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Empresas que tentaram licitação de R$ 19 milhões são ligadas a dirigente de associação na qual prefeito é presidente

Reportagem
22 de abril de 2024
04:00

As três empresas que disputaram a licitação de R$ 19 milhões na qual a prefeitura de São Paulo comprou armadilhas contra o mosquito da dengue têm ligação direta ou indireta com o empresário Marco Bertussi, próximo ao prefeito Ricardo Nunes, revela nova apuração da Agência Pública. A Pública mostrou que Nunes e Bertussi são presidente e diretor de uma associação de empresas de controle de pragas.

Duas concorrentes da licitação são do próprio Bertussi – a Biovec (a vencedora) e a TN Santos. Agora, a apuração revela que a terceira empresa a disputar a concorrência, a Biolive Proteção Ambiental, também tem relações com Bertussi.

A Biolive, de Salvador, na Bahia, está em nome de Luiz Henrique Faria Martins. Ele é um dos donos da DDM Cobrança Empresarial, uma empresa sediada no Rio de Janeiro que faz parte do Grupo DDM, especializado em cobrança de dívidas. O Grupo DDM pertence a Christiano di Maio, que é sócio de Bertussi em duas empresas – justamente a Biovec e a TN Santos. 

A licitação, feita por meio de pregão eletrônico, necessitava que ao menos três fornecedores enviassem uma cotação para ocorrer. A prefeitura entrou em contato com 19 empresas de controle de pragas, mas apenas as três empresas apresentaram proposta comercial. As demais informaram que não tinham os equipamentos pedidos pelo edital, não atuavam em São Paulo ou não responderam.

“Pode haver uma mácula aos princípios da moralidade pelo vínculo entre o prefeito e o empresário ofertante de um produto que, ao que tudo indica e o Ministério Público investiga, pode ter sido superfaturado”, diz Marcelo Nerling, professor de direito público da Universidade de São Paulo (USP). “Chama atenção o fato de que nem a Câmara Municipal e o Tribunal de Contas investiguem. Deve haver justificativa para cada fornecedor e o preço ofertado deve estar compatível com o de mercado”, continua.

Por que isso importa?

  • Todas as empresas que disputaram a licitação estão ligadas a um mesmo empresário, que é diretor numa associação presidida pelo prefeito de São Paulo
  • Foi Ricardo Nunes quem abriu as portas para a empresa de Bertussi se aproximar da prefeitura quando ele era vereador. A licitação é hoje alvo de representações no Ministério Público

A DDM Cobrança Empresarial, do dono da Biolive, funciona no mesmo prédio comercial do Grupo DDM, na avenida Ayrton Senna, no Rio de Janeiro. O e-mail usado para registrar a empresa na Receita Federal é de Di Maio.

Na Biovec, Di Maio se tornou sócio e administrador em julho de 2022, com participação de R$ 1 milhão no capital social. No mês seguinte, ele deixou a Biovec, mas segue como único sócio da CMDM Participações, empresa que gere ativos e é sócia da Biovec. Na TN Santos, ele é sócio administrador. 

Quando a licitação paulista ocorreu, no início do ano passado, Di Maio fazia parte das duas sociedades, a Biovec e a TN Santos, com Bertussi. Agora, sabe-se que a outra competidora, a Biolive, também é ligada a ele. 

A licitação de compra das armadilhas já é investigada pelo Ministério Público de São Paulo por suspeita de superfaturamento. Cada armadilha custou cerca de R$ 400 aos cofres públicos, enquanto poderia ter sido fabricada por menos de R$ 10, segundo apuração da Folha de S.Paulo. Após a reportagem da Pública, o órgão recebeu representações para investigar também a ligação de Nunes e Bertussi.

Empresa baiana que disputou licitação em SP fez proposta mais cara

Apesar de ter se candidatado a um contrato milionário com a maior prefeitura do país, não há registros de que a Biolive já tenha prestado serviços para a prefeitura de Salvador ou o governo da Bahia, locais onde está sediada. Também não há nenhuma informação em sua página na internet sobre as armadilhas que ela se propôs a fornecer para São Paulo.

A Biolive se apresenta como uma empresa de controle de pragas, lavagem automotiva, desinfecção de ambientes e tratamento de fossas sanitárias e efluentes. Ela foi aberta em 2006. Os telefones informados estão desativados. Tentamos contato por e-mail, mas não houve resposta.

O endereço que consta no site da empresa é, hoje, de um serviço de emergências médicas. Um atendente disse à reportagem que a Biolive se mudou do local “há anos”, mas não soube informar para onde.

Um outro endereço, registrado pela empresa na Junta Comercial da Bahia, é de uma rua residencial. Ele é o mesmo da Truly Nolen Salvador, do grupo ao qual pertence a TN Santos, de Bertussi, que também participou da licitação. 

Como revelado pela Pública, enquanto as propostas comerciais enviadas pela TN Santos e Biovec para a licitação na prefeitura detalham os equipamentos que seriam fornecidos conforme o edital e fazem uma apresentação das empresas, o da Biolive se limitou a apenas citar os valores dos produtos, sem sequer usar uma logomarca ou papel timbrado.

Os preços da Biolive eram expressivamente mais caros do que os das concorrentes. A empresa se propôs a vender as armadilhas e o sachê inseticida para matar larvas por R$ 33,3 milhões, valor mais de 50% mais alto do que a proposta vencedora, da Biovec, de R$ 21,3 milhões.

Relembre: contrato de R$ 19 milhões começou com doação de empresa do mesmo sócio

A TN Santos é uma velha conhecida da prefeitura de São Paulo. Em 2019, o então vereador Ricardo Nunes articulou para que o município aceitasse participar de um “projeto-piloto” para testar armadilhas contra o mosquito cedidas pela empresa. Na época, a TN Santos acordou com a prefeitura de Bruno Covas uma doação de armadilhas no valor de R$ 118,2 mil.

O projeto resultou na recomendação para que a licitação fosse realizada posteriormente, em 2022, sob a gestão de Nunes. A disputa resultou na compra das armadilhas fabricadas pela Biovec. Em outras palavras, uma das empresas de Bertussi e Di Maio fez uma doação para a prefeitura que, anos depois, foi usada como argumento para realizar a licitação de R$ 19 milhões vencida por outro negócio deles.

As armadilhas são um dos investimentos mais caros pagos pela prefeitura no combate à dengue em meio à pior crise da doença desde 2015. Recentemente, Nunes declarou emergência em saúde por dengue. Apenas cinco distritos da cidade estão sem epidemia da doença.

Armadilha para dengue adquirida pela gestão de Ricardo Nunes na prefeitura de São Paulo em 2024
Armadilhas foram adquiridas a R$ 400 cada

Sem manutenção, as armadilhas perdem a eficácia e estão virando criadouros do mosquito, segundo denúncias recebidas pela reportagem e reveladas pela Pública no início do mês. Há registros de armadilhas há meses sem troca da água e veneno de seu interior, o que faz com que as larvas se desenvolvam e possam ajudar a espalhar a doença.

A Pública procurou os citados nesta reportagem. Apenas a Biovec respondeu, em nota: “A Biovec Comércio de Saneantes LTDA é uma empresa que nasceu com o objetivo de desenvolver, entre outros, programas de combate a mosquitos, especialmente do gênero Aedes, atuando na defesa da saúde pública. A Biovec afirma que todas as contratações realizadas pela empresa seguiram rigorosamente suas políticas de compliance e as legislações vigentes, reafirmando assim seu compromisso com a plena integridade”.

Edição:
Bruno Fonseca/Agência Pública
José Cícero/Agência Pública

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