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Entrevista

“O discurso do ódio estava presente desde 2010, se viu nas eleições municipais e voltou com força em 2014”

Coordenadores da campanha digital de Marina Silva reavaliam a campanha e vaticinam: o discurso de ódio nas redes está nas lides do PT

Entrevista
22 de junho de 2015
15:06
Este artigo tem mais de 9 ano
Stephanie Jorge. Foto: Reprodução/Linkedin
Stephanie Jorge. Foto: Reprodução/Linkedin

A dupla Caio Túlio Costa e Stephanie Jorge coordenou a campanha de Marina Silva (PSB) nas redes durante a difícil disputa eleitoral de 2014. Stephanie, com ampla experiência em marketing digital e campanhas online, foi a responsável pelas redes sociais da candidata, enquanto o jornalista e escritor Caio Túlio, que traz na bagagem 21 anos na Folha de S.Paulo, onde foi o primeiro ombudsman do país, e a fundação da Revista da Folha e do UOL, foi o responsável pela mídia digital.

Respondendo à Pública conjuntamente e por email, ambos fizeram uma avaliação da campanha do ano passado, apontando para o “jogo sujo” – segundo eles, cometido apenas pelos adversários. Para eles, o discurso do ódio não foi uma novidade dessa eleição, mas tem se tornado uma característica cultural do nosso debate político online: “Este discurso mais agressivo – e muitas vezes de ódio – está presente na rede, nas manifestações de rua, nas manifestações sindicais, nas manifestações dos movimentos sociais. Virou uma questão político-cultural e, acreditamos, sua existência está nas lides do PT – talvez em reação ideológica a um contradiscurso que já em si também tinha os germes deste ódio”.

Caio Túlio Costa. Foto: Reprodução/caiotulio.com
Caio Túlio Costa. Foto: Reprodução/caiotulio.com

Como vocês avaliam a campanha da Marina Silva na internet? Qual foi o peso da campanha online dentro da estratégia mais ampla de campanha?

Em 2010, nós também estávamos à frente da comunicação da campanha de Marina Silva. Foi lá, há quatro anos, que, devido às circunstâncias impostas – partido e candidata desconhecidos, pouco dinheiro, menos de um minuto e meio de TV –, a internet foi escolhida como mídia prioritária, e as redes sociais definidas como principal canal de concentração de energia da campanha. A partir daí, “surgiu” o fenômeno Marina Silva e internet, a Obama da América Latina. Os demais candidatos não deram a menor importância para o movimento das redes, que até então engatinhavam no Brasil. Trataram a campanha digital de maneira pró-forma. Dilma terminou 2010 com o seguinte tuíte: “Amigos, muito legal ser tão lembrada no twitter em 2010, Logo eu, que tive tão pouco tempo p/ estar aqui c/ vcs. Vamos conversar mais em 2011”. O próximo post da presidente só viria três anos depois, já na pré-campanha de 2014. Ou seja, a internet só servia quando precisasse de votos…

Em 2010, Marina foi inovadora no uso das mídias sociais – em especial no Twitter, quando criou o primeiro tuitaço na internet – por sugestão de um eleitor – e no uso do então Orkut para dialogar com as comunidades evangélicas. Foi também inovadora no uso da plataforma mais amigável de captação de doações online – criada em tempo recorde.

Em 2014, com uma equipe maior no online – por volta de 35 pessoas em 2014 contra onze em 2010 –, o foco no online foi uma campanha propositiva, transparente, dialógica e presente nas maiores mídias disponíveis: site, TV 40 – ao vivo e sob demanda –, Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp. Do ponto de vista da estratégia, a internet foi usada como instrumento de diálogo com os eleitores, além de ser fundamental para falar com o público jovem. Em termos de recursos, só esteve atrás da produção audiovisual – que também foi fartamente usada na internet aliada à produção própria para a web, como as transmissões diárias ao vivo – tivemos no mínimo uma transmissão por dia com picos de até cinco transmissões – e material sob demanda que ia se acrescentando à base de dados da TV conforme os eventos se sucediam.

De maneira geral, qual foi o peso das campanhas e do debate online para os rumos da eleição? Quais foram os momentos decisivos?

No caso de Marina Silva, a internet sempre foi importante, escolhida como mídia mais adequada tanto pelo diálogo que proporciona quanto pelo custo – mais barato que a TV – e pelo tempo ilimitado contra as limitações de tempo de TV. A campanha de Marina em 2014 era, antes, a campanha de Eduardo e Marina. Tentávamos dar a mesma atenção para os dois perfis em cada uma das redes. A ideia era trazer o reconhecimento digital que Marina havia adquirido organicamente nos últimos quatro anos para Eduardo, que estava debutando na internet. Era uma tarefa difícil. Marina tinha a causa da sustentabilidade colada ao seu discurso e à sua pessoa. Ter uma causa faz toda a diferença na conquista e no engajamento nas redes.

