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Nota

O que é obstrução e como a pressão dos bolsonaristas pela anistia afetou o Congresso

9 de abril de 2025
12:00

As salas estão cheias, mas não há parlamentares suficientes para concluir as votações. Na última semana, essa cena se repetiu em algumas comissões da Câmara dos Deputados, capitaneada pelo Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro. A estratégia, nomeada obstrução, tinha como objetivo pressionar o presidente Hugo Motta (Republicanos-AL) a pautar o requerimento de urgência do PL da Anistia (PL 2858/2022), que visa extinguir as punições determinadas pela justiça aos golpistas do 8 de janeiro.

No glossário do Congresso Nacional, a obstrução é definida como a utilização de “todos os meios regimentais para protelar ou evitar a votação de determinada matéria”. Pode ser orientada a barrar um projeto específico, em função da existência de discordância quanto a seu teor por um parlamentar ou partido, ou utilizada como forma de pressão, como tem sido feito pelos bolsonaristas. Para obstruir as votações, os parlamentares apresentam requerimentos de retirada de pauta, de votação nominal e não marcam presença nas votações, o que impede que as sessões alcancem o quórum mínimo.

A estratégia não é nova. Em 2023, após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir pela inconstitucionalidade do marco temporal, medida que barrava o acesso dos indígenas às terras que eles tradicionalmente ocupavam, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) liderou uma obstrução a fim de pressionar o STF. A Agência Pública mostrou, na época, que a medida atrasou decisões sobre direitos das mulheres e dos povos originários.

Na primeira semana de abril deste ano, embora a oposição não tenha alcançado seu objetivo de paralisar todo o trabalho no Congresso, o número de propostas analisadas no plenário e nas comissões caiu 61% em comparação com a última semana de março, quando havia uma obstrução “parcial” em curso. O número de propostas não analisadas subiu 256% no intervalo. Para além da obstrução, algumas propostas deixaram de ser avaliadas por outros motivos, como o pedido de retirada de pauta pelo autor ou relator, ou a ausência dos mesmos na sessão.

Na Comissão de Administração e Serviço Público (CASP), o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) chegou a apresentar 24 requerimentos de retirada de pauta e votação nominal, na sessão do dia 1º de abril. A comissão terminou com uma proposta analisada e 14 não. Além da obstrução, pesou o início da ordem do dia no plenário, que fez com que a sessão tivesse que ser encerrada mais cedo. Entre as propostas não analisadas, estava um projeto que visava incluir a oferta de solução alternativa para o atendimento do consumidor idoso ou que apresente limitações para o uso de tecnologias e meios eletrônicos. O texto foi pautado novamente ontem (8), mas foi retirado de pauta por acordo.

Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), a mais importante da casa, 49 proposições não foram analisadas em 1º de abril, o primeiro dia da obstrução “total” determinada pela oposição. Na semana anterior, a mesma CCJC havia conseguido analisar 57 matérias. No dia 2 de abril, dez comissões não tiveram nenhuma proposta analisada, entre elas a de Saúde e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de acordo com dados da Câmara dos Deputados. Em outras comissões, como a de Finanças e Tributação, as matérias chegaram a ser avaliadas, mas não foram deliberadas. A deputada Carol de Toni (PL-RS), líder da minoria, foi uma das parlamentares que apresentou requerimentos para atrasar a votação na CFT.

Ainda assim, algumas comissões conseguiram manter seu trabalho, como a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, que terminou sua reunião com 25 propostas analisadas e aprovadas.

Maurício Marcon (Podemos-RS), um dos parlamentares que participou da obstrução, considera que “não há pauta mais urgente do que tirar inocentes da cadeia”, referindo-se aos condenados pelo 8 de janeiro de 2023. Os bolsonaristas têm pressa para que o projeto seja analisado, e por isso têm se mobilizado pelo requerimento de urgência. Se aprovado, o projeto fica dispensado de passar pelas comissões e vai direto ao plenário. 
A anistia aos golpistas não tem respaldo da maioria da população com 56% das pessoas contrárias à pauta, segundo indicaram as pesquisas do Datafolha e da Quaest.

Atos golpistas de 8 de janeiro de 2023

“Se fosse o teu vô, o que tu preferiria?”

Questionado sobre como responde às críticas de que a obstrução atrasa a avaliação de projetos importantes, Marcon relativizou, por exemplo, um projeto que criava um Cadastro de Condenados por Violência Contra Idosos, que foi obstruído na Comissão do Idoso, de acordo com o Canal My News.

Marcon respondeu: “Tem idoso preso [pelo 8 de janeiro]. Idoso injustamente preso. O que é melhor? Um cadastro ou soltar inocente? Qual é a prioridade? Se fosse o teu vô, o que tu preferiria? Um cadastro ou soltar o teu vô?”.

Ainda que os parlamentares sigam defendendo a urgência da anistia, a obstrução foi suspensa ontem (8). Em nota, o deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição, afirmou que a estratégia foi paralisada “pela próxima semana” como um “gesto político às lideranças partidárias da Casa, com o objetivo de viabilizar o apoio necessário para a aprovação do regime de urgência do Projeto de Lei da Anistia”.

Já o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do Partido Liberal, afirmou que o partido mudou de estratégia para focar em convencer os parlamentares individualmente. Cavalcante tem trabalhado para colher assinaturas ao requerimento de urgência e chegou a abordar deputados no aeroporto de Brasília na terça-feira (8). Na manhã de hoje (9) ele afirmou ter colhido 223 assinaturas em apoio ao requerimento, restando 34 para o número necessário, de 257 deputados.

Edição:
Joédson Alves / Agência Brasil

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