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Assim falam os lobistas das Big Techs

Como as Big Techs capturaram a política e os políticos no Brasil e no mundo

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9 de setembro de 2025
17:00

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Hoje lançamos uma investigação especial realizada por 17 organizações de jornalismo de todo o mundo – de El Salvador à Indonésia – para jogar luz a uma das forças mais poderosas que estão moldando o mundo em que vamos viver amanhã: o lobby das Big Techs

No projeto A Mão Invisível das Big Techs, é a primeira vez que a Agência Pública lidera uma investigação transnacional, um trabalho enorme que nos tomou nos últimos nove meses, mas que pode ser lido com calma e sem pressa aqui na página do especial. Contamos em detalhes como as Big Techs assassinaram o PL das Fake News (PL 2630), a legislação mais robusta proposta no Brasil para responsabilizá-las e exigir transparência, como e por que o Google contratou o ex-presidente Michel Temer e como elas operam na América Latina, através de associações setoriais. 

Para entender como funciona o lobby das techs, conversamos, eu e a repórter Laura Scofield, com lobistas que trabalham para elas e também contra elas. Assim, passei os últimos seis meses encontrando esses executivos e essas executivas em diferentes cidades do Brasil, em especial São Paulo e Brasília. Conversei com lobistas em rooftops na Faria Lima, em escritórios com esquemas ridículos de segurança que nem as recepcionistas entendem, nas salas de suas casas, em restaurantes discretos onde não poderíamos ser observados, em reuniões online. Desligávamos os celulares e deixávamos os aparelhos longe do alcance – o medo que as gigantes tecnológicas possam nos espionar também chega aos funcionários.  

Engana-se quem acha que o trabalho de um lobista é “melhorar” a legislação. Como bem colocou um deles, “o trabalho de lobby é barrar um projeto de lei. Para isso existe o lobby”. Isso porque, segundo me contou outro, qualquer legislação aumenta o custo da operação – é preciso contratar mais gente para moderar conteúdo, por exemplo, ou para receber os contatos de todas as pessoas que se sentem agredidas nas redes sociais. 

“Nenhuma empresa privada quer que o Estado lhe imponha ônus, custos. É da natureza do capitalismo isso”, completou.   

No Brasil, o lobby não é regulado e não existe escola de lobistas (nem dados confiáveis sobre com quem eles se encontram e a quem influenciam). Esses profissionais acabam sendo executivos com garra, muitos com convicções pessoais fortes de tons liberais, empenhados em conseguir o melhor negócio para a empresa em que trabalham e crescer ali dentro. “Ninguém está pensando na sociedade. Só em dinheiro e no bônus do fim do ano”, me confidenciou uma dessas pessoas.  

Para quem faz parte desse círculo, que é maior do que parece – são 75 profissionais de “relações governamentais” ou “políticas públicas” só no Brasil, segundo levantamento do Núcleo. Clamar vitória pela morte do PL das Fake News tornou-se normal. Executivos se gabam de terem “enterrado” o PL em jantares privados, e brincam sobre os bônus menores ou maiores que teriam recebido no fim daquele fatídico ano de 2023.  

A história das tentativas de “civilizar” as Big Techs, com propostas de regulações sendo apresentadas concomitantemente em diversos países, é também a história dessas pessoas. Conversar com elas, entender como pensam e o que as motivam, descobrir como elas viram o processo histórico que foi o “assassinato” do PL das Fake News é um privilégio que poucos além de jornalistas sérios podem alcançar.     

Uma reclamação frequente dos “rel gov” brasileiros: todas as decisões importantes são tomadas pelos “andares lá de cima”, os executivos americanos que moram no Vale do Silício, e que muitas vezes não entendem o Brasil. Um ex-executivo do Google me explicou de maneira simples: em um determinado momento, para coisas muito relevantes para a empresa, “você precisa de um americano” agindo como lobista. Foi o que o Google fez, aliás, trazendo seus “big shots” ao Brasil durante os momentos mais cruciais tanto da votação no PL das Fake News, quanto da votação da constitucionalidade do Artigo 19 pelo Supremo. Muitos dos executivos aqui no Brasil não sabiam, por exemplo, que a empresa iria usar a homepage para detonar o PL 2630. Assim como “rel govs” da Meta não haviam sido informados do vídeo de Mark Zuckerberg declarando apoio ao governo Trump no começo deste ano.     

Quando investigamos a construção do poder das techs, que acabaram se tornando as empresas mais lucrativas e menos reguladas da história, pesa, entretanto, outro fator. Na última década, elas se tornaram não apenas essenciais em todas as relações sociais – elas se tornaram essenciais para aqueles que fazem a política: os deputados, senadores e candidatos de todo tipo.       

