Durante a campanha presidencial, Donald Trump prometeu lançar “o maior programa de deportação de criminosos da história dos Estados Unidos”, utilizando as forças armadas e uma lei de 1798 conhecida como Alien Enemies Act (Lei dos Inimigos Estrangeiros, em português) — um estatuto que concede ao presidente o poder de deter imigrantes em tempos de guerra.
Trump não detalhou o plano, mas advogados especializados em imigração, defensores dos direitos dos imigrantes e professores de criminologia afirmam que o novo governo não precisaria realizar grandes operações em locais de trabalho ou capturar imigrantes nas ruas. Em vez disso, poderia começar imediatamente centralizar seus esforços nos cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados nos EUA — incluindo 1,6 milhão no Texas — com o aparato atual de deportação já utilizado por polícias locais, cadeias e agentes federais.
Todos os imigrantes — mesmo aqueles com status legal — podem ser deportados se forem acusados de crimes graves, como assassinato, violência doméstica, embriagues ao volante, violência sexual ou homicídio. O Congresso está atualmente avaliando um projeto de lei que permitiria que as autoridades deportassem imigrantes por crimes menos graves, como furtos em lojas.
Na última década, pelo menos de 70% das prisões realizadas pelo Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas dos EUA (ICE, na sigla em inglês) — a agência federal responsável pela deportação de imigrantes — foram feitas a partir de ação de policiais locais ou prisões federais, segundo análise do Immigrant Legal Resource Center, organização sem fins lucrativos que oferece treinamento jurídico para pessoas que trabalham com imigrantes.
“São, portanto, os estados e seus sistemas internos de aplicação da lei e justiça criminal que alimentam o sistema de detenção em massa e deportação em massa”, afirmou o grupo, na análise.
Como funcionam as deportações nos EUA
Desde a década de 1980, o Congresso dos EUA começou a concentrar esforços na deportação de imigrantes acusados de crimes, aprovando uma série de leis que ampliaram a autoridade do governo para deter imigrantes, como parte da “guerra às drogas”, estabelecida durante os dois mandatos de Ronald Reagan (1981-1989), como explica o artigo “A Detenção de Imigrantes como Punição”, de César Cuauhtémoc García Hernández, advogado de imigração e professor de Direito na Universidade do Estado de Ohio.
Na época, o Congresso criou uma etapa crucial para a fiscalização de imigração, conhecida como detainer (“detentor”). No procedimento, agentes federais verificam o status migratório de uma pessoa detida em uma prisão local ou federal e decidem assumir sua custódia para deportação. Inicialmente, os agentes federais emitiam detainers para imigrantes acusados de crimes relacionados a drogas, mas, desde os anos 1980, foram ampliados os tipos de crimes que podem resultar em um detainer.
Em 1986, Reagan também sancionou a Lei de Reforma e Controle da Imigração, que concedeu anistia a cerca de 1 milhão de imigrantes indocumentados, mas também tornou ilegal que empregadores contratassem imigrantes sem permissão legal para trabalhar nos EUA. A legislação permite que agentes federais realizem operações em locais de trabalho e solicitem aos funcionários que comprovem seu status migratório.
Durante o governo de Bill Clinton (1993-2001), o Congresso ampliou a lista de crimes que poderiam levar à deportação, tanto para imigrantes indocumentados quanto para imigrantes legais. Essa legislação criou o programa 287(g), que permite ao ICE designar policiais locais para interrogar presos em cadeias sobre seu status migratório e treinar alguns destes agentes para executar mandados relacionados à imigração.
Em dezembro de 2024, o ICE tinha acordos do programa 287(g) com 135 departamentos de polícia, escritórios de xerifes e cadeias em 21 estados, incluindo 26 no Texas, segundo o site do ICE.
No governo de George W. Bush (2001-2009), o ICE iniciou um programa conhecido como Comunidades Seguras, começando pelo estado do Texas. O programa de compartilhamento de dados permitia que a polícia local enviasse as impressões digitais de qualquer pessoa presa ao Departamento de Segurança Interna dos EUA para verificar seu status migratório. O ICE então decidia se emitiria um detainer caso os agentes acreditassem que o detido era passível de deportação.
A presidência de Barack Obama (2009-2017) expandiu o programa para todos os 50 estados, de acordo com o site do ICE. Obama ganhou o apelido de “deportador-chefe”, por ter deportado o maior número de imigrantes indocumentados na história dos EUA. Cerca de 34% das mais de 9 milhões de deportações registradas entre 1892 e 2022 ocorreram durante a administração Obama, segundo o Departamento de Segurança Interna dos EUA.
“Desde o início dos anos 1990, houve uma série de mudanças que se tornaram mais punitivas e restritivas para os imigrantes, o que levou ao aumento das deportações”, disse Charis E. Kubrin, professora de criminologia na Universidade da Califórnia—Irvine.
Texas pode ser modelo para deportações em massa
O Texas pode servir como modelo de como os estados podem ajudar Trump nas ações de deportação, ao apresentar maneiras de prender mais imigrantes, diz Setareh Ghandehari, diretora de advocacy da Detention Watch Network.
