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Em carta, embaixador e grupos congoleses cobram ação de Lula sobre guerra civil no Congo

30 de abril de 2025
18:27

Há três décadas, a República Democrática do Congo enfrenta um conflito armado contínuo, que vitimou mais de 6 milhões de pessoas até 2010, segundo o relatório Mapping Report, da ONU. Com a situação em agravamento, o embaixador congolês no Brasil, Mibanga Ngala-Mulume Wa Badidike Benoit-Labre, defendeu publicamente que o presidente Lula adote um posicionamento oficial sobre a situação no país.

“O Brasil é o maior país da América Latina. É um país onde o presidente é muito caloroso com a África. Os africanos apoiam e querem trabalhar com o Brasil, por isso muitos africanos apoiam o presidente. E o que ele fala pode ter impacto nesses africanos e territórios que escutam ele”, afirmou Benoit-Labre à Agência Pública, em evento realizado nesta semana no Hub Peregum, em Brasília.

A guerra, concentrada sobretudo no leste do país, nas províncias de Kivu do Norte e do Sul, envolve múltiplos atores regionais e interesses globais relacionados à exploração mineral, segundo o embaixador. No centro da crise, que se intensificou na região desde 2004, governos vizinhos, como o de Ruanda, são acusados de financiar milícias para a busca de minerais ricos na região, a exemplo de cobalto, coltan e o tântalo. O aumento da violência gerou crises humanitárias significativas com êxodo populacional e intensificação do conflito armado.

Uma carta assinada por sete movimentos negros dos dois países endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Macaé Evaristo (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial) denuncia o que classificam como “genocídio econômico”. O documento pede sanções a empresas que atuam ilegalmente na região, além de ajuda humanitária para o país, com alimentos e medicamentos.

“Importante recordar que o Brasil tem laços históricos com o povo congolês. É daquela região que veio para cá parte dos africanos escravizados cujos descendentes são hoje cidadãos brasileiros”, diz a carta, que será encaminhada ao presidente e aos ministros.

Ativistas criticam o silenciamento da imprensa e da diplomacia brasileira quanto aos ataques no país congolês, especialmente quando comparada a atenção dada a outros conflitos, como o de Gaza,, o que segundo eles, contribui para a negação de vistos humanitários a refugiados congoleses.

“Tem tudo a ver com a questão racial também. O fato desse conflito acontecer no continente africano, com os povos pretos, isso faz que também não haja muito interesse das mídias em si. A analogia com Gaza, sabendo que também a gente está apoiando, a gente está em solidariedade, com tudo que está acontecendo lá, a gente quer que tudo isso acabe. Mas a gente também quer uma visibilidade em relação ao conflito”, afirmou o coordenador da plataforma A Voz do Congo, Prosper Dinganga, à Pública. 

Prosper Dinganga, é coordenador do coletivo A Voz do Congo.

“Ruanda é um bode expiatório”

Para o ativista angolano Dito Dalí, Ruanda, embora fortemente envolvido nos combates, é apenas a face visível de um sistema mais amplo de exploração. “Ruanda é um bode expiatório. Ruanda tem sido usado pelas potências mundiais para então saquear o Congo e outros países africanos. A história nos diz que eles sempre usaram os negros para eliminar lideranças africanas, para poder então criar instabilidade no continente africano e melhor saquear os recursos naturais”, afirmou.

Em dezembro de 2024, o Congo acusou a Apple de se beneficiar da extração ilegal de minerais em áreas controladas por grupos armados no leste do país. Segundo o governo congolês, a empresa ignorou alertas enviados em 2023 e continua se beneficiando de insumos ligados ao conflito. A empresa nega as acusações e afirma auditar sua cadeia de fornecimento.

Hitler Samussuku, nascido na fronteira entre a República Democrática do Congo e Angola, é doutorando em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB).

Hitler Samussuku, nascido na fronteira entre a República Democrática do Congo e Angola, é doutorando em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB).

O doutorando em ciência política Hitler Samussuku destaca que, embora o Congo seja uma das nações mais ricas do mundo em recursos naturais, o governo central não consegue exercer controle efetivo sobre províncias mineradoras distantes, como Goma, localizada a mais de 1.500 km da capital, Kinshasa.

“Da mesma forma que o Congo é rico em termos de recursos naturais, também chega a ser amaldiçoado por causa desses recursos […] Tudo isso acontece com a conivência da comunidade internacional. A Apple tem empresas no Ruanda. A Samsung tem empresas no Ruanda. [Os rebeldes] Tiram recursos no Congo e vossas empresas ficam no Ruanda, por quê?”, questiona Samussuku.

Edição:
Ana Flávia Barbosa
Ana Flávia Barbosa

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