Dentro da Meta, a aproximação com políticos foi uma tática elaborada a partir de 2014 pelo atual chefe de políticas globais, Joel Kaplan, um republicano roxo com cara de boneco da Mattel. Ao assumir o posto de vice-presidente de políticas globais, ele decidiu que anúncios políticos deveriam ser incentivados, segundo afirma a ex-executiva de políticas públicas Sarah Wynn Williams no livro Careless People. “Se os políticos dependem do Facebook para ganhar eleições, é menos provável que eles façam qualquer coisa que prejudique o Facebook. Se o Facebook é a galinha dos ovos de ouro, ninguém quer matar a galinha. Vamos deixá-los viciados naqueles ovos de ouro”, teria dito Joel, segundo descreve a autora. 

A conta era simples: para Joel, valia mais se aproximar do mundo político para obter contratos para grandes campanhas de anúncios políticos enquanto, ao mesmo tempo, iam tecendo relações com quadros promissores que um dia dariam as cartas aos EUA. Como aconteceu. Ao mesmo tempo, Mark Zuckerberg deu a sua guinada à direita também dentro da sua equipe de lobistas, que foi ficando cada vez mais próxima de figuras do campo trumpista, nos EUA. Em 2025, depois da eleição de Trump, o republicano Joel tornou-se chefe de toda a estratégia de incidência sobre política no mundo todo, Chief Global Affairs Officer da Meta.

No resto do mundo, a Meta opera com menos ideologia e mais pragmatismo, embora seja um pragmatismo cheio de ignorância sobre como funciona, de fato, o mundo. Um exemplo, também trazido pela Sarah Wynn Williams, relata como o mesmo Joel afirmou, durante uma reunião em 2015, que o Facebook deveria fazer “contribuições [de campanha] para políticos de outros países”. 

“Nós precisamos começar a nos mexer e enviar dinheiro para nossos aliados-chave no exterior, sabe, para os políticos mais influentes em outros países”, afirmou, segundo o livro. Sarah conta que, ao ouvir isso, teve que explicar para Joel que isso seria considerado corrupção – e proibido na maioria dos países.       

Aqui no Brasil, a equipe da Meta é de longe a mais numerosa – e a que parece ser mais chegada ao bolsonarismo, por afinidade ideológica. Para se aproximarem dos políticos, realizam eventos em cidadezinhas do interior, em parceria com políticos locais, treinamentos em convenções de partidos, dão atendimento “VIP” para deputados que perderam suas contas ou as suas senhas. Podem levar políticos para almoçar, desde que não gastem mais de 150 dólares por cada um, segundo a regra de compliance da empresa – uma dinheirama que aqui no Brasil compra os melhores pratos e melhores vinhos, presentes e lembrancinhas. 

Mas o crucial está na ferramenta que oferecem. Para a nova geração de políticos eleitos através das redes – aqui no Brasil, ligados à extrema direita – ser aliado das plataformas faz todo sentido. Um dos executivos de policy me disse assim: “Antes das redes sociais, quem era eleito? Eram famílias tradicionais da política, gente ligada às TVs. Agora, se acabar com a política na rede, vai voltar a ser só os Caiado, os Marinho”. Ele acrescentou que também partidos de esquerda tradicional como o PT têm vantagem fora das redes: eles possuem base, têm relações com movimentos sociais, conseguem votos apesar das redes. É isso o que eles querem dizer quando gritam que qualquer regulação das Big Techs é “censura”, me explicou: a censura se aplica, na verdade, a eles mesmos, que têm um sentimento de “gratidão” para com essas empresas. 

Mas existe ainda outra consequência desta aliança, que talvez fosse inesperada lá no início da construção das equipes de políticas públicas, mas que se vê claramente hoje em dia no Congresso e na política brasileira. Quem melhor definiu isso para mim foi outro lobista, um dos que se autodenominou “o maior inimigo das Big Techs no Brasil” (ouvi isso de alguns deles).    

“Quando se vai debater a regulação, eles fazem um artifício algoritmo, eles criam uma realidade paralela, eles trazem para o Congresso Nacional a mesma realidade das redes. Transformaram o parlamento num feed de exibição do que eles querem; então eles algoritmizam o Congresso Nacional, de certa forma”. 

Parlamentares, hoje, usam o Congresso para gravar vídeos viralizáveis, para lançar nas redes, e é isso o que esperam deles seus seguidores/fãs, na circularidade típica das redes. Assim, o debate fica necessariamente impedido: não é lucrativo para eles – não traz votos – fazer política de fato. Para esse lobista, esse tipo de deputado “entregou o mandato dele para as Big Techs. Ele passou a ser algoritmizado por elas, então ele acha que ele está liderando, mas na verdade ele está sendo liderado”. 

Talvez ele não tenha percebido isso, mas ele na verdade não passa de um fantoche”, conclui. 

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