Nos últimos quatro anos, o estado destinou mais de US$ 3 bilhões para a fiscalização de imigração, enviando policiais estaduais e a Guarda Nacional para diferentes partes da fronteira com o México para prender, deter e processar pessoas que cruzam o Rio Grande. Muitas delas afirmavam afirmam estar buscando asilo político nos EUA.
O estado também processou milhares de migrantes por delitos menores, como invasão de propriedade, entregando-os posteriormente ao governo federal para deportação.
Em 2017, legisladores do Texas aprovaram uma lei para punir entidades públicas do estado, assim como universidades que se recusassem a cooperar com autoridades federais de imigração ou a aplicar as leis de imigração. Em 2023, eles aprovaram o Projeto de Lei do Senado 4, que também tornaria a entrada ilegal no país um crime estadual. Mas esta lei foi suspensa depois que o Departamento de Justiça dos EUA entrou com uma ação para anulá-la.
“A forma como o Texas têm utilizado o sistema de justiça criminal como arma para atingir imigrantes pode se tornar um modelo para o país”, disse Ghandehari.
Quais podem ser os primeiros alvos?
Advogados de imigração afirmam que entre as pessoas mais vulneráveis à deportação estão aquelas que já possuem uma ordem de saída do país e aquelas com processos de imigração pendentes.
De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, juízes de imigração ordenaram a deportação de 2,3 milhões de pessoas entre 2015 e 2024. Cerca de 35% desses casos envolveram pessoas que não compareceram ao tribunal quando o juiz emitiu a ordem, tornando-as prováveis alvos das ações de Trump.
Cerca 3,5 milhões de casos de imigração estavam pendentes no final de 2024.
Alguns imigrantes estão buscando asilo; outros tentam permanecer no país com base em outros motivos, como ter familiares que são cidadãos dos EUA e que dependem economicamente deles. A maioria não conta com um advogado para lidar com o complexo sistema federal de imigração.
Atualmente, quase 3 milhões de pessoas têm permissão legal para trabalhar e viver nos EUA sob diversos programas federais que não oferecem um caminho para status legal permanente ou cidadania. Esses programas podem ser renovados ou encerrados a critério de cada presidente.
Por exemplo, atualmente, mais de 1,1 milhão de imigrantes de 17 países estão inscritos no Status de Proteção Temporária, programa criado pelo Congresso em 1990 que permite que vivam e trabalhem nos EUA imigrantes de países afetados por desastres naturais ou considerados perigosos pelo governo de suas respectivas nações. Este programa tem sido renovado por todos os presidentes e protege pessoas de países como Haiti, Ucrânia, Honduras, Nepal, Síria e Venezuela — sendo este último o maior grupo de beneficiários, com quase 600 mil inscritos.
Defensores dos direitos dos imigrantes temem que Trump cancele o programa, tornando os inscritos alvos fáceis para deportação, já que o governo federal já possui suas informações pessoais.
Nem todo imigrante pode ser deportado
Mesmo que esteja no país irregularmente ou perca a proteção legal, nem todo imigrante é passível de deportação. O país de origem do imigrante precisa ter relações diplomáticas com os EUA e estar disposto a aceitar deportados. Atualmente, a Venezuela não mantém relações diplomáticas com os EUA.
Ainda assim, Tom Homan, assessor de imigração de Trump, conhecido como “czar da fronteira”, afirmou que a nova administração pretende superar esse desafio.
“Esperamos que o presidente Trump trabalhe com a Venezuela, assim como fez com o México e El Salvador, e convença estes países a aceitarem os deportados”, disse Homan em um programa de TV no início de janeiro. “Se eles não aceitarem, eles ainda serão deportados, só que para outro país.”
A Lei Laken Riley
O Congresso está atualmente debatendo a Lei Laken Riley, que exigiria que o Serviço de Imigração detivesse imigrantes indocumentados acusados de crimes menos graves, como invasão de propriedade, roubo, furto ou pequenos furtos, ampliando significativamente o fluxo de deportações.
O projeto de lei recebeu o nome de uma estudante de enfermagem de 22 anos, moradora do estado da Geórgia. Laken Riley foi morta em fevereiro de 2024 por José Antonio Ibarra, um venezuelano de 26 anos que cruzou ilegalmente a fronteira EUA-México pela cidade texana de El Paso, em 2022. Meses antes do assassinato, Ibarra havia sido preso por uma acusação de furto em um supermercado Walmart na Geórgia, mas foi liberado posteriormente.
O caso recebeu ampla atenção pública, e muitos legisladores conservadores apontaram o episódio como exemplo da necessidade de adoção de leis de imigração ainda mais rigorosas.
Ainda não está claro quantas pessoas poderiam ser deportadas caso o projeto seja aprovado pelo Congresso e sancionado por Trump.
No entanto, o caso é mais um exemplo de como o Congresso está ampliando o sistema de justiça criminal para aplicar leis de imigração, segundo Rocio Paez Ritter, professora de Sociologia e Criminologia na Universidade do Arkansas. Ela destacou que muitos estudos mostram que imigrantes cometem crimes em uma taxa menor do que cidadãos nascidos nos EUA.
“Mas, infelizmente, o público acredita no contrário”, afirmou.