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Conversei com alguns bolsonaristas depois do atentado à bomba na Praça dos Três Poderes e, além do desconforto evidente diante do episódio investigado pela Polícia Federal em conexão a outros atos extremistas, como os de 8 de janeiro, a explicação foi a mesma: “o cara era um louco, um suicida, não tem nada de política nisso”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi pelo mesmo caminho em seu post na rede de Elon Musk, qualificando o ato de “fato isolado e ao que tudo indica causado por perturbações na saúde mental”. Mas, sintomaticamente, acrescentou em seguida: “é um acontecimento que nos deve levar à reflexão”.
Bolsonaro, porém, não estava convidando as pessoas a refletir sobre o extremismo por ele cultivado desde a criação do gabinete de ódio em seu governo – como lembrou o ministro Alexandre de Moraes –, insuflando os golpistas para quem agora busca a anistia (mirando a sua própria) pelos atentados cometidos com o objetivo de mantê-lo no poder depois de uma derrota eleitoral.
As frases seguintes do post de Bolsonaro acabam por enfraquecer a tese do louco suicida e soam quase como ameaça ao se referir ao episódio em que um ex-candidato a vereador pelo seu atual partido, o PL, o chaveiro catarinense Francisco Wanderley Luiz detona bombas após tentar entrar com explosivos caseiros (mas letais) dentro da Suprema Corte.
Disse o ex-presidente no X: “A defesa da democracia e da liberdade não será consequente enquanto não se restaurar no nosso país a possibilidade de diálogo entre todas as forças da nação. E nisso as instituições têm papel fundamental [grifo meu]. Por isso, apelo a todas as correntes políticas e aos líderes das instituições nacionais para que, neste momento de tragédia, deem os passos necessários para avançar na pacificação nacional”.
Quais seriam os “passos necessários” para essa “pacificação”, na visão de Jair Bolsonaro, aquele que se recusou a passar a faixa para o presidente eleito e fomentou suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral? Afinal, o Brasil vive hoje a paz da normalidade democrática que não existia em seu mandato. Se alguém fomentou intenções terroristas e alimentou o ódio contra o Supremo, em particular contra o ministro Alexandre de Moraes, alvo principal do terrorista, foi o próprio ex-presidente.
O que leio nas entrelinhas do post de Jair Bolsonaro é: se as instituições não anistiarem os presos de 8 de janeiro e ele mesmo continuar inelegível, não haverá a “pacificação”. Ou seja, atentados como esse podem se repetir.
Essa, claro, é apenas a minha opinião, a que tenho direito neste espaço pessoal e intransferível. Mas vamos, então, à resposta do diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, ao ser indagado na coletiva de ontem se o homem que construiu e detonou os explosivos seria um “lobo solitário”.
“Eu particularmente tenho algumas ressalvas a essa expressão, lobo solitário, porque ainda que a ação visível seja individual, por trás da ação nunca há só uma pessoa, há sempre um grupo, ou ideias de um grupo, extremismos e radicalismos que levam a cometimento desses delitos”, afirmou Rodrigues, depois de uma fala inicial em que já havia conectado esse crime a outros anteriormente cometidos pela extrema direita após a vitória eleitoral de Lula.
Ecoando Alexandre de Moraes, que argumentou que uma eventual “impunidade vai gerar mais agressividade” ao defender a condenação dos golpistas, o diretor-geral da PF também se posicionou contra a anistia. “Estamos falando de ações violentas contra o estado democrático de direito. Estamos falando em tentativa de homicídio e armadilhas a policiais que estavam fazendo uma investigação. Não é aceitável que se proponha anistia”, disse Rodrigues aos jornalistas.
“Os grupos de extremistas mostram com essa ação que estão bem vivos”, prosseguiu, relatando em seguida que havia tomado conhecimento ontem de “novos emails com mensagens de ameaças à Suprema Corte”. E alertou: “Eles estão aí, eles estão aí e precisam de fato ser combatidos, e isso não é esforço só das forças policiais, mas de toda a sociedade”.
Sobre a possibilidade de evitar o crime premeditado, anunciado previamente na internet, Rodrigues defendeu a regulamentação das redes sociais, ainda poluídas de discursos golpistas e de ódio, uma medida que não consegue avançar no Congresso por ser repudiada pela direita, que, aliás, grassa na rede de Elon Musk.
Como jornalista, acrescento: além de deter os adeptos de redes sociais sem freios, espero que o som das bombas detonadas às sete e meia da noite de uma quinta-feira em local onde se reúnem as maiores autoridades da República tenha chacoalhado também os diretores de jornais, alertando que não é hora de brincar com a palavra democracia.
Não faz sentido atribuir a violência política, comandada por um único lado, a uma suposta polarização, como fazem rotineiramente os veículos comerciais, nem normalizar um ex-presidente golpista a ponto de chamá-lo para manifestar suas ideias, sem contestação, como fez a Folha de S.Paulo, ao publicar artigo sarcasticamente intitulado “Em nome da democracia”, assinado por Jair Bolsonaro.
Um atentado à credibilidade do jornal centenário e, “no mínimo, um golpe no estômago”, como definiu o colega e conselheiro da Pública Ricardo Kotscho, que trabalhava no jornal quando este era porta-voz do movimento Diretas-Já.
Completo: um sinal da decadência da imprensa grande e da falta de compromisso com o interesse público, quando cabe a toda sociedade, sobretudo ao jornalismo, combater os que disseminam o veneno do ódio autoritário que matou o patético homem-bomba logo depois de ter lançado um artefato contra a estátua da Justiça.
A democracia não está dada, e é dever da imprensa defendê-la todos os dias, sobretudo quando o golpismo fervilha e ameaça a todos nós.