Buscar
Coluna

COP30 será capaz de entregar um mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis?

Apoios bastante efusivos crescem por um lado, mas debate dentro das salas de negociação não tem sido tão fácil

Coluna
18 de novembro de 2025
22:41

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, de Giovana Girardi, que está em Belém cobrindo a COP30. Durante o evento, as edições serão enviadas ao longo da semana, conforme as atualizações da conferência climática — e não mais fixamente às quintas-feiras. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

A Conferência do Clima da ONU em Belém, a COP30, teve nesta terça-feira (18) um daqueles momentos que fazem a gente até pensar: “agora vai”. No caso, vai lidar com a principal causa do aquecimento global, o consumo de combustíveis fósseis. Só para algumas horas depois descobrir que talvez não vai, não. Não agora. Ou talvez não tão facilmente assim.

No começo da tarde, os jornalistas que cobrem a conferência foram convocados para uma entrevista coletiva marcada em cima da hora por um grupo de países que anunciariam apoio à ideia de que a COP30 decida pela elaboração de um roteiro – um “mapa do caminho”, no jargão das negociações climáticas – para a transição para longe dos combustíveis fósseis. 

Ministros e representantes de alto nível de Alemanha, Colômbia, Reino Unido, Quênia, Serra Leoa e Ilhas Marshall, ladeados por representantes de várias outras nações, fizeram declarações contundentes de que somente uma decisão nesse sentido pode colocar o planeta no rumo para conter o aquecimento global. A sala de imprensa lotou de jornalistas, muitos em pé nos corredores laterais, diante da expectativa de um compromisso que possa mudar o jogo na luta contra a crise climática.

Desde que o presidente Lula abriu a cúpula dos líderes de Belém, no já longínquo 6 de novembro, e disse que é preciso um mapa do caminho para “superar a dependência dos combustíveis fósseis”, criou-se uma expectativa de que o apelo ditaria o tom da COP30, que começou quatro dias depois. Ninguém esperava que Lula se manifestasse nesse sentido, considerando as contradições internas no país. Mas ele endossou o posicionamento de sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e repetiu a mensagem mais três vezes. Foi um sinal para os negociadores tratarem do assunto.

Reduzir drasticamente a queima de combustíveis fósseis é considerada pela ciência a ação mais fundamental que a humanidade pode adotar para impedir que a temperatura do planeta suba a níveis que coloquem em risco a vida no planeta. Foi somente há dois anos, porém, que uma menção sobre isso foi feita em uma decisão de COP, em Dubai. E depois disso muitos países não quiseram mais nem saber de falar sobre o assunto. Ou seja: como a transição seria feita, quando e muito menos por quem.

Em Belém, a declaração de Lula pareceu ser capaz de mudar essa história. Ao longo dos dias de conferência, diversos apoios à adoção de um mapa do caminho foram surgindo, principalmente na forma de amparo à figura de Marina Silva, ao mesmo tempo em que aumentou a pressão da sociedade civil. Na marcha que reuniu dezenas de milhares de pessoas nas ruas de Belém no último sábado, o fim dos fósseis foi uma das principais demandas. Para muitos países e comunidades vulneráveis, é uma questão de vida ou morte. 

Só que o tema nunca entrou oficialmente na agenda de negociações da COP30 e, com a proximidade do fim da conferência, cresce a expectativa sobre se isso encontrará algum espaço para aterrissar nas negociações. A coletiva de imprensa convocada nesta tarde, com representantes de países desenvolvidos e em desenvolvimento, sinalizava um belo reforço neste sentido. Organizações da sociedade civil que acompanham o movimento chegaram a falar que mais de 80 países já tinham dado indicativos nesse mesmo sentido.

Carsten Schneider, ministro do Meio Ambiente da Alemanha, clamou por um “mutirão global para nos libertarmos dos combustíveis fósseis” e disse que há apoio da maioria dos colegas europeus. “É isso que precisamos para fechar a lacuna rumo a 1,5 grau”, disse.

