O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já registrou, somente nos primeiros meses de 2024, um número maior de denúncias de violência contra mulheres praticadas por integrantes do Poder Judiciário que no ano inteiro de 2023. Os casos são de violência processual, ou seja, que teriam ocorrido no curso de processos, durante depoimentos, audiências ou julgamentos, e têm como suspeitos juízes, desembargadores, procuradores, promotores ou funcionários do sistema judiciário.
Até abril, segundo o CNJ, já são 20 casos, contra 13 registros do ano passado, quando um canal exclusivo para esse tipo de denúncia foi criado. Apenas no mês de janeiro, quando tribunais estão de recesso e funcionam em regime de plantão, foram oito queixas. Até o momento, mais da metade das denúncias feitas neste ano já gerou investigações internas, ainda em andamento, com abertura de pedidos de providência ou reclamações disciplinares.
O caso da mulher indagada se seria “sonsa” enquanto realizava uma denúncia de assédios sexual e moral contra o pastor Davi Passamani, no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), é uma das denúncias em apuração pelo CNJ. Passamani é investigado por assédio e importunação sexual contra frequentadoras de sua igreja.
Na ocasião, o diálogo envolvendo os desembargadores Silvânio Divino de Alvarenga e Jeová Sardinha chegou a classificar questões de assédio, gênero e racismo como “modismo”. No documento que instaurou uma reclamação disciplinar, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, destacou a necessidade de apurar se as falas dos desembargadores violam a Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura.
O protocolo que prevê o atendimento a vítimas e recebimento de denúncias de violência processual contra a mulher foi oficializado em julho de 2023. O canal que recebe as denúncias garante sigilo às vítimas e acolhimento, além da possibilidade de que elas sejam ouvidas por uma outra juíza, sem a exigência de provas pré-constituídas ou elementos que inviabilizem sua denúncia.
“Ainda não tem dados relevantes no Conselho e nos tribunais. Mas os canais [de denúncia] estão abertos, inclusive nas inspeções que ocorrem nos estados pela Corregedoria Nacional”, afirmou a juíza Renata Gil, ex-presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), supervisora da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as mulheres no Poder Judiciário e conselheira do CNJ.
A Pública apurou que o episódio de Goiás foi tema de conversas em grupos internos de ministras de tribunais superiores, que ficaram extremamente incomodadas e inconformadas. O mesmo ocorreu entre integrantes do CNJ, sobretudo mulheres. “É preocupante ver que magistrados com esse tipo de pensamento estão julgando processos de mulheres vítimas de crimes tão brutais”, defendeu uma conselheira do CNJ que pediu para não ser identificada.
Atualmente, 1,2 milhão de processos envolvendo violência doméstica contra mulheres e feminicídios tramitam na Justiça brasileira, sendo 10 mil deles de feminicídios.