Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Checagem

6 blefes e meias-verdades sobre o pré-sal

Checamos frases de seis senadores no debate que antecedeu a aprovação do projeto 131/2015, de José Serra (PSDB-SP), que tirou da Petrobras a obrigatoriedade de explorar 30% do pré-sal no país

Checagem
26 de fevereiro de 2016
13:52
Este artigo tem mais de 8 ano

“Aos que criticam o projeto por entendê-lo como uma simples facilitação a empresas estrangeiras, quero alertar sobre o conteúdo do art. 12 da Lei nº 12.351, que remete ao Conselho Nacional de Política Energética a possibilidade de propor que a Petrobras seja contratada diretamente pela União para exploração e produção de petróleo, sob o regime de partilha de produção, sempre que a preservação do interesse nacional assim o exigir. Assim, sempre que o interesse nacional estiver em jogo, continuará sendo possível dar prioridade à Petrobras.” – Lúcia Vânia (PSB-GO)

ta certo f laranja

A afirmação da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO) está correta, só que não há qualquer garantia de que isso aconteça no futuro. O artigo 12 da Lei nº 12.351 diz que a Petrobras será contratada pela União sempre que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) alegar a necessidade de preservação do interesse nacional ou de atendimento da política energética. Isso traz, contudo, dois problemas. O primeiro é a composição do CNPE, que mudará sempre que houver um novo presidente, por exemplo. O segundo ponto é a capacidade de a Petrobras fazer esses investimentos no momento em que isso for exigido pelo conselho.

O CNPE é composto por 14 integrantes. Desses, nove são ministros, três são nomeados pelo presidente da República, com mandato de dois anos renovável por mais dois – um representante dos Estados e do Distrito Federal, um representante da sociedade civil especialista em energia e um representante da universidade brasileira, também especialista no tema –, outro é o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o outro é o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia. Isso significa que a composição do CNPE sempre reflete o perfil de quem está no poder e, portanto, está sujeita a diferentes interpretações sobre o que é “preservação do interesse nacional” ou o que é prioridade para “atendimento da política energética”.

A outra questão tem a ver com a própria situação financeira da Petrobras. Hoje, a empresa tem uma dívida bruta que, no terceiro trimestre do ano passado, atingiu R$ 506,5 bilhões. Isso afeta a capacidade de fazer novos investimentos e de explorar novos campos, como os do pré-sal. Ao mesmo tempo, o pré-sal pode ajudar a Petrobras a se recuperar financeiramente. Como o projeto aprovado no Senado tira da empresa a obrigatoriedade de participar na exploração, ela pode ser substituída por concorrentes em um momento delicado. E o próprio CNPE pode optar por não propor a sua contratação enquanto a situação financeira da empresa estiver ruim. Ou seja, vários dos novos campos do pré-sal poderão ser licitados para outras empresas e, mesmo depois de se recuperar, a Petrobras estará excluída da exploração nessas reservas.

“O pré-sal foi descoberto em 2006, e, agora, em 2016, já estamos, pelo pré-sal, produzindo quase um milhão de barris/dia. Depois de 10 anos, nem 10 anos completos, já estamos produzindo um milhão de barris/dia. E o pré-sal é a principal fonte de lucro hoje da Petrobras.” – Gleisi Hoffmann (PT-PR)

não é bem assim f laranja

O pré-sal nunca atingiu a produção de um milhão de barris por dia, segundo os dados mais recentes da Petrobras. De acordo com a empresa, a extração média, em 2015, foi de 767 mil barris por dia, muito longe do 1 milhão apontado pela senadora.

Conforme avançam os trabalhos na região, entretanto, o volume de petróleo retirado desta camada tem crescido. No ano passado, a produção no pré-sal cresceu 56% em relação a 2014. O recorde diário registrado até hoje na região foi de 942 mil barris por dia, em dezembro de 2015, e é possível que em 2016, como aponta a senadora, chegue-se à simbólica marca de 1 milhão de barris por dia.

De toda forma, o montante corresponde a menos da metade da produção de petróleo da estatal, o que invalida o argumento que a camada é a principal fonte de lucro da Petrobras. A empresa foi procurada pela reportagem, mas se limitou a dizer que não comenta a participação do pré-sal em seus lucros.

“O custo da Petrobras na extração do petróleo do pré-sal não é de US$ 8, senadora [Gleisi Hoffmann]. Eu fiz o cálculo do custo médio do barril de petróleo no ano passado, de janeiro a setembro, que é, em boa medida, fora do pré-sal, onde tende a ser mais barato, porque o pré-sal é uma região mais difícil, águas profundas. O custo médio da Petrobras por barril foi de US$ 32.” – José Serra (PSDB-SP)

blefe m laranja

Em seu discurso, o senador José Serra (PSDB-SP) acusou colegas petistas de usarem dados fornecidos por sindicalistas e que apontariam o custo de US$ 8 por barril no pré-sal. O tucano não explicou como fez a conta para refutar o preço, ou mesmo que base de dados utilizou. Como pontuou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), os US$ 8 são o valor oficial da própria Petrobras, não de sindicatos. Segundo a companhia, enquanto o custo de extração do pré-sal é de US$ 8 dólares por barril, a média nacional é de US$ 14 dólares – bem abaixo dos US$ 32 apontados pelo senador paulista.

