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Há 14 anos, Ricardo Bellino convencia Trump de que o mercado de luxo brasileiro era atrativo. Os negócios entre os dois não se concretizaram, mas assentaram novos projetos imobiliários do candidato no país, como as Trump Towers e o Trump Hotel, ambos no Rio

Reportagem
8 de agosto de 2016
12:22
Este artigo tem mais de 7 ano

(Reportagem especial em parceria com o site Chequeado, da Argentina

Ricardo Bellino tem 51 anos. Nos vídeos de suas palestras que tratam de empreendedorismo na internet o empresário carioca tem a desenvoltura e o carisma de um bom vendedor de ideias. Um “empreendedor serial” é como se define. Em junho, ele foi agraciado com o Troféu JK como personalidade Empreendedora do Ano, por ter contribuído de alguma forma para a sociedade. A premiação, no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, reuniu outros premiados como o cantor Carlinhos Brown e o lutador Minotauro. O troféu, banhado em ouro 24 quilates, traz uma menção honrosa da Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro ao vencedor.

De Miami, onde mora, o empresário criador da agência Elite Models no Brasil, que revelou a modelo Gisele Bündchen, explicou à Pública sua história de negócios com Donald Trump. “A história que nós construímos ficou muito maior do que os projetos, entendeu? A lenda dos três minutos nunca acabou. Esse negócio já dura 14 anos.” Atualmente, Bellino está envolvido na criação da Escola da Vida, uma academia de empreendedorismo “disruptiva e sem fins lucrativos”.

“Você tem três minutos”

Em 2002, durante visita à Trump Tower em Nova York, Bellino convenceu em apenas três minutos o bilionário norte-americano a investir no Brasil. “Quando cheguei no escritório, ele estava atordoado, cheio de problemas. Foi quando me lançou a sentença: ‘Olha, Ricardo, realmente não estou em condições e com humor para avaliar novas oportunidades de negócio, mas, já que você veio, you have three minutes!’”

Foi seu sócio John Casablancas, da Elite Models nos EUA, quem enviou uma mensagem a Trump, solicitando que o empresário recebesse Bellino para uma oportunidade de negócio imobiliário. Surpreso com falta de tempo de Trump, o brasileiro inverteu a lógica da conversa ao citar o consumo de Ferraris e bolsas Louis Vuitton. “Quando eu posicionei na mente dele que a marca Trump poderia ser alinhada a outras grandes de luxo, ele ficou muito envaidecido, o que abriu uma janela que o fez mudar de postura comigo”, avalia.

Primeiro encontro: Bellino e Trump em 2002 (Foto: Arquivo Pessoal)
Primeiro encontro: Bellino e Trump em 2002 (Foto: Arquivo Pessoal)

Do episódio que depois virou livro de sucesso You have 3 minutes! – Learn the secrets of the pitch from Trump’s original apprentice (em inglês, mas traduzido para diversos idiomas), surgiu a primeira parceria de negócios. “Nosso projeto inicial era para a elite”, conta Bellino. Em mente, a construção da Villa Trump, um resort de golfe na cidade de Itatiba, a 80 km de São Paulo, com pelo menos 500 membros exclusivos, além de um seleto grupo de 18 sócios fundadores que teriam 18 mansões – uma para cada buraco do campo, que seria assinado pelo lendário ex-jogador americano Jack Nicklaus, o maior vencedor de torneios major’s dos EUA. “O projeto arquitetônico do campo foi feito e pagamos ao Nicklaus US$ 1 milhão”, diz Bellino. Para os condôminos, o valor do título estava vinculado à compra do terreno de 5 mil metros quadrados ao custo médio de R$ 5 milhões por sócio.

Em artigo de 2004, o jornal The New York Times definiu o projeto como “um playground para os muito ricos” em um país que “um terço da população vive com menos de US$ 2 por dia”. Para concretizar o projeto, Bellino criou a empresa Trump Realty Brazil, da qual é o CEO, e captou num primeiro momento R$ 45 milhões de sócios como a família Meyerfreund, antiga controladora da Garoto e a família Depieri, dona do laboratório Aché, entre outros investidores. “Constituí um grupo de investidores para aquisição do terreno e para o pagamento do licenciamento do Trump. O fee inicial [espécie de taxa que se paga como remuneração de direitos ou serviços] foi de US$ 1 milhão para o licenciamento da marca, que ainda teria um percentual sobre o resultado final da operação”, afirma.

Trump Open Brasil

Enquanto o licenciamento ambiental da Villa Trump se desenrolava, foram se desenvolvendo ações de marketing “muito importantes”, explica o empresário. “Compramos os direitos do Aberto de Golfe do Brasil e, na época, fizemos uma parceria com a Traffic de marketing esportivo e realizamos duas edições da competição. A promoção estava muito forte. Todos esses processos foram caminhando.” A Traffic é a empresa de J. Hawilla, que virou um dos maiores empresários de marketing esportivo da América Latina e foi pivô da investigação do FBI que levou à prisão dirigentes da Fifa no ano passado.

