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Em entrevista, Manuel Zelaya, presidente deposto em 2009, diz que eleições de novembro passado foram roubadas e promete insurreição pacífica

Entrevista
23 de fevereiro de 2018
09:34
Este artigo tem mais de 6 ano

Após ter sido retirado de sua casa e do seu país durante uma madrugada de junho de 2009 por militares, o ex-presidente hondurenho José Manuel Zelaya cruzou a fronteira de volta e refugiou-se na embaixada brasileira durante quatro meses, episódio que o fez conhecido nacionalmente. Mas aquele era apenas o começo da sua trajetória como principal opositor do Partido Nacional de Honduras, que se mantém no poder no país centro-americano desde 2010.

Em 2013 sua esposa, Xiomara de Zelaya, foi candidata à Presidência – derrotada, segundo ele, por fraude nas urnas.

Agora, dois meses após mais uma conturbada eleição presidencial, Zelaya exige uma mesa de diálogo com Juan Orlando Hernández. O presidente foi recém-reeleito por causa de uma mudança na Constituição que permitiu, pela primeira vez, a reeleição presidencial – vale lembrar que Zelaya foi derrubado sob acusação de querer, justamente, buscar uma nova Constituição para poder se reeleger.

Durante a apertada contagem de votos, houve uma “queda” no sistema de contagem de votos, gerando suspeita na população. Dias depois, o Tribunal Supremo Eleitoral declarou a derrota do candidato da Aliança de Oposição contra a Ditadura, Salvador Nasralla, por 1,5% dos votos. A suspeita de fraude levou milhares às ruas durante o mês de dezembro, fazendo a Organização dos Estados Americanos (OEA) pedir nova eleição.

“Mesmo que haja um presidente, não o reconhecemos e não respeitamos sua autoridade”, disse Zelaya em entrevista ao jornalista Carlos Dada, do site El Faro, parceiro da Pública.

Hoje, é difícil imaginar Hernández caminhando nas ruas sem estar rodeado por um exército. Literalmente: em dezembro, a polícia de choque cruzou os braços e se negou a reprimir os manifestantes, cabendo ao Exército a tarefa. Já Zelaya tem caminhado junto com os manifestantes. Os militares o agrediram, atiraram gás lacrimogêneo, e Zelaya permanece imóvel. Segue com seu discurso popular e populista – mas de esquerda.

Zelaya admite que o oponente conta com o apoio dos Estados Unidos e do Exército, mas a Aliança, diz, conta com o povo. Leia a entrevista.

Vocês denunciaram uma fraude e se colocaram a tarefa de tentar evitar que o presidente tome posse para o segundo mandato. Afinal, Juan Orlando Hernández tomou posse, e tudo segue igual. E agora?

Estamos diante de vários crimes ou delitos: o primeiro é a usurpação do poder popular, que é o princípio da democracia. O segundo é a negação da busca da verdade, que seria determinar quem afinal ganhou as eleições. Para nós e para as pessoas que avaliaram o processo eleitoral, as eleições foram ganhas pela Aliança de Oposição Contra a Ditadura, encabeçada por Salvador Nasralla. O terceiro é impor o juramento de alguém que a própria OEA diz que não tem certeza de que tenha ganhado as eleições. E tem um quarto: já são mais de 42 pessoas mortas depois da fraude eleitoral e mais de cem detidas por protestar. Há um povo que está na rua exigindo justiça.

Qual é o plano agora? Vão seguir nas ruas?

O povo vai seguir nas ruas. As manifestações não violentas vão seguir e vamos seguir de forma permanente, o tempo que seja necessário, sem nenhuma outra condição a não ser a implantação de um sistema democrático no país.

Seu objetivo é agora se preparar para ganhar as eleições dentro de quatro anos ou que Juan Orlando Hernández não termine o seu segundo mandato?

O objetivo é a transformação do país. Para cumprir nosso objetivo, necessitamos ganhar as eleições. Ganhamos as eleições em 2013 com a Xiomara [esposa de Zelaya] e ganhamos as eleições em 2017 com Salvador Nasralla. E eles não entregam o poder. Então qual é o plano agora? A ordem do dia é defender o resultado eleitoral de 26 de novembro. Mesmo que haja um presidente, não o reconhecemos e não respeitamos sua autoridade.

Quando você diz que ganharam as eleições de 2013 com Xiomara de Zelaya, outros candidatos discordam. Fica difícil entender o que está acontecendo …

Bom, pelos menos os números que foram reconhecidos pelo Estado deram em 2013 1.150.000 votos para Juan Orlando, 900 mil votos para Xiomara e 450 mil para Salvador Nasralla. Demonstramos que em 3000 urnas havia fraude eleitoral, mas o Estado não aceitou. Temos segurança porque temos as atas das 16 mil mesas das eleições de 2013 e das 18 mil mesas dessas eleições.

