Em pleno Abril Vermelho, mês marcado historicamente pela luta dos trabalhadores sem-terra no Brasil, senadores ruralistas escolheram usar a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso contra o movimento pela reforma agrária no país.
Com a retomada dos trabalhos da CCAI neste início de abril, a Agência Pública apurou que membros da bancada ruralista no Senado Federal aprovaram um pedido para ter acesso a cópias de “todos os relatórios de inteligência produzidos, recebidos ou replicados” pela Abin nos últimos 15 anos sobre “a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)” e também sobre a “Política Nacional de Reforma Agrária (PNRA)”.
Como justificativa para o pedido, os senadores ruralistas Esperidião Amin (PP-SC), Jaime Bagattoli (PL-RO), Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Rogério Marinho (PL-RN) alegam que decisões do governo Lula teriam ampliado “o poder de influência de grupos organizados”, “criando insegurança jurídica, agravando conflitos no campo”. Mas o próprio MST contesta a execução da reforma agrária no atual governo, contrariando a tese por trás do pedido na CCAI.
O pedido foi aprovado na reunião desta quarta (9) e, segundo a presidência da CCAI, deve ser respondido nos próximos 30 dias. O governo não pôde barrar a aprovação, dado que virou minoria na Comissão de Inteligência – como reportado pela Pública na última semana. Atualmente, o único petista na CCAI é o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), como líder da Maioria na comissão.
Chama atenção que um pedido praticamente igual ao aprovado nesta quarta foi rejeitado pela própria CCAI há menos de dois anos atrás.
Em 25 de outubro de 2023, a mesma comissão negou o pedido similar, então protocolado pelo deputado federal Alexandre Ramagem (PL), diretor-geral da Abin por boa parte do governo Bolsonaro – função pela qual ele poderia ter acesso a materiais dessa mesma natureza relativos ao MST e aos sem-terra em geral.

Perguntado pela Pública sobre o motivo de propor um pedido praticamente igual ao rejeitado em 2023, o senador Esperidião Amin disse que “mudou a composição [da CCAI], então decidimos pedir”.
“O pedido não tem natureza supressiva, então cabem adições”, disse ainda o senador momentos antes da reunião da CCAI, ao ser questionado pela reportagem sobre o escopo do requerimento – que deixou de fora relatórios produzidos sobre a atuação de milícias rurais e grupos de extermínio no campo, por exemplo. A proposta aprovada nesta quarta não incluiu nenhum destes grupos armados, causadores constantes de conflitos no campo.
Também chama atenção o fato de um dos proponentes do pedido estar envolvido em conflitos fundiários. O senador Jaime Bagattoli já admitiu ser dono de uma fazenda que invade parte da Terra Indígena (TI) Rio Omerê, como revelado pelo observatório De Olho nos Ruralistas.
À época da revelação deste conflito, Bagattoli era o vice-presidente da controversa CPI das ONGs, onde o senador alegou uma suposta “perseguição” contra ele no caso da TI Rio Omerê.
Em seu atual mandato, Bagattoli enfatiza sua contrariedade quanto aos sem-terra, como visto em uma audiência pública em 2023, ao dizer: “podemos ter um conflito muito grande, podemos ter uma revolução no campo… se isso não tiver uma providência urgente, podemos ter conflitos, talvez até de mortes no campo”.