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Secretário de Segurança vê risco à soberania em ação de Castro e minimiza carta dos EUA

Mario Sarrubbo, secretário Nacional de Segurança Pública, diz que pedido de governador do Rio abre precedentes perigosos

Reportagem
6 de novembro de 2025
08:00

O secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, minimizou a importância da correspondência enviada pelo governo dos Estados Unidos ao secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, em entrevista à Agência Pública nesta quarta-feira (5). Para ele, a carta é reflexo da política de cooperação internacional que o Brasil já exerce.

“O Brasil trabalha de forma integrada com os nossos vizinhos da América Latina e tem trabalhado e cooperado com os Estados Unidos e outros países da América do Norte […], Portanto, é algo que reforça a nossa tradição de cooperação, sempre reiterando a importância de trabalharmos desta forma […] dentro do conceito de que as facções são transnacionais. O Brasil tem tradição de cooperação internacional e vamos continuar desta forma”, diz.

Por que isso importa?

  • Um Projeto de Lei apresentado pela oposição na Câmara dos Deputados visa equiparar facções criminosas como o CV a grupos terroristas.
  • Quando o governo norte-americano considera uma facção criminosa como terrorista abre-se a possibilidade de ações dos EUA em território estrangeiro.

Após o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), enviar um dossiê ao presidente dos Estados Unidos Donald Trump, pedindo que o Comando Vermelho seja classificado como grupo terrorista, a Casa Branca enviou condolências ao governo do Rio de Janeiro, nesta terça-feira, 4 de novembro, e disse estar “à disposição para qualquer apoio que seja necessário”.

Na carta, somente a morte dos quatro policiais são lamentadas. A Operação Contenção, tida como a mais letal da história do Brasil, contou com um total de 121 óbitos.

Já quanto ao pedido do governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), para que os Estados Unidos classifiquem o Comando Vermelho (CV) como uma organização terrorista, Mario Sarrubbo é mais contundente e aponta que isso abre “precedentes perigosos”.

O secretário afirma que o pedido dá “margem para que aconteça, o tem acontecido em outros países da América Latina”, em alusão aos ataques a embarcações venezuelanas no Mar do Caribe, realizados pela Casa Branca, em uma suposta ação de controle do narcotráfico e ao ‘Tren de Aragua’, facção criminosa da Venezuela classificada como terrorista pelos EUA.

Além disso, Sarrubbo avalia que a ação de Castro, caso seja acatada, pode ser uma ameaça “à soberania nacional” e que também “não agrega na qualificação do combate às organizações criminosas”.

“É importante destacar que nós não identificamos nenhum tipo de benefício em classificar essas facções em organizações terroristas. […] Muito se vende a hipótese de que, uma vez declaradas terroristas, isso facilitaria a cooperação internacional. Quem fala dessa forma desconhece o histórico de cooperação internacional do Brasil” defende Sarrubbo.

Carta é sinalização política

Na interpretação do professor Thiago Rodrigues, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), a carta enviada ao governo fluminense é uma sinalização do governo de Donald Trump à ultradireita brasileira. Ele, porém, não vê um risco prático de imediato. “No momento, não acho que isso implique em maiores consequências” diz.

Rodrigues chama a atenção, entretanto, que um dos intuitos do governo Trump é mostrar que, embora as tratativas de negociação do tarifaço tenham sido positivas, a Casa Branca ainda se opõe à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando o assunto é o combate ao tráfico de drogas.

Ainda na avaliação do docente, a carta é “abusiva” e “vai muito além dos princípios de não intervenção em assuntos domésticos de outros países”, além de parecer uma “ação política para capitalizar o discurso da ultradireita”.

“Comando Vermelho não é terrorista”, diz Sarrubbo

Com 54 anos de existência, o Comando Vermelho é a maior facção criminosa do Rio de Janeiro e, assim como o rival Primeiro Comando da Capital (PCC), nasceu dentro dos presídios fluminenses, como forma de responder aos maus tratos sofridos no sistema penitenciário. Com o passar do tempo, a facção se expandiu e dominou comunidades do Rio de Janeiro, tendo como fonte de lucro o tráfico de drogas.

O Comando Vermelho não é uma organização terrorista, é uma facção criminosa que atua no Rio de Janeiro e em outros pontos do território nacional. […] As facções que atuam no Brasil, elas têm um outro propósito, que é o lucro financeiro. São, na verdade, verdadeiras empresas que procuram obter lucro, dominar territórios, explorar territórios”, argumenta o secretário.

Rodrigues corrobora com o secretário e defende a tese de que não existe narcoterrorismo no Brasil. Afinal, “o Comando Vermelho sequer é classificado como um grupo do crime organizado transnacional pelo Departamento de Tesouro dos Estados Unidos”, diz.

Terrorismo, pela lei brasileira, é uma atividade organizada, ligada para projetos políticos, por questões religiosas, por questões de raça, de etnia. Tem uma definição posta em legislação, enquanto que as facções que atuam no Brasil, elas têm um outro propósito, que é o lucro financeiro”, explica o secretário.

Rodrigues complementa dizendo que “grupos do crime organizado, como o PCC, o Comando Vermelho e outros do Brasil, não são grupos terroristas. Eles não utilizam de táticas como explosões, atentados, enfim, fora dos seus territórios, contra o Estado, ou para pressionar o Estado a tomar determinadas decisões”.

Uma pesquisa feita pela Genial Quaest – no bojo da operação Contenção – apontou que 72% dos moradores do estado do Rio de Janeiro defendem que as organizações criminosas, como o CV, por exemplo, sejam enquadradas na lei antiterrorista.

“O resultado dessa pesquisa indica a saturação que a população sob controle de grupos criminosos vive. A saturação de décadas de poder discricionário, autoritário e de um enfrentamento que não acaba entre os grupos ilegais e deles com a polícia”, conclui Rodrigues.

Repercussão no Congresso Nacional

Na Câmara dos deputados, duas propostas sobre o tema disputam protagonismo. A primeira é o Projeto de Lei (PL) Antifacção, assinado pelo presidente Lula e enviado ao Congresso Nacional no último dia 31, três dias após a Operação Contenção, em resposta ao massacre ocorrido no Rio de Janeiro.

O PL é uma atualização da lei número 12.850/2013, que define o que são as organizações criminosas e suas punições e cria a modalidade organização criminosa qualificada. A tramitação do Projeto de Lei, entretanto, só deve ser retomado após a COP30, uma vez que o presidente Lula já está no Pará. “Não vejo clima para você votar um projeto desse à distância”, disse o líder do PT na Câmara, Lindberg Farias, à CNN.

Do lado da oposição, a aposta é o PL Antiterrorismo, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE) que visa enquadrar as facções criminosas brasileiras como organizações terroristas. Entre as propostas da oposição está unificar os dois projetos de lei e incluir no PL Antifacção a equiparação das facções criminosas aos grupos terroristas.

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