Além disso, a base da argumentação de Serra é que, por ser de difícil acesso, o pré-sal necessariamente produzirá um petróleo caro. Conforme contra-argumentou Hoffmann e como têm dito representantes da Petrobras, é a quantidade que reduz os preços de produção na região. No final de 2015, 10 anos após a descoberta, o pré-sal chegou ao recorde de 942 mil barris por dia, ou cerca de 41,5% da produção total da companhia.

“Como o Brasil vai cumprir as metas do Plano Nacional de Educação se parte dele se prevê com investimentos saídos do pré-sal? E a Petrobras não tem condições.” – Cristovam Buarque (PPS-DF)

ta certo m laranja

A crise institucional que afeta a Petrobras, causada pelas investigações da operação Lava Jato, a queda no preço do barril de petróleo e a enorme dívida da empresa são fatores que comprometem a capacidade de investimento em novas jazidas do pré-sal. A preocupação do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), por isso, tem fundamento. Mas o investimento de outras empresas no pré-sal também não é suficiente para garantir o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

O programa prevê a elevação crescente dos gastos públicos em educação, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), até 2024. De acordo com o texto, o Brasil deverá investir 7% do PIB nessa área até 2019. Em 2024, o porcentual deve chegar a 10%. É uma meta ambiciosa, que depende de múltiplos fatores para ser atingida. Em 2013, o porcentual do PIB gasto com educação havia atingido 6,6%. Estaria, portanto, perto de alcançar a meta definida para 2019 no PNE. Isso, contudo, já pode ter mudado.

Os royalties do pré-sal são apenas uma das receitas que podem ajudar a alcançar esse objetivo. E as flutuações do preço do barril do petróleo têm influência direta nisso. Hoje, a cotação está em cerca de US$ 36. Em junho de 2014, época em que o PNE foi sancionado, chegou a ser três vezes maior (US$ 112). Em outubro do ano passado, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que a queda no preço do petróleo reduziria pela metade a destinação de recursos prevista para um fundo dessa área.

A própria arrecadação é outro fator importante a ser levado em conta, uma vez que a Constituição determina a destinação de um porcentual fixo para essa área (18%). A queda na arrecadação e o ajuste fiscal podem impossibilitar a destinação de um valor maior para essa área, que ajudaria a cumprir as metas do PNE.

“[A Petrobras] não está acabada, ela não está falida, ela teve lucro operacional. E graças a quê? Graças à exploração do pré-sal.” – Vanessa Grazziotin (PCdoB – AM)

blefe f laranja

Embora o pré-sal tenha participação crescente no volume de petróleo produzido pela Petrobras, é equivocado atribuir a ele o lucro operacional atingido pela estatal. Em dezembro de 2015, por exemplo, a empresa produziu em média 2,27 milhões de barris por dia – incluídas outras fontes no Brasil e no exterior. Mesmo considerando o recorde de produção do pré-sal em 2015, atingido em dezembro, de 942 mil barris por dia, isso corresponde a apenas 41,5% da produção da Petrobras no mesmo período.

De fato, o lucro operacional da empresa cresceu quando a exploração do pré-sal começou a ganhar mais robustez, atingindo R$ 28,635 bilhões entre janeiro e setembro de 2015 – um aumento de 149% em relação ao mesmo período de 2014, segundo apontam os resultados consolidados da empresa no terceiro trimestre do ano passado. Porém, o cálculo do montante e a comparação entre os dois períodos leva em conta outros fatores, como a produção de gás natural e, principalmente, a forte subida da cotação do dólar.

“O WikiLeaks assegurou (…) que o senador Serra havia prometido acabar com o sistema brasileiro, que havia prometido a empresas estrangeiras e à embaixadora americana.” – Roberto Requião (PMDB-PR)

não é bem assim m laranja

A posição do senador José Serra (PSDB-SP) sobre o pré-sal, mencionada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), é citada em um telegrama enviado a Washington em 2 de dezembro de 2009, revelado pelo WikiLeaks durante o Cablegate. O texto do documento, contudo, menciona uma fonte secundária, que relata uma conversa que o parlamentar teria mantido com empresas da área do petróleo. Logo, não é possível assegurar com 100% de certeza que Serra tenha dito que acabaria com o sistema.

De acordo com o telegrama, a chefe de relações governamentais da Chevron, Patricia Pradal, atribuiu a seguinte frase ao tucano, falada em um encontro com representantes da indústria: “Deixa esses caras (do PT) fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta.” Serra estaria defendendo o modelo de concessões e se posicionando contra o modelo de partilha. O projeto 131/2015 flexibilizou o sistema de partilha, mas não o modificou.

Em nenhum momento o telegrama diz que Serra seria contrário ao pré-sal ou cita alguma conversa com a embaixadora americana – o que invalida a afirmação de Requião. O senador teria afirmado a outros parlamentares, segundo contaram representantes do Congresso a funcionários da embaixada, que era importante fazer emendas à lei, não contestá-la diretamente. Mais uma vez, não se trata de uma fonte primária.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Truco

Este texto foi produzido pelo Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública. Entenda a nossa metodologia de checagem e conheça os selos de classificação adotados em https://apublica.org/truco. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail truco@apublica.org e por WhatsApp ou Telegram: (11) 99816-3949. Acompanhe também no Twitter e no Facebook. Desde o dia 30 de julho de 2018, os selos “Distorcido” e “Contraditório” deixaram de ser usados no Truco. Além disso, adotamos um novo selo, “Subestimado”. Saiba mais sobre a mudança.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes