Apontada pelo ex-presidente Lula como expoente da nova geração na política, Manuela D’Ávila (PCdoB), deputada estadual do Rio Grande do Sul, não é exatamente nova no cenário político-partidário brasileiro. A parlamentar ocupou seu primeiro cargo eletivo em 2004, quando foi a mais jovem vereadora eleita na história de Porto Alegre. Depois, cumpriu dois mandatos como deputada federal entre 2007 e 2015, liderando a bancada de seu partido na Câmara em parte desse período.
Conhecida por adotar posições de enfrentamento ao governo do presidente Michel Temer (MDB), a parlamentar tem concedido diversas entrevistas na imprensa para impulsionar sua candidatura. À BBC, a pré-candidata do PCdoB afirmou, por exemplo, que governos militares foram mais nacionalistas que o governo atual. Já em entrevista ao Diário Catarinense, a deputada abordou outros temas polêmicos como a intervenção federal no Rio de Janeiro e as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública, que está analisando falas de presidenciáveis – selecionou cinco frases da entrevista de Manuela D’Ávila para o Diário, publicada em 21 de maio, para a verificação. Desses trechos, apenas um foi considerado verdadeiro. Há duas afirmações exageradas e uma cuja veracidade não pôde ser comprovada. Procurada pelo Truco, a assessoria de imprensa da pré-candidata informou as fontes dos dados apresentados nas frases, mas optou por comentar apenas o selo atribuído a uma afirmação.
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“Os policiais [brasileiros] são os que mais matam e os que mais morrem.”
A afirmação de que os policiais brasileiros são os que mais matam e os que mais morrem é usada repetidamente em discussões sobre violência e letalidade policial no Brasil. Como não existem dados que comprovem a afirmação, é impossível provar a veracidade da frase. A assessoria da presidenciável respondeu que Manuela D’Ávila tem falado sistematicamente que o índice de policiais mortos e de mortes cometidas pela categoria no Brasil estão entre os maiores do mundo, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016. O documento ilustra as violências, mortes e crimes que aconteceram no país, utilizando dados disponibilizados pelas secretarias de segurança pública dos estados. Na frase checada, no entanto, ela usou a expressão em sentido mais amplo.
De acordo com o levantamento, o Brasil é o país cuja polícia mais morre e mais mata. Para fazer essa comparação, o Anuário relaciona outras realidades similares ou ainda mais graves do que o contexto brasileiro, mas não detalha o número de países pesquisados e a metodologia. Ao ser questionado sobre a procedência da informação, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública respondeu que não existe um levantamento mundial de homicídios praticados pela polícia e o motivo, segundo a organização, é que os países não classificam isso de forma adequada. O dado foi extraído da tese de doutorado da diretora-geral do Fórum, Samira Bueno, em que é comparada a situação com a de El Salvador, México, África do Sul, Brasil e Estados Unidos. Esses países foram selecionados porque é possível relacionar seus dados e também por terem um perfil de alta letalidade das forças policiais identificado por pesquisadores e organizações.
O Brasil tem a especificidade de que os policiais morrem mais fora de serviço. São poucos os países que contabilizam essa situação – o que dificulta a comparação com outros lugares. Normalmente, são registradas somente as mortes em horário de trabalho. A assessoria de imprensa do Fórum afirmou que, ainda assim, é possível afirmar com segurança que o Brasil é um dos países em que a polícia mais mata e em que a polícia mais morre também.
Em Honduras – país que se destaca com altos índices de violência –, a taxa de homicídio atingiu a marca de 62,5 por grupo de 100 mil habitantes em 2015, enquanto a taxa de letalidade policial ficou em 1,2 por 100 mil. Na África do Sul, a razão era de 34 homicídios por 100 mil e a letalidade da polícia foi de 1,1 por 100 mil. A taxa brasileira de homicídio doloso atingiu a marca 25,7 por 100 mil habitantes e a de letalidade policial, de 1,6 por 100 mil.
Os números absolutos brasileiros são superiores aos dos Estados Unidos, que é um país com maior número de habitantes (mais de 320 milhões). Em 2015, a polícia americana matou 442 pessoas e 127 policiais foram assassinados, enquanto no país, 3.320 pessoas foram mortas em intervenções policiais e 393 policiais foram mortos, de acordo com informações do FBI (unidade do Departamento de Justiça do Estados Unidos).
Em El Salvador, um dos países com as maiores taxas de homicídios do mundo, a taxa de assassinato foi de 103 a cada 100 mil habitantes, em 2015. Deste total de 6.656 mortos, 218 morreram em intervenções da polícia, enquanto 65 policiais e membros das forças armadas morreram em serviço.
Não foi encontrada nenhuma pesquisa sobre a letalidade policial e mortes por ação policial no mundo. Em entrevista ao Truco, a gerente de conhecimento do Instituto Sou da Paz, Stephanie Morin, afirma que é muito complicado organizar dados sobre vitimização policial em nível global, pois os países contabilizam de formas diferentes. O FBI não contabiliza os policiais mortos fora do horário de serviço, enquanto o Brasil possui dados de policiais mortos durante e fora o expediente de trabalho. A pesquisadora Ariadne Natal, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), disse que desconhece estudos sobre essa temática. “Infelizmente, a maior parte dos países não produz dados confiáveis sobre esses eventos”, pontua.
O relatório Estado dos Direitos Humanos no Mundo de 2017/2018, da Anistia Internacional, organização internacional de direitos humanos que atua na área da segurança pública, retrata a condição dos direitos humanos em 157 países a partir das principais demandas de cada território. Em entrevista, Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional, disse que a polícia brasileira é a que mais mata e mais morre. Ao ser questionada sobre a procedência do dado, a entidade respondeu ao Truco que utilizou as informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ambos os documentos abordam a questão da violência policial no Brasil e o número de homicídios, mas não detalham os tipos de mortes e os autores.
Na última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referente a 2016, não se comparou essa questão com o que ocorre em outros países do mundo. Contudo, em relação a 2015, houve um crescimento de 23,1% (453) nas mortes de policiais civis e militares e de 25,8% (4.222) no número de pessoas mortas em decorrência de intervenções policiais. O perfil desses policiais mortos está na faixa etária de 30 a 49 anos (63,6%), 56% são negros e 98,2% são homens. A maioria das pessoas que são mortas em ações policiais é negra (76,2%) e do sexo masculino (99,3%).
“Nós temos 760 mil presos e o encarceramento em massa não vem reduzindo o crime no Brasil. Pelo contrário, ele serviu para organizar as facções em território nacional.”
Crítica do sistema de segurança pública nacional, D’Ávila alega que a política de encarceramento em massa, que causa aumentos recorrentes na população carcerária brasileira, contribui para a organização de facções criminosas. Para embasar essa afirmação, a pré-candidata alega que o Brasil tem, hoje, 760 mil presos. A frase foi classificada como exagerada, porque o número apresentado na entrevista para o jornal Diário Catarinense está superestimado, apesar de indicar uma tendência real.
A assessoria de imprensa da pré-candidata disse que o dado correto seria de 720 mil presos. A fonte da estatística foi o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). “Os 760 mil referidos na entrevista foram um pequeno erro”, admitiu, em nota. “Em junho de 2016, a população carcerária do Brasil atingiu a marca de 726,7 mil presos, mais que o dobro de 2005, quando o estudo começou a ser realizado.”
De acordo com um relatório do Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça, divulgado em dezembro de 2017, a população carcerária do Brasil era de 726,7 mil presos. O número, relativo a junho de 2016, é o mais recente apurado pelo Infopen. O mesmo relatório atesta que o sistema prisional brasileiro tem 368 mil vagas, ou seja, há quase dois presos para cada vaga no país.
Em entrevista para a Agência Pública em fevereiro de 2018, Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que o número elevado de prisões é um dos principais responsáveis pela violência das facções criminosas. “Se a gente olhar nos últimos dez anos as principais crises de segurança pública que ocorreram nos estados brasileiros, elas têm como origem as prisões: desde São Paulo em 2006, passando pelo Rio de Janeiro e Santa Catarina”, relembra.
Pesquisadores vinculados ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também afirmam que há uma relação entre o sistema prisional atual e as facções criminosas. Em artigo publicado em 2014 na revista Desafios do Desenvolvimento, organizada pelo próprio Ipea, Victor Martins Pimenta, coordenador-geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do Ministério da Justiça, e Fabio de Sá e Silva, pesquisador do Ipea, explicam que a superlotação das unidades prisionais cria um cenário propício para a expansão do crime organizado, com uma farta oferta de mão de obra para aliciamento concentrada nas unidades prisionais.
