Em discurso para mais de 70 mil camponesas, que se reuniram em Brasília na Marcha das Margaridas, na quarta-feira (12), a presidente Dilma Rousseff declarou que “enverga, mas não quebra”, recitando o verso da música de Lenine. Para não ter seus projetos políticos rompidos pelas mãos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a petista se viu obrigada a fazer aquilo que sempre resistiu: entrar para valer no jogo político, tarefa para a qual nunca teve paciência. Ainda envergada, Dilma saiu do isolamento, reuniu em torno de si lideranças do Congresso, oficializou sua união com o presidente do Senado e recebeu afagos do ex-presidente Lula e de movimentos sociais. Viu a temperatura política baixar em Brasília às vésperas da realização das manifestações pró-impeachment e pró-renúncia, marcadas para o domingo (16).
Os primeiros passos para a saída do isolamento foram dados na sexta-feira da semana anterior (7), quando o jornal O Globo, pertencente ao maior grupo de comunicação do país, chamou em editorial de insensatas as ações dos oposicionistas e de Eduardo Cunha, como a aprovação da chamada “pauta-bomba”, para afastar Dilma da Presidência. Cunha perdeu protagonismo para seu companheiro de partido, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que formalizou sua aliança com Dilma.
O senador passou a ser visto como o filho pródigo da base aliada da Casa, que poderá amenizar a “pauta-bomba” da Câmara. O retorno ao governismo do outrora irritadiço Renan veio no começo do mês. No domingo (9), Dilma se reuniu com 13 ministros e líderes do governo do Congresso no Palácio da Alvorada. Do jantar oferecido, nasceu um novo encontro.
Na segunda (10), os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, foram ao gabinete de Renan no Senado. Lá, o senador apresentou à equipe econômica da presidente a chamada Agenda Brasil, que consiste em uma série de sugestões, algumas delas polêmicas, para a retomada do crescimento, “muito além do ajuste fiscal”.
As propostas, divididas inicialmente em três grandes eixos – Melhoria do Ambiente de Negócios, Equilíbrio Fiscal e Proteção Social –, propõem regulamentar a terceirização, revisar os “marcos jurídicos que regulam áreas indígenas, como forma de compatibilizá-las com as atividades produtivas” e “avaliar possibilidade de cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda”. O governo ainda avalia as medidas, que já enfrentam a resistência de Cunha, que as classificou como “espuma”.
Nas votações da semana, Dilma conseguiu uma trégua no Congresso. A Câmara concluiu a votação da PEC que prevê o reajuste dos salários de delegados federais, civis e advogados da Advocacia-Geral da União (AGU) – primeiro item da “pauta-bomba”. O único destaque proposto, que também vinculava os salários de auditores fiscais e do trabalho aos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal, foi rejeitado. A aprovação dessa emenda, segundo o Ministério do Planejamento, representaria um impacto de R$ 9,9 bilhões por ano nas contas do governo federal. Votações como a constitucionalização das doações eleitorais de empresas para partidos, em segundo turno, e a tipificação de crime de terrorismo, proposta pelo governo, também foram aprovadas pela Casa.
Dilma teve outro alívio: nesta semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) estendeu o prazo para o julgamento da prestação de contas do governo relativas a 2014. A corte concedeu mais 15 dias para a presidente explicar pontos ainda não esclarecidos a respeito dos gastos públicos do ano passado. Em jogo, as chamadas “pedaladas fiscais”, artifício contábil do governo para garantir a execução de programas sociais e cumprir meta de superávit (economia para o pagamento de juros da dívida pública). A eventual rejeição das contas de Dilma abre caminho para processo de impeachment da presidente no Congresso, como querem alguns setores da oposição.
A presidente também pode comemorar duas decisões na Justiça. Na quinta-feira pela manhã, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspendeu o julgamento da ação do PSDB que pede a cassação do mandato da presidente e do vice, Michel Temer. Na abertura da sessão, os ministros Gilmar Mendes e João Otávio Noronha se manifestaram pela abertura da investigação, mas um pedido de vista de Luiz Fux adiou a votação por tempo indeterminado.
À noite, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir, por meio do ministro Roberto Barroso, que o julgamento das prestações de contas dos presidentes deve ser feito em sessão conjunta do Congresso, e não em votação em casas separadas. A decisão representou uma derrota para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que submeteu a votação, na semana anterior, quatro contas dos ex-presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula, numa manobra para deixar a pauta aberta para a análise de uma eventual rejeição de contas de Dilma no TCU.
Outra boa notícia para a presidente foi a volta do apoio público de seu padrinho político. No final do último semestre, Lula chegou a afirmar que a presidente estava “no volume morto”. Agora, na latência da crise política, o ex-presidente retomou a comunicação com os movimentos sociais e lideranças no Congresso – duas áreas em que tem habilidade como poucos no país.
No evento de abertura da Marcha das Margaridas, na terça-feira (11), o petista defendeu Dilma de peito aberto: isentou-a de culpa pela crise econômica e desafiou a oposição ao dizer que viajará pelo país, a partir de agora, para fazer a defesa do governo. Um sinal de que está disposto a entrar na corrida eleitoral de 2018 para tentar voltar ao Planalto.
A estratégia petista de se reaproximar de movimentos sociais surtiu efeito. “Não há ninguém que possa ameaçar o processo de construção democrática deste país”, discursou Lula no evento. Afinadas com o discurso do ex-presidente, milhares de “margaridas”, mulheres do movimento campesino, caminharam do Estádio Mané Garrincha até o Congresso Nacional. De lá, viraram as costas para a Câmara e entoaram: “Viemos pedir a cabeça do Cunha” e “Pisa ligeiro, pisa ligeiro! Quem não pode com mulher, não assanha o formigueiro”. Mas também cantaram que não engolem o ajuste fiscal de Levy, um recado claro de que o apoio a Dilma não é incondicional.