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O jornalista Lucas Ferraz, que revelou o caso do aeroporto de Cláudio, descreve a campanha mentirosa contra a reportagem; grampos do processo contra Aécio Neves no STF mostram que a pista continua sob o controle do político

Da Redação
25 de maio de 2017
19:21
Este artigo tem mais de 6 ano

Os lances da derrocada de Aécio Neves trouxeram lateralmente informação que confirma, mais uma vez, uma das acusações mais danosas à imagem do político até que o furacão da Lava Jato começasse a abraçá-lo, no ano passado. Trata-se da construção do aeródromo de Cláudio, no interior mineiro, dentro das terras de um tio e que era controlado pela família do tucano. Como se viu nos autos do processo que o afastou do Senado, Aécio continuou a desfrutar privadamente da pista de pouso.

Por muito tempo, contudo, essas acusações foram utilizadas por seu grupo político e simpatizantes para atacar o jornalismo que o revelou. Mesmo entre jornalistas, a versão do tucano – de que não houve ilegalidade na obra, uso privado ou que ela tenha beneficiado sua família – ganhou muito mais do que voz. Uma pena, pois foram muitos os que desprezaram os princípios do ofício para se dedicar à propaganda política.

Sou o autor da reportagem publicada na Folha de S. Paulo em julho de 2014, no início da disputa eleitoral, que revelou o uso particular da pista, as chaves sob o controle da família de Aécio, além de outras irregularidades que seriam igualmente documentadas: a pista nunca fora inaugurada e funcionava havia quatro anos sem a homologação da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), o que é ilegal. A obra beneficiava financeiramente o tio, dono do terreno desapropriado, além de equipar as fazendas da família Neves-Tolentino ao redor da pista de invejável estrutura que custou R$ 14 milhões aos cofres do estado.

As provas foram coletadas por mim, numa viagem inesquecível a Cláudio, além de todo o emaranhado disponível em documentos públicos da Justiça e do governo. O uso privado do aeroporto fora confirmado pelo chefe de gabinete da prefeitura e pelo próprio primo de Aécio que tinha a chave (outro primo, não o que se encontra preso atualmente): “Para todos os efeitos, o aeroporto ainda é nosso”.

Seguiu-se à publicação da reportagem uma intensa – e em alguns momentos perversa – campanha contra os fatos relatados e documentados que não se restringiu à política. O trabalho jornalístico nunca sofreu reparos judiciais ou editoriais, mas isso não bastou para que eu fosse caluniado até por colegas de profissão. Durante a fratricida campanha eleitoral e até depois, foram muitos os ditos jornalistas que endossaram a fantástica estratégia de blindagem de Aécio Neves.

Quanto aos fatos apresentados nas reportagens, o político utilizava o mesmo cinismo agora empregado para tentar responder às condutas e ações nas quais foi flagrado.

Sobre o benefício à família com a construção do aeródromo, ele dizia: “Pelo contrário, meu tio foi prejudicado!”. Quanto à necessidade da obra, já que a menos de 50 km de Cláudio está a cidade de Divinópolis, que conta com aeroporto de estrutura superior, ele justificava a construção alegando que a pista beneficiou centenas de empresários locais. Cascata, como se viu.

Adepto antigo do pós-verdade, Aécio Neves passou a campanha eleitoral se referindo ao episódio como um “equívoco” cometido por um “jornal paulista”. Até o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto entrou no jogo: contratado por R$ 56 mil pela campanha do tucano, ele elaborou um parecer – sem nunca ter pisado em Cláudio – atestando a total legalidade da obra.

O PT, que pediu investigação por improbidade administrativa, também cometeria as suas barbaridades em nome do jogo político. Numa propaganda de Dilma Rousseff, o partido escalou uma ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais para acusar Aécio Neves de censura. Ela disse que o episódio do aeroporto era conhecido há tempos pelos jornalistas mineiros. Era outra mentira: sabia-se, sim, que o governo mineiro havia construído um aeródromo em Cláudio, mas as informações de que ele fora feito nas terras de um parente de Aécio e que seu uso era privado e irregular só seriam conhecidas nas reportagens que publiquei.

