Um plano de golpe para assassinar o presidente, seu vice e um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que teria sido arquitetado por militares e, aparentemente, com apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A trama revelada pela Polícia Federal (PF) recentemente representa “um dos momentos mais tensos da história recente da República”, segundo o historiador Francisco Teixeira.
Em entrevista ao podcast Pauta Pública, Teixeira, que é professor emérito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) e professor titular de história moderna e contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa os eventos que levaram à tentativa frustrada de golpe e diz “que o país correu grande risco de perder a democracia”.
Para ele, o esquecimento ou as tentativas de apagamento da história abrem caminho para o “retorno de tentativas golpistas”. Leia os principais pontos e ouça abaixo o podcast completo.
EP 148 Tiro, veneno e golpe: o que esperar do bolsonarismo e da Justiça? – com Francisco Teixeira
Em janeiro de 2023, tivemos atos terroristas no Planalto. Há poucos dias, presenciamos um homem-bomba se matar, no que poderia ter sido um ataque ao STF. Nessa trama golpista, deflagrada pela PF, havia planos de magnicídio, com o assassinato do presidente, do vice e de um membro do Supremo. Estamos vendo um processo de naturalização da violência, de atos terroristas e de tentativas de golpe?
Aparentemente nós temos uma situação muito complexa em relação à política em geral no Brasil. Sempre foi pauta fundamental para os partidos políticos, principalmente de esquerda mais progressistas, as questões como educação, saúde, alimentação, transporte e emprego eram pautas que estavam na agenda. Há mais de 10 anos, a direita chegou na política brasileira subvertendo inteiramente essa pauta e colocando uma pauta única de segurança pública, inclusive criando meios de agitação e de propaganda nas redes sociais.
O Rio de Janeiro foi descrito como sendo terra de ninguém. No índice de violência das cidades brasileiras, o Rio de Janeiro está em oitavo lugar. Tem várias outras cidades na frente do Rio de Janeiro, mas há uma campanha por causa da ressonância do Rio de Janeiro nesse sentido. Em termos mundiais, o México é muito mais violento e brutal do que o Brasil. Mas isso não é mostrado e é feita essa espécie de guerra subversiva adversa para criar um desajuste que dê condições de se realizar um golpe de Estado e projetar a direita para o poder. Esse processo todo banaliza a violência e diz que a República não é competente para estabelecer a ordem e que precisa de uma força.
Se faz essa confusão entre missão de polícia e missão de defesa e confunde as duas coisas nesse sentido, chegando à intervenção federal do Rio de Janeiro, que não resultou em nada. Ao contrário, a violência aumentou. A morte de Marielle Franco e Anderson foi durante a intervenção federal, feita pelo próprio Braga Netto [ex-ministro da Defesa] naquele momento.
De certa maneira, muitos de nós sentimos falta de um pronunciamento enérgico do Lula. Talvez entrar em rede nacional dizendo que quase foi morto, que milhões de votos teriam sido desrespeitados, milhões de pessoas que depositaram sua escolha eleitoral nele teriam sido desrespeitadas, se ele fosse assassinado. Na sua análise, o senhor acha que falta pronunciamento do presidente? Como o senhor tem visto a postura do governo federal frente a essas acusações que saíram agora, tem como ficar calado numa crise dessa?
Tem uma mentalidade de virar a página da história. Ocorre que essa página não está escrita, a gente está virando página em branco da história. E isso reforça a impunidade. É evidente que esse ano, 2024, o Lula se negou a comemorar a vitória sobre o golpe de 8 de janeiro de 2023 e se negou a comemorar, a rememorar a tragédia do 31 de março de 64. Quer dizer, com isso, explicar à população as diferenças, explicar o funcionamento da democracia, mobilizar as pessoas.
Nós estamos despolitizando a política, transformando numa questão de votos no Congresso, quem tem voto, quem nem tem voto, e com isso perdendo o caráter pedagógico da ação política. O que é muito grave, porque a extrema direita está se utilizando de tudo para colar nas mentes do cidadão brasileiro.
Eu juntaria um outro ponto aí também fundamental: o fato de que o governo defendeu uma reforma do ensino médio que diminui brutalmente as aulas de história e elimina sociologia e filosofia. Como é que a gente vai formar uma cidadania se um governo que diz que o seu patrono é Paulo Freire tira aulas de história, de filosofia e de sociologia da garotada?
Durante o governo Bolsonaro, a gente assistiu às celebrações de grupos conservadores, entre civis e militares, que comemoraram o golpe de Estado de 1964 e a instituição da ditadura cívico-militar no Brasil. Ele mesmo defendeu e defende a ditadura e os seus torturadores, como Carlos Alberto Brilhante Ustra, por exemplo, e o Estado brasileiro gasta mais de R$ 1,8 milhão por ano com o pagamento de aposentadorias e pensões aos militares ou seus dependentes. Qual é a relação entre a anistia, a falta de uma justiça de transição e as suas consequências com as intenções golpistas que a gente vê hoje? Onde tudo isso vai parar?
Desde o início do governo [Lula] que o general Gonçalves Dias [ex-ministro do GSI] chegou com um documento que ele dizia que tinha cláusulas pétreas colocadas pelos militares para o governo cumprir. Isso é um absurdo. Já começava emparedando o governo e isso foi aceito, e gerou o que gerou. Mas é fundamental que a gente lembre também que em 2010 o Supremo Tribunal Federal recepcionou o ato da anistia de 1979 e que agora voltou-se para ele.
Essa postura de esquecimento, de apagamento da história, é a principal causa do retorno dessas tentativas golpistas. Quando eu faço apagamento, eu não preciso nem julgar essas pessoas. As Forças Armadas brasileiras nunca pediram desculpas pelo sequestro, pela tortura, pelo ocultamento de cadáver, pelas mortes que eles causaram tão recentemente. Se manteve o culto da morte dentro das instituições militares. Começando por essa caveira com um punhal na cabeça, que é um símbolo fascista italiano, que a Brigada de Forças Especiais tem e o Bope da PM do Rio de Janeiro também tem.
Quer dizer, é um processo que a gente devia começar a expurgar toda a simbologia, toda a fraseologia fascista que essas forças incorporaram, e temos que ter também clareza da distinção, o que é a polícia que cuida da segurança cidadã e o que é defesa, que cuida da soberania nacional na fronteira. No momento que a gente coloca o Exército e chama GLO [Garantia da Lei e da Ordem, medida que permite ao presidente utilizar as Forças Armadas na segurança pública] para fazer tudo no país, a gente abdica de uma posição republicana e dá força à ideia de que só os militares podem controlar e colocar ordem na República.