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Checagem

Truco, Maria do Rosário!

Segundo a deputada Maria do Rosário (PT-RS), 20% dos arranjos familiares no Brasil seriam desconsiderados pelo Estatuto da Família; questionamos a parlamentar sobre esse número e explicamos as estatísticas

Checagem
30 de outubro de 2015
09:43
Este artigo tem mais de 8 ano
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“[O Estatuto da Família] é discriminatório e joga no limbo 20% das famílias que não são
compostas por essa formação. É uma violência contra crianças e jovens que vivem em abrigos e que não têm pai nem mãe e somente os irmãos. Eles não são uma família?!”, afirmou Maria do Rosário (PT-RS), deputada federal, em entrevista ao jornal O Globo, na segunda-feira (26)

Aprovado em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o Estatuto da Família seguiria diretamente para a análise do Senado, já que tramitava em regime conclusivo na comissão especial criada para apreciá-lo na Câmara. Deputados contrários à proposta recorreram para que o plenário da Câmara também participe do debate e vote a medida. Para que isso aconteça, o próprio plenário deverá primeiramente deliberar se aceita ou não votar a proposta.

Defendido pela bancada evangélica, o texto aprovado pela comissão especial foi o substitutivo ao PL 6583/2013, elaborado pelo deputado federal Diego Garcia (PHS-PR), relator do projeto. Ele reconhece como família apenas a “entidade familiar formada a partir da união de um homem e de uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”.

Dessa forma, o projeto exclui dos arranjos familiares tios, avós e outros parentes, além dos casais homossexuais. De acordo com o que foi proposto por Garcia, a relação destes grupos seria classificada como uma “parceria vital”, conceito que careceria de regulamentação e que é definido no texto como uma “sociedade oriunda da reunião deliberada de cidadãos que compartilham residência e esforços na manutenção do lar comum, com intenção de perdurabilidade”. Para deputada Maria do Rosário (PT-RS), 20% das famílias brasileiras seriam excluídas – número diferente das estatísticas mais recentes do IBGE. Questionamos a informação e perguntamos qual é o posicionamento da parlamentar em relação à proposta:

Dados da Síntese de Indicadores Sociais 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2013, mostram que apenas 6,6% dos arranjos familiares não envolvem um casal ou um dos pais com filhos. Como a senhora chegou ao número de 20%?

Estamos citando a partir do IBGE, de estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e de análises projetadas ao longo da própria comissão do Estatuto da Família.

Mas a fonte, especificamente, a senhora não saberia?

De memória, aqui? Eu não tenho a obrigação de ter nada, você está me abordando no corredor, a gente não carrega os dados. [A parlamentar se comprometeu a responder pela assessoria. No dia seguinte, a equipe da deputada explicou que o índice foi extraído do Censo Demográfico de 2010, do IBGE, e que os 20% seriam uma aproximação das famílias estendidas (casal ou homem ou mulher com filhos, ou ainda sem filhos, na qual também convivem parentes) e das compostas (convivência sem grau de parentesco) que, juntas, somariam 21,5% dos arranjos, número distante daquele mais atual e apresentado na pergunta].

Por que as famílias formadas por uniões homoafetivas foram excluídas do Estatuto da Família?

Esse estatuto é altamente discriminatório. Ele quer julgar e decidir pelas pessoas quem compõem as famílias. Esse tema não pode ser decidido em caráter conclusivo por uma comissão de cartas marcadas, uma comissão onde não houve a oportunidade, realmente, de se produzir um relatório melhor, mais abrangente.

Qual é a definição de família que a senhora defenderá para o Estatuto, se o recurso para que o projeto seja analisado no plenário for aceito?

Vamos trabalhar para que ele seja aceito pelo plenário e para mostrar que o Estatuto discrimina não apenas as uniões homoafetivas, mas também grupos de irmãos, pessoas que são criadas por avós, avôs ou tios – pessoas que não estão dentro deste estereótipo de formato de família com um pai, uma mãe e seus filhos –, e é importante que todos esses arranjos possam se reconhecer e viver em família.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), em reunião da Comissão Especial do Estatuto da Família
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), em reunião da Comissão Especial do Estatuto da Família. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Estatísticas

Repudiado por entidades ligadas aos direitos dos homossexuais, o Estatuto da Família exclui também outros grupos, como já explicado. Qual parcela da população brasileira, entretanto, deixaria de ser considerada família a partir da aprovação do texto? A deputada Maria do Rosário não foi a única a mencionar o índice de 20%, também citado por Érika Kokay (PT-DF).

Ao justificar o índice à Agência Pública, a equipe da parlamentar gaúcha remeteu a reportagem a uma nota da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), onde seriam apresentados os percentuais do Censo 2010: 66,2% de famílias nucleares (casal com ou sem filhos, ou uma mulher ou um homem com filhos), 19% de famílias estendidas (mesmo arranjo anterior, mas que inclui convivência com parentes), 2,5% de famílias compostas (inclui convivência sem graus de parentesco) e 12,3% de pessoas que moram sozinhas. Os 20% seriam uma aproximação da soma das famílias estendidas e das compostas, que, juntas, representariam 21,5% dos arranjos familiares.

Os dados mais recentes sobre os arranjos familiares presentes na sociedade brasileira, entretanto, indicam parâmetros diferentes. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2014, também do IBGE e que utiliza como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2013, os casais com filhos (43,9%), aqueles sem filhos (19,4%) e as mães sem cônjuge (16,5%) que convivam ou não com outros parentes representam 79,8% da população. Somados às pessoas que moram sozinhas (13,5%), estes grupos totalizam 93,3% da amostra do Instituto.

Assim, só estariam completamente fora da definição familiar do Estatuto 6,6% dos núcleos familiares, compostos por outras formações entre parentes (6,3%) e por aquelas sem relação de parentesco (0,3%), já que, segundo o texto, os critérios fundamentais para a definição do conceito de família passam pelos parâmetros de conjugalidade e filiação.

Com base nestes mesmos preceitos, e à luz de uma interpretação rigorosa do Estatuto da Família, também poderiam ser tolhidos de algumas pessoas as prerrogativas e direitos previstos pelo texto – como a participação nos conselhos da família, estabelecidos pela proposta – por mais que elas convivam com uma família. É o caso de um tio solteiro que more com o sobrinho, casado e com filhos. Desse núcleo familiar o tio não participaria, segundo o estatuto.

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Este texto foi produzido pelo Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública. Entenda a nossa metodologia de checagem e conheça os selos de classificação adotados em https://apublica.org/truco. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail truco@apublica.org e por WhatsApp ou Telegram: (11) 99816-3949. Acompanhe também no Twitter e no Facebook. Desde o dia 30 de julho de 2018, os selos “Distorcido” e “Contraditório” deixaram de ser usados no Truco. Além disso, adotamos um novo selo, “Subestimado”. Saiba mais sobre a mudança.

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