Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Reportagem

Além de Chávez, americanos pediram que Lula “moderasse” Evo Morales

Diplomatas brasileiros em La Paz pediram que Lula ajudasse a “moderar” presidente boliviano

Reportagem
29 de junho de 2011
13:11
Este artigo tem mais de 13 ano

Diplomatas brasileiros em serviço na Bolívia confidenciaram a seus colegas da Embaixada dos Estados Unidos em La Paz, em 2009, que “compartilham boa parte da frustração” dos norte-americanos com as atitudes de Evo Morales em várias áreas, “desde política econômica até combate ao narcotráfico”.

Membros do serviço diplomático brasileiro também relataram aos norte-americanos conversas privadas entre o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu par boliviano. Os diplomatas americanos sondaram os brasileiros pedindo que eles ajudassem a “moderar” o líder aimará.

As informações constam de um telegrama diplomático de agosto de 2009 vazado pelo WikiLeaks – que a Agência Pública divulga com exclusividade no Brasil.

Documentos do WikiLeaks já haviam revelado que Lula teria pedido em encontro privado para que o presidente venezuelano Hugo Chávez “moderasse o tom” nas críticas aos EUA.

Em agosto de 2009, as representações diplomáticas de Brasil e Estados Unidos em La Paz mantiveram pelo menos dois encontros para discutir aspectos da visita que Lula faria à Bolívia no dia 22 de agosto.

Os americanos estavam preocupados: uma nova Constituição acabara de ser aprovada no país e haveria novas eleições. Evo Morales, mais que candidato, era favorito para permanecer no cargo – como, de fato, acabou acontecendo.

Os diplomatas dos Estados Unidos revelaram aos brasileiros seu descontentamento com a maneira que o presidente boliviano vinha tratando Washington.

Na época Evo Morales já havia nacionalizado o petróleo e o gás – decreto que, segundo o WikiLeaks revelaria mais tarde, manteve a Embaixada de La Paz em alerta – e expulsado a DEA (Drug Endowment Agency) do país.

O governo boliviano também havia declarado persona non grata a um diplomata dos EUA supostamente ligado à CIA (Central Intelligence Agency) e o embaixador Philip Goldberg, que acabou deixando a Bolívia sob acusações de promover o separatismo no Estado de Santa Cruz.

Antes

Por essas e outras, o staff norte-americano procurou a Embaixada brasileira e sondou os diplomatas sobre a possibilidade de Lula “encorajar algum sinal útil de cautela” em Evo Morales no que diz respeito às suas relações com os Estados Unidos.

E, segundo o telegrama de 26 de agosto, tiveram uma resposta positiva. “As autoridades disseram que é do interesse do Brasil a existência de um melhor relacionamento entre Bolívia e Estados Unidos, e prometeram fazer o possível para incentivar um comportamento mais construtivo por parte do governo boliviano.”

A partir de conversas com diplomatas brasileiros, o documento afirma que o Brasil quer oferecer a Evo Morales uma alternativa aos conselhos radicais que vem recebendo de Cuba e Venezuela. Porém, deixaram claro que Brasília não está em concorrência direta com Caracas.

“Os brasileiros acrescentaram que, ainda que estejam comprometidos com o engajamento dos bolivianos em questões democráticas, eles não consideram que os direitos humanos ou a democracia na Bolívia estejam fora dos padrões hemisféricos.”

Morales não ouviu

Isso tudo aconteceu antes da visita de Lula a Morales. Quando os presidentes finalmente se encontraram, no dia 22 de agosto de 2009, a Embaixada dos Estados Unidos em La Paz interpretou a agenda oficial como ato eleitoral em benefício do boliviano.

O encontro aconteceu em Villa Tunari, pequena localidade encravada na região do Chapare, berço político do presidente boliviano e grande produtora de folha de coca. Milhares de camponeses assistiram à celebração de acordos bilaterais e ouviram Lula comparar Evo a Nelson Mandela.

Acabadas as festividades, os diplomatas norte-americanos procuraram o conselheiro da Embaixada do Brasil para saber como havia sido a conversa entre Lula e Morales. “Julio Bitelli nos confirmou que Lula falou com Morales sobre as relações entre Bolívia e Estados Unidos (durante o percurso que fizeram de carro até o evento público), mas disse que a questão levou ao ‘usual’ discurso retórico sobre os supostos crimes cometidos pelos Estados Unidos”, revela o documento.

“Morales recordou sua experiência pessoal nas mãos de agentes da DEA, protestou contra a hegemonia estadunidense na América Latina e não pareceu receptivo a ouvir qualquer conselho, de acordo com Bitelli.”

Escrito apenas quatro dias depois da visita, o telegrama termina com a promessa: “Continuaremos a encorajar o Brasil a seguir em frente com seu manifesto interesse de ajudar a moderar Morales, apesar dos limites evidentes de tais abordagens.”

Os documentos são parte de 2.500 relatórios diplomáticos referentes ao Brasil ainda inéditos, que foram analisados por 15 jornalistas independentes e estão sendo publicados nesta semana pela Agência Pública.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes