Entre 2023 e 2024, eventos climáticos extremos e a falta de preparo para lidar com seus impactos mataram 250 pessoas no Rio Grande do Sul, afetaram mais de dois milhões, deixaram 25 desaparecidos e resultaram em um prejuízo financeiro que se aproximou de R$ 100 bilhões. Um relatório da Anistia Internacional Brasil, lançado hoje, 28 de maio, aponta que as medidas adotadas pelo poder público até o momento devem ser insuficientes para lidar com novos desastres e não reparam os danos sofridos por grupos desproporcionalmente afetados.
Entre os principais problemas trazidos pelo relatório está a ausência de recursos específicos ou cronograma de implementação para as principais políticas de mitigação, prevenção e monitoramento do clima. Por outro lado, a reconstrução de vias e rodovias é a área campeã de recursos alocados do Fundo Financeiro do Plano Rio Grande (Funrigs), principal iniciativa estadual como resposta para o desastre.
A ONG também destaca que as políticas de assistência, incluindo as de auxílio moradia e aluguel popular, estão aquém das necessidades da população. As casas-contêineres, por exemplo, solução temporária do governo estadual, acabam deixando moradores sujeitos a condições insalubres, destaca o relatório.
Segundo a Anistia, o governo federal prometeu comprar ou construir até 22 mil imóveis, mas até o fim de janeiro, apenas 5,6 mil contratos haviam sido assinados e 448 obras tinham começado efetivamente. Por parte do governo estadual, houve a promessa de 2,5 mil casas, mas apenas 332 moradias temporárias foram entregues.
Para a diretora-executiva da organização, Jurema Werneck, o Plano Rio Grande mantém estratégias que já foram infrutíferas no passado e possibilitaram a recorrência das tragédias de 2023 e 2024, com efeitos cada vez mais graves, principalmente na população mais afetada pelas desigualdades”, diz.
As conclusões da Anistia vão ao encontro do que mostrou uma série de reportagens da Agência Pública, que investigaram a reconstrução gaúcha um ano depois da catástrofe. Segundo os especialistas ouvidos, o Plano Rio Grande tem avançado devagar, sem transparência e sem mirar em prevenção e os sistemas de monitoramento, previsão e alerta continuam falhos. O relatório da Anistia cita reportagens da Pública 14 vezes ao longo do texto.
O aprofundamento das mudanças climáticas, causadas especialmente pela queima de combustíveis fósseis – e, no caso do Brasil, que é o sexto maior emissor de carbono, pelo desmatamento –, deve aumentar a ocorrência de chuvas intensas em curtos períodos de tempo no Rio Grande do Sul. Isso reforça a relevância de que o poder público adote ações adequadas para enfrentar essa nova realidade – o que não tem ocorrido, de acordo com o relatório “Quando a água toma tudo – impacto das cheias no Rio Grande do Sul”.

Quilombolas, migrantes e refugiados deveriam ter atenção especial nos planos de reconstrução
A Anistia também chama a atenção para a ausência de políticas públicas focadas em enfrentar desigualdades sociais, raciais e de gênero, considerando que populações historicamente marginalizadas, como negros, quilombolas, indígenas, idosos e refugiados foram expostas a danos desproporcionais durantes os eventos climáticos extremos.
Segundo o documento, todas as comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul tiveram algum tipo de impacto e 70% dos territórios indígenas foram atingidos. Entre os migrantes e refugiados, mais de 43 mil pessoas foram afetadas, a maior parte delas venezuelanas e haitianas.
Entre as recomendações da organização não governamental estão a atenção específica a essas populações marginalizadas, o estabelecimento de um plano nacional de emergência com estruturas dialógicas e governança participativa e a adoção das políticas e metas internacionais de redução de gases de efeito estufa e combustíveis fósseis. O documento também direciona medidas que devem ser tomadas em âmbito estadual, como o fortalecimento da Defesa Civil, e municipal, como a revisão e atualização de planos municipais de emergência.