IRA levaria os EUA a cortar pela metade as emissões de carbono (em relação a 2005) em 2035. 

Trump, porém, chamou o IRA de “fraude verde”, disse que é um plano para “manter a China rica” e vem prometendo desmontar os programas de transição energética e créditos para energia renovável. Mas isso pode não ser tão simples, já que precisaria de aprovação do Congresso. Fora que contraria os interesses não somente industriais, que têm se beneficiado dos incentivos, mas de muitos estados republicanos que também têm recebido esses recursos.

O republicano tem como guia um documento chamado Project 2025, um plano de 920 páginas para uma grande reforma das agências e políticas federais, criado pela The Heritage Foundation, um think tank conservador. O texto defende a revogação do IRA e o aumento da produção de combustíveis fósseis e declara que o governo federal tem “a obrigação de desenvolver recursos de petróleo e gás” em terras públicas. 

A organização propõe ainda a despriorização – e, em alguns casos, a eliminação – do estudo da ciência climática e do planejamento de contingência para impactos climáticos em várias agências, incluindo a Agência de Proteção Ambiental e o Conselho de Segurança Nacional. 

“A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa) deveria ser desmantelada e muitas de suas funções, eliminadas, enviadas para outras agências, privatizadas ou colocadas sob o controle de estados e territórios… A maior parte de sua pesquisa sobre mudanças climáticas deveria ser dissolvida”, recomenda o relatório.

Como registrou o New York Times, apesar das recentes ondas de calor que têm atingido os Estados Unidos, na convenção do Partido Republicano, que confirmou a candidatura de Trump nesta semana, “mudanças climáticas não são um problema”. A plataforma do partido nem menciona o assunto. Em vez disso, incentiva mais produção de petróleo, gás e carvão, sob o lema “Drill, baby, drill” (“Vamos perfurar, bebê, perfurar”), e chama o óleo de “ouro líquido”.

Não que os Estados Unidos, sob os democratas, sejam os paladinos da justiça climática. O país ocupou a posição de maior produtor de petróleo do mundo nos últimos seis anos consecutivos. E, nas negociações climáticas no âmbito da ONU, sempre faz um jogo bem duro, com poucas concessões. Mas, ao menos, eles entram no jogo, coisa que Trump nem sequer se digna fazer, e foram fundamentais para a adoção do Acordo de Paris, quando Obama fez um acordo bilateral com a China para que os dois maiores emissores do mundo se comprometessem com a agenda climática.

Por outro lado, internamente as emissões vêm caindo desde os governos Obama – mesmo que ainda menos do que o necessário. Em boa parte por pura força de mercado: com a exploração maciça de gás natural não convencional, ficou barato fazer a transição energética do carvão mineral para o gás, que, mesmo ainda se tratando de um combustível fóssil, é menos poluente. E, desde a adoção do IRA, a expectativa é ir muito além no corte de emissões.

É essa força do mercado que talvez possa frear, ao menos um pouco, os ímpetos de Trump. Eu conversei com o Carlos Rittl, diretor de Políticas Públicas para Florestas e Mudanças Climáticas na Wildlife Conservation Society. O ambientalista brasileiro, que há muitos anos atua na Europa, defende que a transição energética que vem ocorrendo nos Estados Unidos ou em qualquer parte do mundo não se deu necessariamente por impulso de governos.

“Apesar de o Acordo de Paris ter dado um norte para muita coisa que veio a acontecer, tanto para governos quanto para o setor privado, a transição vem acontecendo muito em função de mercado, de preço, de competitividade das energias renováveis. Hoje a energia solar, que vem ganhando eficiência, efetividade, é a fonte mais barata em qualquer lugar do mundo. Então é difícil parar as forças de mercado quando o mercado está ganhando dinheiro com isso”, afirmou. 

O problema, de novo, é o tempo. Pode ser que essa roda continue girando a despeito de Trump, mas tudo o que ele conseguir atrapalhar e signifique mais toneladas de gás carbônico na atmosfera vai comprometer uma agenda que, neste momento, não pode se dar ao luxo de desacelerar – porque ela já está muito mais lenta do que seria o necessário.

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