A frase do parlamentar esconde questões delicadas. Por mais que a vítima de violência sexual possa desejar a imediata punição do agressor, em alguns casos o registro do boletim de ocorrência pode ser traumatizante. A atual legislação sobre o tema, de 2013, recomenda que os profissionais de saúde apenas facilitem o registro policial da agressão, mas não os obriga a encaminhar a vítima à delegacia, como propõe o substitutivo ao Projeto de Lei nº 5069 de 2013. De autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a matéria foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara na quarta (21) e segue para a análise do plenário.
Marcos Rogério é classificada como falaciosa por Soraia da Rosa Mendes, doutora em Direito Penal pela Universidade de Brasília e pesquisadora da instituição. “Travestido de uma possibilidade de aumentar a criminalização, o projeto cria, na verdade, mais um empecilho para que essas mulheres, já fragilizadas, tenham acesso à interrupção de gravidez no caso de estupro”, completa, ressaltando o momento de fragilidade decorrente da violência sofrida. “Se a mulher sabe que vai ser exigida a elaboração de um boletim de ocorrência ao procurar o serviço de saúde, ela poderá acabar desistindo – o que significa que vai realizar o aborto por outros meios, clandestinos, que sabemos que são utilizados.”
O PL 5069/2013 também muda a definição de violência sexual, substituindo o atual conceito – “qualquer forma de atividade sexual não consentida” – pelos crimes contra a liberdade sexual previstos no Código Penal, com um adendo: nos casos “em que resultam danos físicos e psicológicos”. “O fato de não ter sido violento não torna o ato menos criminoso”, contesta Soraia, para quem a necessidade da existência e da comprovação de tais danos poderá dificultar a punição do agressor.
Autora do livro Criminologia feminista, lançado em 2014, a pesquisadora acredita que o objetivo do projeto de lei parece ser impedir que as mulheres tenham acesso aos casos de aborto legalmente possíveis – além do estupro, o risco à vida da grávida e a gestação de fetos anencéfalos. A deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) tem opinião semelhante e, em entrevista à Agência Pública, classificou o projeto de lei como “medieval”. O temor de ambas acaba se comprovando com a visão externada pelo relator da matéria na CCJ, o deputado Evandro Gussi (PV-SP), em entrevista a um portal de Brasília: “E se ela (a mulher) simplesmente teve uma relação sexual, não quer o bebê e mente dizendo que foi abusada sexualmente?”.