“Vi a máquina arrebentando o portão. Eu tentei entrar na frente e um rapaz que estava lá trabalhando com eles me segurou. Foi espontâneo eu ficar segurando na corrente, achando que eles iriam parar para conversar comigo e com os outros moradores. Mas minha irmã e minha filha ficaram gritando, pedindo para eu sair. Fui na minha casa, peguei um saco de documentos e fui para a casa de um irmão. Fiquei em estado de choque, chorando sem parar. Por que aquilo? Por que tirar a moradia de tantas pessoas necessitadas?” É impossível assistir ao video que traz a história de Francisca de Pinho Melo sem que um nó se forme na garganta.
Lançado no começo de janeiro, o minidoc é o segundo da série “O Legado Somos Nós”, produzida pela organização de direitos humanos Witness em parceria com o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas. Lá está a cena em que, sem aviso prévio, tratores e agentes da prefeitura do Rio chegam para demolir as casas e comércios de 153 famílias que viviam na comunidade Restinga, na zona oeste do Rio de Janeiro. As remoções foram feitas em 2010 para ceder espaço às obras de alargamento da Av. das Américas, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, necessárias para a instalação do BRT Transoeste (corredores de ônibus).
Até agora, os moradores receberam um valor irrisório como indenização e os comerciantes nenhuma indenização, apesar do Decreto Municipal 20.454 de 2001 determinar que, no caso de remoção de estabelecimento comercial, “será ofertada uma nova unidade comercial, indenização ou compra de outra benfeitoria sujeitas aos mesmos critérios definidos para as edificações de uso residencial, previstos em projetos da SMH”.
Segundo o documentário, oito mil pessoas já perderam suas casas no Rio de Janeiro desde o início dos preparativos para os megaeventos e o dossiê do Comitê Popular Rio da Copa e Olimpíadas fala que cerca de 30 mil pessoas sofrerão remoções forçadas na cidade por causa da Copa e das Olimpíadas.
O fim da marcenaria, o ganha-pão da família
No vídeo, Francisca conta que perdeu a marcenaria na qual trabalhava com o marido, a filha e dois parentes e que teve que recomeçar a vida em outra comunidade, vendendo refeições. “Eu estava na marcenaria há uns seis, sete anos. Tinhamos uma renda até boa, que estava dando para a gente suprir nossas necessidades. Quando aconteceu isso a gente ficou uns três meses sem ganhar nada, só gastando. Aí viemos morar de aluguel. O mais difícil são os filhos, é difícil ver um filho pedir. Meus amigos, parentes, vizinhos foram doando uma porta, um balcão e agora eu estou vendendo refeição, lanche, refrigerante. Chego a trabalhar 18 horas por dia”.
Francisca que perdeu, além da casa, o trabalho e a fonte de renda, disse ao Copa Pública que continua lutando junto à defensoria pública para obter uma indenização justa pela perda da marcenaria – pela casa teve que aceitar o valor simbólico de 3.800 reais oferecido pela prefeitura: “Eu perdi tudo, minha casa, meu trabalho, a fonte de renda da minha família. Pior ficou quem morava e trabalhava no mesmo lugar, que não recebeu nada”.
Veja o vídeo:
Conheça a história de Elisângela no primeiro doc da série
Para entrar em contato com a Comissão de Moradores Atingidos pela Transoeste escreva para: atingidos@gmail.com
O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.