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Rio Bonito do Iguaçu: risco de tornado era conhecido, mas Defesa Civil não informou

Prefeitura e moradores de cidade do Paraná atingida por tornado poderiam ter sido avisados horas antes sobre risco

Reportagem
13 de novembro de 2025
14:00
Roberto Dziura Jr./AEN

O tornado que atingiu Rio Bonito do Iguaçu (PR) na última sexta-feira, 7 de novembro, durou apenas alguns minutos, mas foi o suficiente para matar ao menos seis pessoas, ferir centenas e destruir 90% da cidade. O prejuízo foi estimado em mais de R$ 114 milhões pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). Muitas dessas perdas poderiam ter sido evitadas se a gestão do município e a população tivessem conhecimento do que poderia acontecer naquele dia.

Serviços de meteorologia já citavam o risco de tornado na manhã da sexta-feira. O grupo de meteorologistas independente Prevots publicou boletim colocando a região onde fica Rio Bonito do Iguaçu em nível 4 de severidade, o mais alto da escala utilizada. O texto alertava para “um risco elevado de tornados”. Já o MetSul alertou, no mesmo dia, para risco de tempestades severas na região Sul, inclusive “com danos semelhantes aos de um tornado”.

Segundo a administração pública do município, não houve aviso do risco, tampouco orientações de como reagir em uma situação como aquela. “Tinha a previsão de dois dias antes, avisando que na sexta-feira viria um temporal para essa região. Mas era, a princípio, um temporal, nunca ninguém falou sobre tornado. A gente foi avisado com relação à tempestade, chuvas, mas não dessa grandiosidade”, diz o porta-voz da prefeitura, Alex Garcia, à Agência Pública.

A Defesa Civil do Paraná confirma a informação. Segundo o responsável pela comunicação do órgão, capitão Marcos Vidal, foram emitidos alertas sobre a possibilidade de “tempestades mais intensas” na região a partir de terça-feira. Com a proximidade do evento, ele diz, a informação foi replicada para as regionais da Defesa Civil, que repassam para os municípios da região. O evento, no entanto, “foi além dos níveis que poderiam ser esperados”, pondera.

Com 14 mil habitantes, a maior parte morador da zona rural, Rio Bonito do Iguaçu não tem Defesa Civil operante para reagir às informações emitidas pela central. O servidor que consta como coordenador da Defesa Civil no plano de contingência municipal, Eder Marcelo Mohr, é assistente administrativo concursado e ocupou cargos como de assessor de comunicação. À Pública, Alex Garcia afirmou desconhecer a existência de um plano de contingência no município, que “nunca tinha passado por uma situação igual a essa”. A cidade fica a cerca de 400 km da capital Curitiba e a 120 km de Cascavel, principal município do sudoeste do estado.

“O tornado em Rio Bonito expõe um vazio de governança preventiva”, afirma Murilo Noli da Fonseca, doutor em Gestão Urbana pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

“A falha não foi na previsão em si, mas na forma como o alerta circulou socialmente. Nós temos hoje instrumentos meteorológicos muito sofisticados, radares, modelos numéricos, sistemas de alerta, mas o que falta basicamente é conseguir transformar esses sinais técnicos em ação social preventiva”, aponta Fonseca, que tem entre seus objetos de pesquisa a “comunicação e percepção de risco” e “redução de vulnerabilidades urbanas frente às mudanças climáticas”.

Por que isso importa?

  • Especialista alerta sobre a falta de planos de prevenção e controle de danos nas gestões estaduais.
  • Prejuízos na região Sul foram estimados em R$ 335,4 milhões com a passagem do ciclone extratropical.

A falta de planejamento acarretou um prejuízo maior do que todas as despesas previstas no orçamento do município para 2025, cerca de R$ 102 milhões.

Em resposta ao desastre, o governo do Paraná adotou uma série de medidas, incluindo um montante de R$ 50 milhões advindo do Fundo Estadual de Calamidade Pública (Fecap) para ajuda às vítimas, com valores de até R$ 50 mil por família atingida.

