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Ditadura: “Fui libertado no saguão do prédio da Folha”, diz Paulo Frateschi

22 de agosto de 2023
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

O relato do ex-deputado e dirigente histórico do PT, Paulo Frateschi, à Agência Pública, após a publicação da reportagem “Documentos indicam que aliança da Folha com ditadura foi mais forte do que jornal admite”, joga mais luzes sobre essa relação e fortalece as suspeitas de que policiais que atuaram na empresa e na repressão também praticavam extorsão. “Fui libertado no saguão do prédio da Folha”, afirma Frateschi, personagem de inusitada trama que só agora, 54 anos depois, decidiu revelar. Era novembro de 1969. Frateschi, então militante da Ala Vermelha da ALN (Ação Libertadora Nacional), aos 19 anos, depois de seis meses de prisão, foi levado à sala do delegado Sérgio Paranhos Fleury, símbolo da repressão política.

“Fleury xingava, falava palavrões. Repetia ‘porra! Bosta! e cuspia’. Logo pensei: putz, vai começar tudo de novo (tortura). De repente, ele olhou fixo pra mim e falou: ‘o merda do juiz mandou te soltar. Se alguém te procurar, você vai voltar aqui e me contar!’”, lembra Frateschi, que logo em seguida foi conduzido por outro delegado até a portaria do antigo prédio do DOPS, onde era esperado pelo pai, Nelson, à época um bem sucedido corretor de imóveis.

Os três fizeram a pé o trajeto do DOPS, no Largo General Osório, até o prédio da Folha, a poucos quarteirões, na Alameda Barão de Limeira. Lá, encontraram-se com outro delegado, que trabalhava na segurança do jornal. Frateschi ficou afastado, próximo a gráfica do jornal, enquanto o pai e os dois delegados confabulavam. Já no carro e livre, o então militante perguntou ao pai o que estava se passando. Nelson disse que estava tudo bem, que não fizesse perguntas, mas contou que os dois delegados eram irmãos. “Tudo foi estranho”, afirma Frateschi. Ele acha que, surpreendidos por ordem judicial de soltura — extensiva a outros presos que não haviam participado de conflitos com morte —, Fleury decidiu concluir uma extorsão que já estava em andamento.

“Não há outros dois delegados que sejam irmãos e tenham trabalhado no DOPS e na Folha. Trata-se de Edward e Roberto Quass. Não quer dizer que a Folha esteja envolvida, mas são fortes as suspeitas de que dentro do jornal tenha ocorrido uma grave extorsão supostamente praticada por funcionários sobre os quais a empresa era responsável”, disse à Pública a professora Flora Daemon, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que participou da pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sobre as relações do jornal com a ditadura.

No mesmo período, Nelson Frateschi vendeu um de seus imóveis, mas a família não soube o destino do dinheiro. Paulo Frateschi ressalvou que não tem provas, mas diz ter ficado com a impressão de que seu pai havia sido vítima de extorsão e que as tratativas envolvendo funcionários e o espaço físico do jornal reforçam a compreensão de que a Folha funcionou como uma espécie de “sucursal” da repressão. Para os familiares de presos políticos, a tensão estava no ar. Dias antes, em represália ao sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick, ocorrido em setembro de 1969, o líder da ALN, Carlos Marighella, havia sido assassinado em São Paulo numa operação comandada por Fleury, o que aumentava o medo de novas execuções.

É consenso entre pesquisadores que a polícia da ditadura, além de vender serviços de segurança a empresários que apoiaram a ditadura, também extorquia familiares de presos e se apropriava de valores encontrados em aparelhos da esquerda ou com militantes presos. O jornalista Bernardo Kucinski, que à época percorreu delegacias e quarteis atrás de sua irmã, Ana Rosa Kucinski, militante da ALN listada como desaparecida, em depoimentos, contou que a família pagou por informações que, no final, acabaram se revelando falsas. “Eles recebiam pró-labore de empresários, extorquiam até donos de padaria e ficavam com o butim das operações, prática “legalizada” à época. Quando fui preso, recém casado, levaram tudo o que tinha de valor em casa”, disse à Pública o ex-deputado e ex-presidente da Comissão da Verdade paulista, Adriano Diogo.

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