Passado o furor eleitoral, o Ministério Público de Minas Gerais concluiu pela segunda vez a investigação sobre a construção da pista. Como era esperado, os promotores mineiros não viram nenhuma irregularidade. Era mais uma investigação conveniente ao grupo político de Aécio: a Promotoria não levou em consideração nenhuma das provas apresentadas na reportagem.

O arquivamento do caso serviu para alimentar ainda mais a campanha caluniosa. Em agosto de 2015, a Veja publicou texto intitulado “Pista livre de problemas”, no qual isentava Aécio de qualquer responsabilidade: “Ou seja, nenhuma das acusações parou de pé”. A IstoÉ foi na mesma linha, titulando sua matéria de “Caso encerrado” e ressaltando que os promotores não viram favorecimento à família do político.

Até a Folha, que publicou a reportagem, abriu nobre espaço para artigo do presidente do PSDB de Minas, escrito a pedido de Aécio, e sequer mencionou que a reportagem publicada por ela meses antes estava correta. O aliado do tucano chamava a história de “ficção” e cobrava reparação ao político pelas “inverdades”. A meu pedido, publiquei resposta na Folha rebatendo os absurdos. Foi a última vez que tratei do caso.

Mas eis que nos autos do processo em trâmite no Supremo Tribunal Federal que levou ao afastamento de Aécio do Senado e à prisão de sua irmã e estrategista política, Andrea Neves, e de um primo, consta uma conversa que confirma quase três anos depois um dos pontos centrais da reportagem: o político, cuja fazenda está a cinco minutos de carro do aeródromo, ainda hoje tem o controle do local.

Num diálogo interceptado pela Polícia Federal em abril deste ano, Frederico Pacheco de Medeiros, o primo de Aécio preso por receber parte do dinheiro combinado pelo político com a JBS, diz a uma pessoa não identificada que a chave do aeródromo estaria com um segurança de Aécio. “Se o Duda tá descendo no avião alguém vai abrir o portão pra ele ou não?”, pergunta o interlocutor não identificado. “Sim, já deve ter aberto… ele já deve ter saído e já deve ter fechado”, responde Fred. “E quem que é essa bênção de pessoa?, continua o interlocutor. “Deve ser o segurança do Aécio”, diz Fred. “Ah, ele tem a chave?”, insiste o interlocutor. “Deve ter… tô imaginando na condição de alguém for lá abri-lo… Eu não sei nem se vai, mas deve… Passa lá na porta”, conclui Fred.

O Ministério Público de Minas informou que, diante das novas evidências, vai analisar se abre uma nova investigação. Seria a terceira.

Outra irregularidade relatada na reportagem, o benefício financeiro da construção à família de Aécio Neves ficará evidente daqui a alguns meses. Arrasta-se há quase dez anos na Justiça o processo de desapropriação da área. O processo deixa claro como o negócio beneficia a família Neves-Tolentino.

Em 1983, quando Tancredo Neves era o governador de Minas, o Estado construiu uma pista de pouso no mesmo terreno de Múcio Tolentino (irmão da mulher de Tancredo, Risoleta, e tio-avô de Aécio), que à época era também prefeito de Cláudio. Feita com dinheiro público, a pista nunca seria transferida para o município: tornou-se propriedade da família.

Uma ação civil pública dos anos 2000 bloqueou a área até que Múcio devolvesse aos cofres do município o valor corrigido da antiga pista (R$ 250 mil). Mas em 2008, 25 anos depois da pista ser construída, o governo do sobrinho novamente desapropriou o terreno e fez um depósito na Justiça no valor de R$ 1 milhão, referente à indenização que o tio receberia pelo terreno transferido ao Estado. Seria um ganho de pelo menos R$ 750 mil se o valor de R$ 1 milhão fosse mantido, mas Múcio o questiona na Justiça. Pede pelo menos R$ 6 milhões. Ainda não se sabe quando e como o processo será concluído, mas ele se encontra na fase das alegações finais.

Depois de muita lorota e tantas tintas gastas para tentar sustentar uma fraude política, o jornalismo, por fim, venceu.

Crédito da imagem destacada: Edilson Rodrigues/Agência Senado.

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