Neste sábado, a Olimpíada do Rio completa um ano. Um momento para avaliar o legado e identificar o que restou de um evento polêmico. Mas também uma oportunidade para desmascarar algumas lendas que se criaram durante sua preparação.
Um desses mitos era que o caos nas contas do evento era resultado exclusivamente de uma recessão que ninguém poderia prever no Brasil. Numa tentativa de justificar o pedido de emergência que foi feito para que o governo federal e a cidade do Rio socorressem o evento com R$ 200 milhões – já no meio dos Jogos –, os organizadores cariocas insistiram que a Olimpíada teve o “azar” de ocorrer justamente quando o país vivia uma de suas piores crises econômica e política.
Semanas antes, o governo estadual já havia declarado estado de calamidade pública para conseguir a liberação de R$ 2,9 bilhões do governo federal com a justificativa de que a operação dos Jogos poderia ser prejudicada se o dinheiro não chegasse.
Em ambos os casos, o momento econômico foi usado como bode expiatório, permitindo que os organizadores se apresentassem como vítimas de forças externas que não poderiam controlar.
Em parte, eles têm razão. Ninguém ficou imune à crise.
A questão, porém, é que essa explicação foi uma máscara cômoda para um problema muito mais profundo que vinha se acumulando ao longo dos anos.
Documentos confidenciais do Comitê Olímpico Internacional (COI) de 2013 já revelavam que, de fato, a entidade temia que as contas passassem por dificuldades. Naquele momento, o PIB do país crescia a uma taxa de 3% e acumulava quatro anos de uma expansão importante, com ampla geração de empregos. Não havia nem sinal de crise.
Preocupados, a entidade sediada em Lausanne, na Suíça, indicou abertamente que parte dos custos que originalmente estavam com os organizadores olímpicos foi transferida para o poder público e que, entre dois orçamentos realizados, havia já ocorrido uma “mudança de responsabilidades financeiras e obras para os governos”.
Outros detalhes mostram ainda que havia um temor real de um buraco na Rio 2016, como acabou ocorrendo três anos depois. No documento secreto de 2013, o COI sugeria que os organizadores brasileiros estudassem “seu plano de atividades para a geração total de renda (patrocínio, licenciamento e ingressos) diante do orçamento geral dos Jogos Olímpicos para entender o impacto do déficit na entrega dos eventos e de suas operações”.
Na avaliação, o COI ainda deixava claro que existia uma “pressão no fluxo de caixa como resultado do adiamento da assinatura de acordos de patrocínio”.
Em outras palavras: antes mesmo de a crise econômica explodir, os governos já foram chamados a “esclarecer” qual seria sua participação no evento, enquanto o movimento olímpico se dava conta de que a equação visivelmente não fechava.
Insisto. A crise a partir de 2015 aprofundou os desafios do COI e dos organizadores. A Olimpíada de 2016 terminou com um buraco, uma façanha que nem a de Atenas em 2004, com todos seus problemas, conseguiu realizar.
O problema, porém, é permitir que esse déficit seja apresentado apenas como resultado de um cenário “imprevisível” e que fugia ao controle da Rio 2016. Não foi bem assim.
Quando falamos do abandono de uma instalação olímpica e déficit que tenta ser transferido ao poder público, não podemos falar em fatalidade. E, enquanto os responsáveis não derem uma resposta, não podemos deixar que o risco de uma amnésia coletiva abafe o direito à verdade.
Essas e outras histórias sobre os bastidores da Rio 2016 fazem parte do livro Rio 2016: Olympic dreams, hard realities (Brookings Institute Press), que eu e um grupo de jornalistas e acadêmicos vamos publicar nos Estados Unidos em setembro. Ele pode ser adquirido em pré-venda pela Amazon.