Se o objetivo anterior era suceder o presidente no poder, agora que ele assumiu, qual é o objetivo? Tirá-lo do poder?

Para mim, chegamos ao nosso objetivo, em termos legais. Mas quem sustenta o Juan Orlando Hernández? Internacionalmente e em público, os Estados Unidos. E em termos populares, o que o sustenta são os militares com as suas armas, impedindo que o povo tome o poder. Se os militares deixam um só dia de apoiar o presidente, o povo toma o poder em todo o país. Em um só dia. O que o sustenta são as baionetas e os gringos.

Você disse que teria que estar pronto para as próximas eleições…

Agora vamos a um processo de mediação. E se o processo diz “repitam as eleições”, elas podem ser amanhã.

No começo do mês, uma missão da ONU chegou ao país para estudar a criação de uma equipe de mediação do impasse. Como seria esse processo de mediação?

Nós só aceitamos um diálogo vinculante e obrigatório. O presidente está pedindo um diálogo sem condições. Isso é um diálogo para falar do que ele quiser. Nós queremos um diálogo que reconstrua o estado de direito.

Quem deveria se sentar à mesa?

Não aceitamos sentar à mesa com o ditador. Os mediadores falam com eles e depois conosco, as duas partes que estão lutando: a Aliança Opositora contra a Ditadura e o governante. Esses são os dois setores que devem tomar decisões.

Custa-me imaginar que o presidente Hernández, depois de tudo o que foi feito para se manter no poder, admita a um mediador que se façam novas eleições.

Ebal Díaz [ministro da Presidência] já disse que eles vão aceitar um diálogo vinculante. O governo já disse isso.

Como se está decidindo quem são essas pessoas?

Veja, isso é importante. Salvador assinou uma carta com Luis Zelaya [candidato do Partido Liberal] pedindo um mediador das Nações Unidas. Eu não conhecia essa carta. Mas tive que apoiá-lo. Então estou apoiando que seja a ONU que envie um emissário para definir quem serão os mediadores. Para mim, esse não era o caminho porque tenho minhas próprias ideias sobre a ONU e a OEA, mas, já que o candidato assinou, aceitei para respeitá-lo.

O presidente Hernández, no seu discurso de posse, acusou vocês de serem os causadores da violência nas ruas.

Nós somos um partido pacífico. Não usamos armas em atos de sabotagem nem terrorismo. Utilizamos as garantias que nos dá a Constituição. A Constituição autoriza o povo hondurenho, quando seu poder é usurpado, a usar a força. Diz que o povo tem direito à insurreição, que é a sublevação violenta do povo contra o Estado. Nós estamos autorizados a usar a força, no entanto não a usamos. A única coisa que fazemos é uma insurreição não violenta. Quem utiliza a violência é o Estado contra nós.

O que é inegável é que haja atos de vandalismo, choques, destruição de propriedades…

Esses são atos de delinquência. Não são atos políticos. Encontramos dentro dos protestos, inclusive, gente infiltrada, que é enviada para fazer atos de vandalismo para criminalizar os protestos.

Parece-me, pelos últimos eventos, com as declarações de narcotraficantes em Nova York revelando uma rede de corrupção na elite, e o assassinato da ativista ambiental Berta Cáceres em 2016, que o problema em Honduras não é um ou outro político, mas um sistema…

O sistema está podre. O sistema é corrupto. O sistema capitalista em si mesmo, que privilegia o dinheiro sobre todas as coisas. Corrompe a sociedade. Os jovens que não têm saúde nem emprego acabam se tornando delinquentes. O Estado é que é violento.

Como se muda isso?

Temos uma proposta sobre isso, que implica uma nova Constituição. Vamos qualificar a pobreza como um delito de Estado. Favorecer somente certos setores sem levar em conta as grandes maiorias é uma crueldade. Queremos refundar o Estado.

Em que sistema, se para você o capitalismo parece corrupto?

Não. O capitalismo é uma ação econômica. O sistema é democrático, no qual o povo é soberano. Republicano, no qual quem governa não faz as leis e quem governa não aplica a justiça. Este é o sistema que queremos construir. A empresa privada é o motor da economia, mas uma empresa privada sem monopólios, sem oligopólios. Sem que explore a sociedade. Acreditamos na competição, no investimento, no livre mercado e no desenvolvimento.

Você não acredita que para os Estados Unidos seria mais fácil reconhecer o triunfo de Salvador Nasralla se você não estivesse do lado dele nas fotos?

É que se eu não estivesse na foto, a Aliança não teria ganhado. Era parte de um complemento. Ele puxou [votos] à direita e eu puxei à esquerda. A Aliança é uma iniciativa nossa.

Entrevista publicada originalmente no site El Faro. Leia aqui o texto original em Espanhol.

Víctor Peña/ El Faro

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