Também prometeu a construção emergencial de 320 casas, ao custo de R$ 60 milhões, destinou R$ 75 mil para reconstrução de escolas afetadas e anunciou a cobrança simbólica de R$ 1 na conta de água nos próximos meses. Já o Governo Federal anunciou até o momento dois pacotes de ajuda para a reconstrução dos municípios, com montantes de R$ 15 milhões e R$ 10 milhões.

“Nós temos um sistema que detecta, mas não protege. Que prevê, mas não previne. Isso nos mantém presos a um modelo reativo, muito centrado na resposta e no socorro, e muito pouco na prevenção e na própria preparação”, avalia Noli da Fonseca.

O pesquisador ainda salienta que “a política de prevenção, de preparação, ainda não é reconhecida como uma política de Estado, e sim como uma despesa contingenciável”.

Desastre foi regional, mas o contexto é global

Ocorrido às vésperas do início oficial da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), em Belém (PA), o tornado ressalta a “urgência” de ações efetivas frente às mudanças climáticas, como lembrou o presidente do evento, embaixador André Corrêa do Lago, em seu primeiro discurso após tomar posse oficialmente.

“Embora os tornados sejam fenômenos locais e complexos, sensíveis a diferentes e múltiplas variáveis, o contexto global do aquecimento cria condições propícias à sua ocorrência”, explica Murilo Noli da Fonseca. Ele ressalta “que o desastre não é apenas o resultado de um evento extremo, mas também de uma vulnerabilidade construída”.

“Se formos pegar o caso específico de Rio Bonito do Iguaçu, o município perdeu cerca de 30 mil hectares de florestas nas últimas décadas, uma redução aproximada de 60% de cobertura da Mata Atlântica, o que gera desequilíbrios microclimáticos e hidrológicos que amplificam o risco”, acrescenta.

Segundo o pesquisador, mesmo em países com capacidade tecnológica melhor que a brasileira, como os Estados Unidos e o Japão, é difícil prever onde e quando exatamente um tornado vai tocar o solo – mas esses países construíram “uma arquitetura institucional de antecipação”.

“Eles têm redes locais de Defesa Civil muito bem treinadas, uma cultura de educação para o risco, protocolos bem ensaiados e sistemas de comunicação que são capazes de garantir que o alerta chegue e seja compreendido em questão de minutos. Se formos pensar, o Brasil é o oposto. Nós temos a ciência, temos a tecnologia, mas ainda não conseguimos construir essa arquitetura institucional de resposta rápida”, explica.

Ciclone extratropical passou pelos três estados da região Sul

De acordo com o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), o estado foi atingido por três tornados na noite daquela sexta-feira, 7 de novembro. O mais intenso, que ocorreu em Rio Bonito do Iguaçu, teve rajadas de vento de até 330 km/h, alcançando a categoria F3 na escala que classifica tornados Fujita, que vai de 0 a 5. Os outros dois tornados, classificados como F2, se formaram no distrito de Entre Rios, em Guarapuava, e no município de Turvo, com ventos entre 200 km/h e 250 km/h.

Segundo nota do órgão, um sistema de baixa pressão no Rio Grande do Sul deu origem a um ciclone extratropical que afetou boa parte da região Sul. Por conta das condições atmosféricas, “com grande aporte de calor e umidade, além da intensificação e mudança na direção dos ventos com a altura”, criou-se “um ambiente favorável à formação de tempestades severas e tornados”. Na região como um todo, a CNM estimou R$ 335,4 milhões em prejuízos, com mais de 4,7 mil casas destruídas ou danificadas.

No Paraná, o ciclone extratropical, as tempestades e os tornados afetaram quase 68 mil pessoas em 86 municípios. No estado, foram registradas sete mortes (seis em Rio Bonito e uma em Guarapuava) e 870 feridos, mais de quatro mil pessoas foram desalojadas e 163 desabrigadas. Ao menos 32 pessoas foram internadas, sendo quatro em UTI. O ciclone também afetou 2,3 mil pessoas em 40 cidades do Rio Grande do Sul. Duas ficaram feridas, cinco desalojadas e uma morreu.

De acordo com o Metsul, o tornado foi um dos mais fortes do mundo em 2025 e o mais mortal no Paraná desde 1959, quando 35 pessoas morreram na cidade paranaense de Palmas.

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