Os torneios de golfe para promover a Villa Trump ganharam o nome de Trump Open, e foram realizados em São Paulo e na Costa do Sauípe, na Bahia, entre 2004 e 2005, com apoio do Ministério do Esporte e do governo federal. Como relata uma reportagem do UOL Esporte em 2004, Hawilla afirmou: “Agora vai acontecer uma revolução. O golfe vai cair no gosto do brasileiro. Antigamente, todo condomínio tinha uma piscina ou uma quadra de tênis. O futuro é o golfe”, disse.

A inauguração da Villa Trump, prevista para final de 2006, nunca aconteceu. O negócio emperrou, entre outros problemas, no uso do nome Trump. O grupo de investidores que havia se ampliado com o passar do tempo passou a questionar a marca. “Obviamente um questionamento desse no meio do caminho parece conversa de maluco, né? Negócio contratado, pago, assinado, anunciado. Nesse momento não havia hipótese de eu concordar com uma decisão dessas. Até porque eu fui o líder desse processo todo”, diz Bellino, que, ao final, deixou o negócio com um grupo de sócios investidores. “O que aconteceu é que, como ele, a marca não possui unanimidade. Houve questionamento se ele emprestaria todo aquele prestígio para o público elitizado que poderia ter preconceito ou algum tipo de reserva. Não era nada de fundo, era de forma. Era de conceito, de estilo, de imagem. De marketing”, afirma. Da concepção ao encerramento do negócio foram movimentados valores “próximos dos R$ 100 milhões”.

O terreno de Itatiba foi comprado em 2008 por outros investidores. “Você querendo ou não, a marca Trump tem valor enorme e um prestígio imenso. Não há dúvida do poder da marca. Como se mostrou depois, a decisão foi totalmente equivocada”, afirma.

Trump, explica o brasileiro, não entendeu o que aconteceu. Sobrou para Bellino levar a má notícia ao parceiro. “Me restou, como você pode imaginar, a missão de ser o porta-voz do apocalipse. No fim, nós ganhamos muito dinheiro para um projeto que acabou não sendo empreendido. Por decisões contrárias à nossa vontade e orientação, mas todos foram pagos e estavam satisfeitos. Ele recebeu US$ 1 milhão e uma rescisão do contrato; quer dizer, nenhuma decisão foi tomada ou teve consequências litigiosas. Todo mundo ficou feliz.”

Apoio ao candidato

A partir de 2010 Bellino criou outro fundo de investimentos, uma associação entre a Trump Organization e a Gold & Bell, também dele. A intenção era viabilizar novas oportunidades de negócio. “Por euforia do mercado, proprietários de terreno e hotéis me traziam oportunidades para que eu levasse a ele. Uma euforia do tipo ‘o patrão ficou maluco, vai comprar o Brasil'”, conta.

Segundo Bellino, foram oferecidas oportunidades de negócios imobiliários a Trump em várias regiões do país que, se somadas, “representariam alguns bilhões de reais”, afirma. “Efetivamente a gente acabou construindo muito mais uma história de empreendedorismo juntos. A gente concretizou um negócio de milhões de dólares, ganhamos milhões de dólares juntos de um projeto que não foi construído, mas ficou a relação de amizade”, pondera.

Sobre a candidatura de Donald Trump à presidência dos EUA pelo Partido Republicano, Bellino é assertivo. Ele se refere ao candidato como um sujeito “competitivo, inteligente, astuto e vaidoso”. Ao admitir apoio inequívoco ao republicano, ele afirma: “Trump está nessa disputa para ganhar. Ele testa e sente a reação e aumenta o volume quando percebe que o canal vai trazer resultado. Ele está fazendo o papel perfeito”.

No entanto, Bellino admite que recaem sobre ele algumas reclamações de amigos sobre as posturas polêmicas de Trump, quando, por exemplo, atacou a imigração ilegal e o México em discurso, afirmando que os vizinhos enviariam aos EUA “suas piores pessoas”, de “estupradores” a “traficantes”. Bellino argumenta: “Todo mundo chega pra mim com esse discurso: ‘Mas esse teu amigo, hem?’. Querido, desculpa, está bonito bater nele também? Eu já decidi que minha posição é completamente diferente, eu apoio o cara. E não posso não apoiar o sujeito, primeiro porque virou meu amigo. Segundo, ganhamos dinheiro juntos”.

 

Chequeado é uma organização dedicada à verificação do discurso que busca melhorar a qualidade do debate público na Argentina. Essa reportagem faz parte do projeto “Investigação e dados: Chequeado sem amarras”, que inclui mais de 12 reportagens a serem publicadas até o final de 2016 no site especial “Chequeado Investigación”, e que tiveram o apoio da Open Society Foundations (OSF). Essa reportagem transnacional teve a participação de Martin Sívak, do Panamá, Ariel Riera, de Buenos Aires, Thiago Domenici, do Rio de Janeiro e Sandra Crucianelli com os Panama Papers.

Crédito da foto em destaque: Divulgação

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