Momentos decisivos, para o mal e para o bem: 1) quando Eduardo participou do Jornal Nacional e bateu todos os recordes de menções na rede; 2) quando houve o acidente que matou Eduardo Campos; 3) quando o site e as redes entraram em luto pela morte de Eduardo; 4) quando fomos alertados pelo Facebook de que Marina era o perfil de político que crescia em segundo lugar em todo o mundo, atrás apenas do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi; 5) quando Marina corrigiu o posicionamento relativo à questão homossexual no seu programa de governo; 6) quando o portal Terra mostrou que o site de Marina tinha quase o dobro de acessos dos adversários, e isso provocou ataques ao site de Marina durante dias, que resultaram na sua queda durante algumas horas;  7) quando o ator Mark Ruffalo dialogou com Marina no Twitter; e 7) em discursos pontuais de Marina, como quando ela clamou “Dilma: fique ciente…”.

A campanha de Marina foi alvo de uma série de boatos e ataques nas redes sociais. Sua avaliação é que houve um tom mais agressivo nesta campanha? Que elementos novos podem-se perceber na “campanha negativa” e da “campanha de guerrilha” em 2014?

A determinação do PT em “desidratar” ou “desconstruir” a candidata Marina se fez na própria internet, dada a facilidade do uso do anonimato, pseudônimos e robotização nas redes. Marina foi vítima da mais sórdida campanha de boatos que se pode fazer online, na televisão e no boca a boca. Reagiu exatamente como reage quem prega uma nova forma do fazer político: nunca usou os mesmo método para contra-atacar, nunca usou mentiras, nunca usou robôs. A “guerrilha” estava na prontidão para desfazer os boatos e solicitar aos multiplicadores em rede – em especial via grupos WhatsApp, além do reforço no FB e no TW –, que respondessem aos boatos, mas sempre de forma propositiva, sem cair na armadilha dos adversários com contra-ataques de igual teor.

Diferentemente de 2010, quando Marina não apresentava grande ameaça, em 2014 a candidatura do PSB apareceu com muita força. E isso despertou muitos “malfeitos” contra Eduardo e, logo depois com mais força, contra Marina Silva. Tudo porque ela se mostrou uma opção fortíssima quando alçada à condição de candidata com a morte repentina e prematura de Eduardo.

Marina Silva foi, por outro lado, acusada de utilizar robôs em sua campanha, entre diversas outras acusações semelhantes feitas por todos os partidos. Havia fundamento nisso?

Nenhum fundamento por parte da campanha de Marina. Não usamos, nunca usamos e nunca usaremos robôs para mascarar resultados ou atacar adversários. Ao contrário: robôs foram criados como se fossem da campanha de Eduardo/Marina no Twitter para sugerir que a campanha engodava os seguidores com o uso de robôs – o que foi desmascarado por nós quando provamos que fomos nós que pedíamos ao Twitter para investigar o movimento anormal no Twitter da Marina. Mais um jogo sujo dos adversários.

Alguns dos sites e influenciadores que hoje comandam o discurso de direita nas redes já estavam presentes nas eleições. Era perceptível o aumento da mobilização de direita?

O discurso do ódio estava presente desde 2010, se viu em 2012 nas eleições municipais e voltou com força em 2014. É parte integrante tanto do PT, das esquerdas, da centro-esquerda (PSDB) e da direita. É um dado cultural cuja nascente remonta ao começo da atuação do PT na rede. Foi copiado pelos partidos – principalmente pelo PSDB – e pelo que, imaginamos, você está chamando de direita.

A temperatura do debate eleitoral influenciou no fenômeno que se seguiu meses depois nas redes, com um pico em março-abril de 2015, e cuja marca foi a proeminência do discurso de direita, algumas vezes beirando o discurso do ódio?

Este discurso mais agressivo – e muitas vezes de ódio – está presente na rede, nas manifestações de rua, nas manifestações sindicais, nas manifestações dos movimentos sociais. Virou uma questão político-cultural, e, acreditamos, sua existência está nas lides do PT – talvez em reação ideológica a um contradiscurso que, já em si, também tinha os germes deste ódio. É algo que precisa ser investigado e mais bem analisado. As facilidades de comunicação na internet é que permitem a proliferação e amplificação tanto de boas ideias quanto de discursos como o do ódio.

Façam uma autoavaliação sobre a campanha eleitoral de 2014 nas redes. O que vocês acreditam que teve um impacto negativo sobre o debate político? O que fariam diferente?

Não faríamos nada diferente. Como diz a Marina Silva, nós perdemos ganhando. Aí está a gestão de Dilma provando que tudo o que ela negou e criticou nos adversários, ela está praticando agora – e sem credibilidade. Acreditamos ser possível trabalhar as redes de forma propositiva, sem ódios, sem boatos, sem mentiras e com total transparência. Fazer política de forma nova é assim. Um dia vai dar certo.

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