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Detidos pela PM no centro do Rio às vésperas da Copa do Mundo, dois garotos foram levados ao morro e baleados; um deles sobreviveu para contar a história

Reportagem
10 de julho de 2014
12:00
Este artigo tem mais de 10 ano

Eram dois garotos loucos por futebol, moradores do complexo da Maré e sem problemas anteriores com a polícia – como afirma o delegado Rivaldo Barbosa,  titular da Divisão de Homicídios. Eles só se conheciam de vista e, por acaso, estavam ambos no centro do Rio na véspera da abertura da Copa do Mundo. Só o mais velho, porém, de 15 anos, conseguiria assistir aos jogos. Mateus Alves dos Santos, 14 anos, foi executado pela polícia naquele mesmo 11 de junho, no morro do Sumaré, ao lado de uma das residências episcopais da Arquidiocese do Rio.

A tragédia se revelou porque o outro menino sobreviveu por milagre à execução. Ele era o único que sabia que Mateus Alves dos Santos não tinha desaparecido como a família dele achava. “Desde que ele desapareceu, estávamos procurando por ele em tudo que é lugar. Fizemos uma denúncia na delegacia, fomos aos hospitais, avisamos a comunidade e pedimos ajuda a seus amigos pelo Facebook. Nunca podíamos imaginar encontrar seu corpo no morro do Sumaré”, conta a tia, Aline Nascimento.

Foi pelo Facebook que o sobrevivente da execução fez contato. Um amigo compartilhou em sua página o apelo da família por qualquer informação sobre o “desaparecido”. M. levou a família – e depois os policiais da Divisão de Homicídios – ao morro onde jazia o corpo de Mateus, baleado e assassinado uma semana antes. “O depoimento de M. combina perfeitamente com o que descobrimos na investigação. Não há dúvida de que Mateus foi executado”, afirma o delegado de Homicídios, Rivaldo Barbosa: “O GPS e as câmeras – interna e externa – da viatura corroboram o depoimento do jovem”.

Foram 30 minutos de intervalo entre a detenção de cada um dos garotos no centro da cidade. Segundo o relato de M., sem dizer nem explicar nada, os dois PMs circularam por 50 minutos, passando por três delegacias no caminho – chegaram a passar na frente de uma delegacia especializada de crianças e adolescentes. “Falavam entre eles, sem dizer uma palavra para a gente. Passavam na frente das delegaciais e seguiam adiante”, comenta hoje o menino que sobreviveu.

Baleado nas costas e na perna, o garoto que sobreviveu para denunciar a execução

Quando eles pegaram a subida para o morro do Sumaré, os dois começaram a se preocupar. “Nós também estávamos quietos, mas quando vimos a mata, Mateus me disse: ‘O que será que vão fazer com a gente?’ Depois foi tudo muito rápido, conta M., ainda muito traumatizado.

Ele teve a “sorte” de ser tirado do carro antes. Deitado no chão, ouviu um PM dizer “esse já não anda mais” e levou um tiro de pistola no joelho e um de fuzil nas costas. Fingindo-se de morto, ouviu quando Mateus foi baleado e sentiu o corpo cair em cima dele. Continuou imóvel mesmo quando o policial o chutou para se certificar de que tinha morrido. Vinte minutos depois, apavorado, abriu os olhos devagarinho, e andou o mais rápido que pode com a perna ferida por 3 quilômetros, até ser socorrido na favela do Turano.

Thiago, pai de Mateus assassinado pela PM: “Foi muita maldade o que fizeram com meu filho”

Hoje ele vem de bicicleta até a casa dos pais do menino morto quando algum jornalista se interessa pela história. Por ser testemunha-chave do caso, seu advogado pediu proteção para ele mas a que lhe foi proposta implicava em mudar de estado e de vida. “Ele está em uma situação muito complicada. A proteção policial tem que ser feita na casa dele e ele precisa de ajuda financeira”, diz seu advogado, Fábio Conti.

Mas quando uma jornalista pergunta se ele realmente quer ser protegido pela polícia, o menino de 15 anos se cala, sem saber o que responder. Confiar na polícia é a última coisa que passa pela cabeça dele mas não lhe restam muitas opções. Somente o Estado – polícia, justiça, serviço social, assistência psicológia – pode ajudá-lo a superar o trauma.

Por enquanto os cabos da PM, acusados pelo crime, Fábio Magalhães Ferreira, 35 anos, e Vinícius Lima Vieira, 32, estão presos temporariamente (por 30 dias) desde o dia 18 de junho na unidade prisonal da corporação. O delegado Rivaldo Barbosa garante que a investigação continua para averiguar se os policiais costumavam praticar esse tipo de execução. A tranquilidade com que atuaram faz lembrar as denúncias feitas por Marcelo Freixo e outras pessoas no documentário de Mikkel Keldorf  “O preço da Copa”, sobre a existência de esquadrões da morte pagos por comerciantes do centro do Rio de Janeiro.

No dia 7 de julho, a polícia fez a reconstituição do crime no Morro do Sumaré. Na ocasião, foi incluída uma nova informação do depoimento de M., a presença de um terceiro jovem na viatura da polícia no dia do crime, que teria sido libertado ao chegar perto do morro, antes da execução de Mateus. Segundo o delegado Rivaldo Barbosa, a Delegacia de Homicídios está tentando localizar esse terceiro garoto.

Até agora, nenhuma autoridade se comunicou com a família que, no entanto, está decidida a não se calar. “É muita maldade o que fizeram com o meu filho”, diz o pai, Thiago Virgínio dos Santos. A mãe não queria falar com os jornalistas mas acabou dizendo algumas palavras sobre o filho mais velho, um menino calmo, carinhoso e bom aluno. “Nunca repetiu de ano”, diz, olhando os livros e cadernos arrumadinhos embaixo da TV na sala onde dormia com o irmão.

Na capa dos cadernos, uma foto de crianças sorridentes e a frase: “Rio 2016, um outro futuro começa agora”.

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