A dica veio de um trabalhador contratado para fazer o desmatamento na área do estaleiro da Jurong. Com a garantia de não ter seu nome revelado ele contou à repórter: “Além de mim, dois arqueólogos e mais 10 pessoas ajudaram nas escavações. Foi um trabalho delicado. Era local de moradia de indígenas. Local onde moravam. Encontramos materiais feitos de argila. Paredes de casa, recipientes utilizados para cozinhar, urnas”, afirmou.
O mesmo operário disse que o material estaria sob responsabilidade da CTA Engenharia e Meio Ambiente, contratada pela Jurong para executar o trabalho, mas descobrir o paradeiro dos sítios arqueológicos não foi tarefa fácil. Procurada pela reportagem, em um primeiro momento a CTA afirmou que não poderia dar nenhuma informação sem a autorização da Jurong. Obtida a autorização, a empresa confirmou a descoberta de três sítios arqueológicos.
A gerente de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS) do Estaleiro Jurong Aracruz (EJA), Lani Tardin, afirmou que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) autorizou a retirada e que a preservação do material encontrado estava a cargo do órgão. Mas a informação não foi confirmada pelo funcionário técnico do Iphan-Espírito Santo, Yuri Batalha. Segundo ele, a responsabilidade pelo que havia sido coletado era da empresa responsável pelas escavações, a CTA. Por fim, a reportagem conseguiu falar por email com Celso Perota, arqueólogo do CTA, que garantiu que as peças estão depositadas na sede do Instituto Ecos, uma ONG sem fins lucrativos. “Atualmente o acervo está sendo marcado e catalogado”, afirmou o arqueólogo. Quando o trabalho for finalizado, disse o arqueólogo, o material será acessível “mediante a devida permissão do ECOS”.
Não parece o destino adequado para as peças coletadas, como explicou a professora do Departamento de Geografia da Ufes, Simone Batista Ferreira. “Os sítios arqueológicos são a memória da humanidade. É o nosso passado coletivo. Não é um bem privado de quem encontra. A região norte do estado do Espírito Santo guarda testemunhos arqueológicos e históricos importantes. Há registros da presença de populações indígenas que ocuparam a região em um momento pré-conquista e outros eventos históricos importantes que tem início com a chegada dos europeus”, disse Simone.
Também chama a atenção a rapidez com que o material dos três sítios foi resgatado. Do momento em que os sítios foram identificados, durante o programa de monitoramento arqueológico, até a coleta do material foram quatro meses, incluindo o processo de liberação das peças pelo Iphan. “A autorização do Iphan foi imediata, pois quando se identifica sítios arqueológicos durante a fase de monitoramento, o resgate é feito de imediato”, afirmou o arqueólogo. “Como a área é muito grande, foram realizadas atividades de instalação do empreendimento concomitantemente ao resgate arqueológico nas áreas identificadas durante a prospecção”, explicou por email;
Perota disse ainda que o processo de escavação ocorreu ao longo das etapas do licenciamento ambiental do estaleiro. Apesar disso, o Relatório de Impacto Ambiental, feito pela mesma empresa CTA – Engenharia e Meio Ambiente, em 2009, e pago pela Jurong, apenas apontou “evidências que poderiam denotar a presença de sítios arqueológicos na área do empreendimento”.
Foram encontrados três sítios arqueológico com “conteúdos culturais” distintos, segundo Perota. Eles foram cadastrados no Iphan como sítio Barra do Sahy 1, sítio Barra do Sahy 2 e sítio Barra do Sahy 3. No primeiro havia cacos de cerâmica que pertencem à Tradição Aratu; no Barra do Sahy 2, testemunhos cerâmicos vinculados à Tradição Tupiguarani. Já o Sítio Barra do Sahy 3 é um sítio colonial antigo, com conteúdo de cerâmica neobrasileira, vidros e conchas.
De acordo com o cadastro de sítios arqueológicos do Iphan, o município de Aracruz possui 21 sítios registrados. A região foi definida pelo órgão como de alto potencial arqueológico, por ter características parecidas com a da margem esquerda do Rio Doce, onde há registros de cerca de 42 sítios arqueológicos.