A Meta está alinhada ao discurso de Donald Trump e promete “trabalhar” com o presidente eleito nos Estados Unidos “para pressionar governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando para censurar mais”. O dono da empresa, Mark Zuckerberg, afirmou em anúncio nesta terça-feira (7) que pretende contar com o “apoio do governo dos EUA” para, por exemplo, combater supostos “tribunais secretos” latino-americanos “que podem ordenar que as empresas retirem conteúdos do ar discretamente”. A Meta detém redes sociais como Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp.
No Brasil, um dos responsáveis por ordens de retirada de conteúdo é o Supremo Tribunal Federal (STF), a instância mais alta da Justiça nacional. Por investigar a disseminação de desinformação e crimes contra a democracia, o STF se tornou alvo de ataques da extrema direita brasileira, que tem levado o discurso contra a instituição para os Estados Unidos e angariado o apoio de parlamentares republicanos, além de empresários, como Elon Musk, dono do X (antigo Twitter). No fim do ano passado, Trump citou a derrubada do X no Brasil em um processo na Suprema Corte dos EUA contra o banimento do TikTok no país.
Para a coordenadora de pesquisa do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Netlab-UFRJ), Débora Salles, no vídeo do anúncio, Zuckerberg usou “ameaças conspiratórias”, como ao qualificar os tribunais latino-americanos como “secretos”, além de “vários dos argumentos que a extrema direita norte-americana e internacional têm usado nessa tentativa de defesa da liberdade de expressão [irrestrita]”.
“Tem vários pontos de contato [entre a extrema direita e as plataformas sociais] que não são exatamente novos, mas que ficaram mais fortalecidos e explícitos com esse vídeo”, acrescentou.
Além da citação à América Latina, o empresário também disse que pretende resistir às leis europeias, que, na avaliação dele, “institucionalizam a censura e dificultam a construção de qualquer inovação”. Em 2022, a União Europeia aprovou duas leis que versam sobre o mundo digital e garantem direitos e proteções aos usuários. A regulação europeia enfrentou forte oposição das big techs, da mesma forma que tentativas de regulação de empresas de tecnologia em outros países, como o Brasil, a exemplo da tramitação do PL das Fake News (PL 2.630/20) e o PL da IA (2.338/23).
Para Salles, o vídeo indica “uma aliança [da Meta] junto ao governo americano pela não regulação dessas atividades [digitais]”. Em dezembro passado, a Meta doou US$ 1 milhão [cerca de R$ 6 milhões] para o comitê de posse do republicano.
Mais política, menos checagem
Além de assumirem a participação da empresa no movimento político de pressão internacional encampado por Trump, as promessas de Zuckerberg incluem mudanças técnicas nas plataformas da Meta, como a volta da recomendação de conteúdos políticos, restrita progressivamente desde 2022. “Parece que estamos em uma nova era agora, e estamos começando a receber feedback de que as pessoas querem ver esse conteúdo”, explicou o empresário.
O CEO da Meta anunciou também que, começando nos Estados Unidos, substituirá checagens de conteúdo falso ou desinformativo por notas de comunidade, modelo já aplicado no X, para combater uma suposta “censura” promovida por checadores “enviesados”. No vídeo, Zuckerberg admitiu que a mudança nas políticas de moderação em suas redes significa que menos conteúdos “ruins” serão retirados da plataforma, em troca de reduzir o número de “pessoas inocentes” com conteúdos e contas derrubadas.
Para a diretora-executiva e cofundadora da agência de checagem Aos Fatos, Tai Nalon, “essa acusação contra os checadores é completamente fora de propósito”, já que as checagens são feitas de forma “independente” e com base em “códigos de ética”. “Observando o vídeo do Zuckerberg, você vê que ele adotou completamente um discurso trumpista de ataque à imprensa”, afirmou.
“A minha sensação é de que eles estão tentando criar uma confusão de que moderar conteúdo é sinônimo de censura ou moderar em excesso é sinônimo de censura”, avaliou Salles. “A gente entra num lugar perigoso em que parece que cometer crimes é uma questão de opinião”, acrescentou.