“A urgência da crise climática não permite atrasos. A ciência é clara e os impactos são diários e altamente custosos, particularmente para o sul global”, afirmou Irene Vélez Torres, ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia. “Junto com nossos colegas do Brasil, dissemos que esse mapa do caminho é essencial.”

“É importante que – ao fazermos essa transição de forma justa e ordenada – garantamos o acesso à energia. Mais de 600 milhões de pessoas na África não têm acesso à eletricidade; portanto, é importante enfatizarmos a questão do acesso à energia”, ponderou Ali Mohamed, enviado para Mudanças Climáticas do Quênia, ainda assim concordando com um mapa do caminho.

Para Edward Miliband, secretário de Estado para Energia e Mudança do Clima do Reino Unido, trata-se de “um movimento global com países do Norte Global e do Sul Global se unindo”. Segundo ele, todos estão “dizendo com uma só voz: este é um tema que não pode ser varrido para debaixo do tapete”. E complementou: “Priorizamos isso não porque é fácil, mas porque é difícil. É um tema que não deve ser ignorado, não pode ser ignorado, e estamos dizendo muito claramente que deve estar no centro desta COP.”

“O argumento que às vezes se faz é que sair dos combustíveis fósseis é apenas uma questão climática. Bem, também é uma questão econômica. Para países como o nosso, na linha de frente, o custo da adaptação está aumentando muito mais rápido do que conseguimos acompanhar”, afirmou Jiwoh Abdulai, ministro do Meio Ambiente e Mudança do Clima de Serra Leoa. 

“Precisamos tratar isso com urgência, e a transição para longe dos combustíveis fósseis precisa ser justa e equitativa, especialmente para os países da África. Ainda precisamos fazer nossas economias crescerem, tirar nosso povo da pobreza. Estamos vindo para a mesa e queremos fazer parte da solução. A ação climática e o crescimento econômico não são mutuamente excludentes”, disse.

Os apoios públicos tão efusivos, porém, não contam a história toda da COP. Se à imprensa há grupos querendo mostrar apoio à ideia, nas salas de negociação o mapa do caminho é uma linha vermelha – ou seja, algo inaceitável – para muitos países. É o que disse a dupla de brasileiros que está à frente da presidência da COP30, André Corrêa do Lago e Ana Toni.

Mais cedo, nesta terça-feira, eles apresentaram um rascunho de uma possível decisão da COP para os negociadores avaliarem. Entre vários temas em negociação, o rascunho trouxe duas opções para a inclusão do mapa do caminho na decisão. A primeira sugeriu um “workshop” em que os países compartilhariam histórias de transição energética; e a segunda uma mesa redonda ministerial para debater o tema. Opções quase inócuas, eu diria, mas tem muita gente que não parece querer nenhuma delas.

“A grande maioria dos grupos com quem conversamos confirma que isso é uma ‘red line’ para eles. Seja porque parte desses grupos não quer esse tipo de linguagem sobre combustíveis fósseis, seja porque não quer mais nenhuma obrigação adicional de ter que fazer coisas. Muitos países em desenvolvimento chegam a dizer que isso é uma obrigação extra”, afirmou Ana Toni em entrevista coletiva.

Bom… mas como dizem nas Copas, e também nas COPs, o jogo só acaba quando termina. E isso tudo foi só na terça-feira. Nesta quarta, uma nova sugestão de texto deve ser apresentada. E Lula volta para Belém. “É o Pelé. Se deixarem ele jogar, ele vira o jogo”, me disse um observador. E ainda temos quinta, sexta…

Por aqui, já tem quem lembre de Dubai, a COP que trouxe a decisão de que é preciso fazer uma transição para longe dos combustíveis fósseis. Um ou dois dias antes de acabar, um rascunho apresentado nem sequer mencionava os poluentes. Foi um banho de água fria nas expectativas de todo mundo. Até que, por mágicas da diplomacia, arestas foram aparadas e um acordo foi alcançado. Haaaaaja, coração.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Vale a pena ouvir

EP 3 Tituba

No terceiro episódio vamos conhecer uma das principais figuras da caça às bruxas de Salém, a escravizada indígena Tituba

0:00

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes