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Cruzamento de dados feito pela Pública mostra relação entre fraudes e falhas na atuação do Incra e o acirramento dos conflitos sociais e desmatamento na Amazônia

Reportagem
3 de maio de 2016
11:24
Este artigo tem mais de 8 ano

No ato de assinatura do Acordo de Paris, em 22 de abril, na sede da ONU em Nova York, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o desmatamento na Amazônia será erradicado até 2030. Mas dados recentes do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) indicam que o desmatamento zero é um grande desafio. Embora tenha recuado acentuadamente ao longo da década passada, o desmatamento na região parou de cair de maneira significativa e manteve-se numa faixa de 5.8 mil a 7 mil km2 entre 2009 e 2015 — apenas no ano passado a Amazônia perdeu uma área equivalente a 583 mil campos de futebol em cobertura vegetal.

E uma das razões para o freio no ritmo de queda é o desmatamento dentro de assentamentos de reforma agrária. Não por outra razão, o Ministério Público Federal (MPF) elegeu, em julho de 2012, o maior desmatador da Amazônia: o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Quatro anos depois, no início deste abril de 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) pediu a paralisação da reforma agrária no país, por irregularidades em quase 500 mil benefícios concedidos pelo órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Para entender melhor como é o trabalho do Incra na Amazônia Legal e investigar quais são os maiores desafios e limites da atuação do órgão, a Pública consultou diversos documentos produzidos por órgãos de controle e organizações da sociedade civil e entrevistou procuradores, funcionários do Incra, assentados e representantes de movimentos sociais da região. A reportagem compilou e cruzou bancos de dados. E a conclusão da investigação jornalística é que falhas e irregularidades do Incra acabam por alimentar conflitos violentos e impactam diretamente o desmatamento da região.

Um dos fatos identificados pela apuração é uma concentração de homologações irregulares de beneficiários de reforma agrária na Amazônia Legal. A Pública teve acesso a dados desagregados da última fiscalização feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e detectou que os estados amazônicos são campeões de homologações indevidas: das dez superintendências do Incra que mais concentram irregularidades na história, apenas uma não está na região amazônica. Com essa prática, o Incra vem regularmente cedendo lotes de reforma agrária a um público sem perfil para recebê-los (como funcionários públicos, políticos, empresários, pessoas de renda elevada etc.), e isso é mais frequente na Amazônia Legal.

Atuação do Incra pode estar ligada a acirramento de conflitos e desmatamento na Amazônia Legal (Foto: Ascom/Terra de Direitos)
Atuação do Incra pode estar ligada a acirramento de conflitos e desmatamento na Amazônia Legal (Foto: Ascom/Terra de Direitos)

Os dados do próprio Incra mostram também um processo acentuado de criação de assentamentos nos anos 2005 e 2006. O Incra nunca criou assentamentos para tantas famílias na região amazônica em toda a sua história como nesse período. Segundo fontes ouvidas pela Pública, esse fato pode estar ligado ao cumprimento das metas do segundo Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que vigorou entre 2003 e 2007. As homologações irregulares na Amazônia também se concentram no biênio 2005-2006, e os dados analisados na reportagem mostram as consequências dessa alta de criação de assentamentos sem rigor técnico.

A pressão para o atingimento de metas e as irregularidades detectadas pelos órgãos de controle podem estar na origem da alta da participação dos assentamentos no total de desmatamento na Amazônia. O desmatamento caiu 77% na região entre 2004 e 2011. Entretanto, dentro dos assentamentos de reforma agrária, os índices não acompanharam a queda com a mesma intensidade. Isso fez com que sua participação no desmatamento total na Amazônia Legal crescesse a partir da última década.

A Superintendência do Incra em Santarém é um exemplo desse caos fundiário gerado pelas homologações indevidas realizadas em assentamentos criados sem rigor técnico.

“Encontrei um quadro catastrófico”, diz ex-superintendente do Incra em Santarém

O ex-superintendente, Claudinei Chalito, deparou-se com conflitos e irregularidades durante sua gestão (Foto: Ascom/Incra)
O ex-superintendente, Claudinei Chalito, deparou-se com conflitos e irregularidades durante sua gestão (Foto: Ascom/Incra)

Com uma década de experiência no Incra como servidor de carreira, o engenheiro agrônomo Claudinei Chalito da Silva topou abrir mão de um cargo de diretoria no Incra do Paraná para assumir, em setembro do ano passado, uma das superintendências mais problemáticas de todo o Brasil: a SR-30, sediada em Santarém, no Pará.

Chalito vibrou com a ideia de pela primeira vez comandar um núcleo regional do Incra, mas sabia que era um desafio. Seu antecessor no cargo, Luiz Bacelar Guerreiro, que geriu a Superintendência entre novembro de 2012 e agosto de 2015, havia saído do cargo preso na Operação Madeira Limpa, da Polícia Federal. Segundo o MPF, Bacelar permitia que empresários explorassem ilegalmente os assentamentos de reforma agrária e unidades de conservação na região. O prejuízo aos cofres públicos chega, no mínimo, a R$ 31,5 milhões, segundo a PF.

O legado da gestão Bacelar, porém, era só uma parte dos problemas que Chalito tinha pela frente. “Encontrei um quadro catastrófico. Se for colocar uma escala de gravidade, eu diria que de 0 a 100, chegou bem perto de 100”, resume.

A Operação Madeira Limpa, deflagrada em 2015 pela Polícia Federal, desmantelou um esquema de exploração ilegal de assentamentos (Foto: Reprodução/Youtube)
Deflagrada em 2015 pela PF, Operação Madeira Limpa em Santarém desmantelou um esquema de exploração ilegal de assentamentos (Foto: Reprodução/Youtube)

“Encontrei muitos conflitos internos entre servidores, um clima bem tenso. Havia uma enorme quantidade de processos de criação de assentamentos feitos de forma irregular que estavam, inclusive, na mesa do superintendente só esperando fazer o despacho. Tive de barrar vários processos por vícios em outras etapas. Havia mais de 12 mil beneficiários bloqueados após uma fiscalização feita pela CGU no ano passado. Mais de 15 convênios estavam paralisados por falta de parecer técnico, prestação de contas. Havia irregularidades em praticamente todos os assentamentos, eram bem poucos os que não tinham problemas graves de reconcentração de terra, com ‘fazendeiros’ dentro deles, o que gerava muito conflito e extração ilegal de madeira. Muitos casos de sobreposição de assentamentos com terras indígenas, unidades de conservação ou até outros assentamentos por falta de rigor técnico no processo de criação. Havia mais de 9 mil famílias que moravam em área de várzea, literalmente dentro dos rios, onde o Incra não conseguiu levar créditos de apoio e fomento”, relata o ex-superintendente.

Chalito parece se cansar. Ele retoma o fôlego antes de concluir. “Você precisaria multiplicar aquela superintendência por mais de dez para resolver os problemas de lá. Tem muitos conflitos em que há risco de morte ali dentro, casos em que a floresta amazônica está se transformando em cinzas porque os madeireiros estão tomando conta. É uma região que não vai se estabilizar em cinco nem em dez anos”, conta.

A fábrica de “assentamentos de papel”

Em dezembro de 2007, quatro procuradores da República propuseram uma ação civil pública contra a Superintendência do Incra em Santarém, a mesma que seria comandada por Chalito anos mais tarde. Na ação, os procuradores constataram que dois terços dos assentamentos da superintendência (144 de um total de 218) haviam sido criados somente nos anos de 2005 e 2006. Esses assentamentos abrigavam 70% das famílias beneficiárias da reforma agrária na região, mais ou menos 51 mil. À época, esse número era equivalente à população da cidade de Santarém distribuída em uma área do tamanho do estado da Paraíba.

O conluio com os madeireiros, escancarado anos mais tarde na gestão Bacelar, já era apontado pelo MPF. Segundo a ação, a superintendência criou nesse período vários projetos de assentamento diferenciados, como PAEs e PDSs (Projetos de Assentamento Agroextrativistas e Projetos de Desenvolvimento Sustentável), em que é permitida a extração de madeira por práticas de manejo sustentável. Muitos desses assentamentos foram criados pela superintendência em área de floresta primária para um público sem perfil de reforma agrária. Das cerca de 14 mil pessoas assentadas nos PDSs, apenas 5 mil teriam de fato o perfil para serem beneficiárias desse tipo de projeto. Entre as demais haveria pessoas ligadas às empresas madeireiras. “Os documentos apontam a ingerência do setor madeireiro no processo de criação de Projetos de Desenvolvimento Sustentável. Dos autos emerge a interferência direta do setor privado na destinação de terras públicas federais da ordem de 2.232.837 hectares, uma área equivalente ao estado de Sergipe”, relata a ação.

Para o MPF, o processo de criação massiva de assentamentos nesses dois anos também passou por cima de vários procedimentos técnicos necessários. “Todos os assentamentos na gestão do atual superintendente foram criados sem a emissão de licença prévia”, afirma, em letras maiúsculas, a ação do MPF. E 72% dos assentamentos também foram criados sem os laudos agronômicos, documentos que asseguram a adequação da área a um projeto de assentamento.

Trecho da ação judicial movida pelo MPF contra o Incra em 2007 (Foto: MPF)
Trecho da ação judicial movida pelo MPF contra o Incra em 2007 (Foto: MPF)

Os funcionários do Incra ouvidos na ação reconhecem as irregularidades em depoimentos. “A depoente dizia ao superintendente que faltavam peças técnicas, mas, como o agrônomo não as entregava, o superintendente dava ordem de publicar as portarias de criação”, diz a servidora Érica Luana Braga. “A procuradoria do INCRA foi omissa a todo momento […]”, relata, em depoimento ao MPF, o servidor Juliano Gallo, que apontou a criação de um PAC — o PAC Nova União – como exemplo de assentamento “criado sem nenhum parecer”. Outro documento, um memorando interno do Incra, afirma que a “criação acelerada de assentamentos no final de 2006, para cumprir as metas estabelecidas para a Superintendência em Santarém, fizeram com que estes assentamentos fossem criados sem que houvesse a devida atenção às áreas anteriormente destinadas à conservação”.

Fontes de vários setores (movimentos sociais, MPF, servidores do Incra) ouvidas pela Pública afirmam que esse processo de criação desenfreada de assentamentos também pode estar relacionado ao cumprimento das metas da segunda Política Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que vigorou entre 2003 e 2007. “É uma discussão que depois de dez anos a gente entende que tem três lógicas… Tinha uma lógica que era defendida pela gestão do Incra na época, que era a de ganhar as terras públicas não destinadas para a reforma agrária, mas tinha outra lógica que era a de atender financiamento de campanha, de dinheiro de madeireira. Teve áreas de reserva de madeira nobre em que os madeireiros chegaram a indicar onde seria feito o assentamento”, analisa um servidor do Incra ouvido sob anonimato que em 2006 já trabalhava no órgão. “Outra lógica também era fazer números com os movimentos sociais e com a PNRA.”

Há casos de várias criações de assentamento pela superintendência de Santarém no mesmo dia. Só em 27 de dezembro de 2006, foram criados 20 assentamentos, com uma área equivalente a 528.000 campos de futebol. Só nesse dia, o número de famílias cadastradas é o mesmo que a região Sul inteira assentou em todo o ano.

A ação do MPF foi acolhida pelo juízo federal em Santarém, ainda em 2007. Quatro anos depois, 106 assentamentos criados no período tiveram suas portarias canceladas ou ficaram interditados judicialmente, restringindo a ação do Incra nesses assentamentos.

“Foram criados muitos assentamentos na região nessa época sem licenciamento ambiental e sem o rigor técnico adequado. Mas, quando houve a interdição, os problemas naqueles assentamentos foram crescendo. Os madeireiros foram tomando conta das áreas e o desmatamento e os conflitos se avolumaram demais”, relembra o ex-superintendente Chalito. “O desmatamento ali era descomunal, com queimadas enormes. No mês de novembro, depois que eu fui para lá, a gente sentia o cheiro da fumaça de dentro do Incra. De noite e de madrugada era sufocante aquilo. Houve muita ameaça desses grandes posseiros ligados aos madeireiros, expulsão de beneficiários legítimos. Fora a pobreza com que essas famílias das áreas interditadas tiveram que conviver sem o apoio do Incra. Algumas até abandonaram os lotes. E a gente estava de mãos atadas.”

Dez anos depois, nenhum assentamento criado entre 2005 e 2006 chegou à fase final de desenvolvimento, segundo os critérios do Incra. E eles são líderes de desmatamento na Amazônia Legal.

Amazônia Legal, campeã de homologações indevidas 

O processo de criação de assentamentos da superintendência que Chalito assumiu é semelhante ao de outras regiões. Assim como em Santarém, as outras 11 superintendências do Incra na Amazônia Legal tiveram uma grande alta na criação de assentamentos de reforma agrária em 2005 e 2006. As retificações das portarias de criação de assentamentos também começaram a aparecer com frequência muito maior do que nos anos anteriores, ampliando ainda mais a capacidade dos assentamentos.

A alta nas criações foi acompanhada por um crescimento no número de beneficiários cadastrados de maneira irregular. A Pública teve acesso aos dados da última fiscalização feita pela CGU no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra). Os estados da Amazônia Legal são campeões de homologações indevidas: das dez superintendências do Incra que mais concentram irregularidades na história, apenas uma não está na região. Os anos com maior número de cadastros indevidos na relação de beneficiários são justamente 2005 e 2006.

Um acórdão divulgado em abril pelo TCU confirma que as superintendências do Incra na Amazônia Legal concentram o maior número de irregularidades. O órgão fez basicamente a mesma fiscalização feita pela CGU no fim do ano passado e determinou a paralisação do Programa Nacional de Reforma Agrária por ter identificado mais de 500 mil beneficiários irregulares.

Desmatamento na Amazônia mudou de perfil 

O ritmo do desmatamento na Amazônia Legal apresentou forte desaceleração a partir de 2004, com o início do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O PPCDAm, uma iniciativa conjunta de 15 ministérios, nove governos estaduais e 13 ONGs, centralizou seus esforços em atividades de monitoramento e controle ambiental. Nos primeiros anos do plano, o resultado foi um sucesso. O desmatamento caiu 77% na Amazônia Legal entre 2004 e 2011. Entretanto, dentro dos assentamentos de reforma agrária os índices não acompanharam a queda com a mesma intensidade. Isso fez com que sua participação no desmatamento total na Amazônia Legal crescesse a partir da última década. Uma avaliação da segunda fase do plano feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou o ordenamento fundiário como o principal gargalo a ser enfrentado no combate ao desmatamento na Amazônia Legal.

Desmatamento em assentamentos cai em ritmo menor que fora de assentamentos. Ao longo do últimos anos aumentou a participação dos assentamentos no total de área desmatada. (Fonte: IMAZON)
Desmatamento em assentamentos cai em ritmo menor que fora de assentamentos. Ao longo do últimos anos aumentou a participação dos assentamentos no total de área desmatada. (Fonte: IMAZON)

Esses assentamentos, que eram responsáveis por 18% do desmatamento da Amazônia em 2003, passaram a responder por 30% do total em 2014. Entre 2005 e 2011, houve uma alta de 13% na contribuição dos assentamentos para o desmatamento na região. Os dados são do estudo “Desmatamento nos assentamentos da Amazônia: histórico, tendências e oportunidades”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental na Amazônia (Ipam) e lançado em fevereiro.

O estudo também alerta para um desmatamento incomum dentro das áreas dos assentamentos. Segundo o instituto, o desmatamento compatível com as atividades dos beneficiários da reforma agrária seria de até 10 hectares por ano. Apesar desse parâmetro, “quase 72% da área desmatada dentro dos assentamentos está ocorrendo em polígonos maiores que 10 ha (21% em polígonos maiores que 50 ha). O fato de a maioria da derrubada de florestas dentro dos assentamentos ser feita em grandes blocos (polígonos) surge como um forte indicador do processo de reconcentração de lotes dentro dos assentamentos”, afirma o relatório.

Um dos fatores da maior participação dos assentamentos no desmatamento da Amazônia pode estar relacionado à falta de rigor técnico na atuação do Incra na região em 2005 e 2006. Na década de 1990 até 2004, o órgão homologava irregularmente 1.500 beneficiários em média. Nos dois anos seguintes, esse número subiu para 7 mil.

Ao longo do tempo, esses projetos com grande quantidade de irregularidades nos cadastros também registram um desmatamento mais intenso. Comparando projetos de tamanho semelhantes, o grupo de assentamentos com irregularidades apresentou taxas de desmatamento médio sempre maiores que nos assentamentos em geral.

Os prejuízos das irregularidades nas ações do Incra vão além do desmatamento. A exploração de madeira ilegal nos assentamentos da Amazônia Legal também se concentra nos projetos criados entre 2005 e 2006.

Um novo diagnóstico surge com crescente importância dos assentamentos de reforma agrária no desmatamento da Amazônia: o perfil do desmatamento mudou. Agora ele acontece em pequenos focos, distribuídos em áreas menores – com capacidade para escapar dos sensores instalados durante as primeiras fases do PPCDAm.

A partir de 2012, durante a terceira e última fase do plano, uma das principais funções do Incra seria reverter esse cenário. Para tanto, o órgão anunciou o Programa Assentamentos Verdes (PAV). O programa apoia práticas sustentáveis e continua com as ações de regularização, monitoramento e controle ambiental em aproximadamente 2.500 assentamentos. Em outra frente de trabalho, o Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) foi implementado para melhorar o processo de inclusão de beneficiários. Antes do Sipra, o procedimento era feito com menos controle. Hoje, é necessário incluir uma série de documentos no sistema, que é informatizado e unificado. No entanto, segundo o TCU, as irregularidades no cadastro de beneficiários ainda atingem aproximadamente 30% da base total.

Vítima da governabilidade

No último dia 29 de março, Chalito foi exonerado do comando da Superintendência Regional do Incra em Santarém. Segundo ele, sua saída estaria ligada ao recente desembarque do PMDB da base aliada do governo federal. “Minha saída veio no âmbito da crise institucional que nós vivemos. A gente tem informações de que o novo superintendente tem ligações com um deputado federal do município lá de Santarém, que é o deputado Francisco Chapadinha [PTN-PA]. Nesse arranjo de forças dos partidos saindo da base aliada e outros entrando, o meu cargo foi repassado nesse esforço de recompor o governo”, afirma.

Para atrair o PTN (Partido Trabalhista Nacional) e tentar recompor sua base às vésperas da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, o governo ofereceu o cargo a Adaías Gonçalves, ligado ao deputado federal Francisco Chapadinha (PTN-PA), o único deputado federal eleito por Santarém. A informação coincide com uma nota do jornal O Globo. Após a divulgação do acordo pela imprensa, Chapadinha negou que estivesse negociando seu voto. “Fui acusado de que votaria a favor da presidente em troca de cargos no governo federal, o que não é verdade. Todos os cargos que indiquei foram feitos desde o início do mandato e somente agora as indicações começaram a sair. Em nenhum momento me foi condicionado o apoio à presidente em troca de cargos”, afirmou o deputado em nota à imprensa paraense. Coincidência ou não, dois dias após o voto favorável de Chapadinha à admissibilidade do processo de impeachment pela Câmara, o governo exonerou Adaías Gonçalves. À frente da SR-30 está agora a servidora de carreira Elita Beltrão.

Em entrevista à Pública, a atual superintendente do Incra em Santarém afirma que o Incra trabalha para sanar os erros apontados pela reportagem. Com relação à ação civil pública dos “assentamentos de papel”, movida pelo MPF em 2007, ela afirma que a superintendência já constituiu um Grupo de Trabalho para regularizar os assentamentos denunciados. “Esse GT já revisou 12 processos de assentamentos citados na ação. Em sete desses 12 processos, os assentamentos já foram até desinterditados judicialmente. A ideia agora é continuar a revisão”, diz. Ela também realça que o órgão trabalha no combate ao desmatamento em assentamentos casando seu planejamento com o Programa Assentamentos Verdes. “Todo o nosso planejamento é para atuar nesses assentamentos em que houve denúncias de desmatamento, em que já houve supervisão ocupacional que identificou ocupantes irregulares que também promovem desmatamento”, garante.

Elita Beltrão também informa que o Incra trabalha para penalizar os envolvidos na antiga gestão Bacelar, acusada de corrupção pela Operação Madeira Limpa, da Polícia Federal. “Instalamos uma comissão para apurar o envolvimento tanto do Bacelar, quanto de outros servidores nessas ações de desmatamento, compra e venda de lotes e outras irregularidades. Há também uma ação penal aberta nesse sentido. Nós pautamos para este ano a supervisão ocupacional de todos os assentamentos que foram alvo de ações dessas pessoas que estão envolvidas na Operação Madeira Limpa. Estamos também reestruturando todas as diretorias da Superintendência”, ressalta. Segundo Elita, todos os procedimentos técnicos para a homologação de assentados e para a concessão de planos de manejo sustentável passarão diretamente pelo gabinete dela para haver mais controle dos procedimentos

A superintendente afirma, porém, que a SR-30 sofre com a falta de recursos. “A circunscrição da superintendência abrange 19 municípios. São mais de 50 mil famílias. Nós temos uma quantidade de servidores bem aquém a essa demanda. Desde 2012, nós estamos sofrendo com um contingenciamento muito grande de recursos. Boa parte das ações previstas não são realizadas por esses dois fatores”, protesta.

Exoneração “política” de Chalito motivou protestos  

Na manhã do dia 4 de abril, representantes de sindicatos, associações de moradores dos assentamentos de Santarém e movimentos sociais ocuparam a sede da SR-30 em protesto contra a exoneração de Claudinei Chalito. “A exoneração do Claudinei Chalito foi completamente sem critério. Nós tememos muito os acordos que estão por trás desta indicação política, que podem ter interesses de madeireiros, latifundiários, grileiros e mineradoras”, afirmou no dia Lígia Fernandes, representante de uma das associações de assentados. No dia 30 de março, quando foi publicada a exoneração de Chalito no Diário Oficial da União, mais de 60 organizações da região divulgaram uma nota de apoio à gestão dele.

Movimentos ocupam a sede da SR-30 em protesto contra a exoneração de Chalito (Foto: Ascom/Terra de Direitos)
Movimentos ocupam a sede da SR-30 em protesto contra a exoneração de Chalito (Foto: Ascom/Terra de Direitos)

“Fico feliz de ter deixado um GT de regularização fundiária junto com o MPF para rever a situação daqueles assentamentos que foram alvo da ação dos ‘assentamentos de papel’ e também que conseguimos formalizar a Ouvidoria Agrária Regional, que vai conseguir mapear melhor a questão da violência da região. Mas infelizmente fomos surpreendidos por essa exoneração”, afirma Claudinei Chalito, que retomará suas funções no Incra do Paraná.

Ascom/Incra

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