Pimenta e Silva atestam ainda que o aumento da população carcerária não contribui para a redução dos índices de criminalidade. “Comparando-se, ao longo do tempo, as taxas de criminalidade e de população prisional em âmbito nacional e nos diferentes estados, é possível constatar que o crescimento do número de presos não traz como consequência a redução no cometimento de crimes”, afirmam no mesmo artigo.
Em entrevista concedida para a revista Carta Capital em janeiro de 2017, o pesquisador Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o encarceramento em massa contribui para o aumento de poder das facções criminosas. “Graças à ineficiência das políticas públicas, esses grupos conseguiram transformar as prisões em escritórios do crime, nos quais são tomadas as decisões de seus negócios ilícitos”, afirma.
“No ano passado, áreas como o Complexo da Maré, já sob Garantia da Lei da Ordem (GLO), ou seja, já sob intervenção, não tiveram redução nos índices.”
Para criticar a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, Manuela D’Ávila argumenta que áreas da capital como o Complexo da Maré, que já foi alvo de uma operação de Garantia da Lei da Ordem (GLO), não tiveram redução nos índices de violência no ano passado. Entretanto, a ação de GLO na Maré, denominada Operação São Francisco, ocorreu entre abril de 2014 e junho de 2015, e não no ano passado, como afirmou a pré-candidata. Por isso, a frase é falsa, já que, ainda que alguns indicadores importantes de criminalidade tenham crescido na Maré no ano passado, tal fenômeno não pode ser atribuído à operação de GLO.
Procurada pela Pública, a assessoria da pré-candidata disse que os dados seriam do “Observatório da Maré”. Na verdade, não existe nenhuma instituição com esse nome. Duas ONGs que atuam na região, a Redes da Maré e o Observatório de Favelas, têm nome parecido ao indicado pela assessoria.
A ONG Redes da Maré organiza o Boletim Direito à Segurança Pública na Maré. Na última edição, relativa ao ano de 2017, o boletim destaca o aumento de intervenções policiais na área e os impactos dos confrontos armados entre civis. Apesar disso, o objetivo do documento não é acompanhar os indicadores de segurança pública, e sim monitorar o trabalho das forças de segurança na região. No estado do Rio, a coleta sistemática de estatísticas de segurança pública é atribuída ao Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), que divulga os índices de criminalidade por região.
O Complexo da Maré é um conjunto territorial da cidade do Rio de Janeiro com mais de 16 favelas onde vivem pelo menos 160 mil pessoas. A região faz parte da Área Integrada de Segurança Pública 22, que é coberta pelo 22º Batalhão de Polícia Militar, responsável pelos bairros de Benfica, Bonsucesso, Higienópolis, Manguinhos, Maré e Ramos.
Os dados oficiais do ISP-RJ, compilados no gráfico abaixo, mostram que diversos índices de criminalidade, como número de homicídios dolosos e de roubos, registraram aumento entre 2016 e o ano passado, como afirma Manuela D’Ávila. Em 2017, no entanto, não se pode afirmar que isto ocorreu a despeito da operação de GLO, porque ela não ocorreu. A operação do Exército na Maré teve início após um decreto da presidente Dilma Rousseff assinado em abril de 2014 e se estendeu até junho de 2015.
Entre 2014 e 2015, ou seja, no período diretamente relacionado à Operação São Francisco, os dados mostram que, embora roubos e furtos tenham caído, outros indicadores importantes de criminalidade, como número de ocorrências de homicídios dolosos e de estupros, aumentaram consideravelmente no intervalo.
O ISP também possui dados relativos aos primeiros meses de 2018. É possível compará-los com os índices dos primeiros meses de 2017 para traçar um panorama inicial dos efeitos da intervenção federal, que teve início em fevereiro de 2018. A comparação entre o período de janeiro e abril de 2017 com o mesmo período em 2018 mostra que houve aumento nos roubos e nos homicídios dolosos, além de crescimento no número de desaparecimento. Apesar de o início da intervenção ter ocorrido em fevereiro, ainda não foram utilizados os R$ 1,2 bilhão de verba disponibilizados pelo governo federal para a segurança pública no Rio de Janeiro.
Ao ser informada do resultado da checagem, a equipe de Manuela d’Ávila enviou o seguinte comentário a respeito desta afirmação: “Analisando os dados fornecidos pelo Observatório da Maré, fica claro que os principais índices de criminalidade não registraram queda durante a ação de GLO, conforme citou a pré-candidata. Portanto, o ponto principal do comentário dela não é falso. O que vocês apontam é uma imprecisão em relação ao período referido de intervenção, que, de fato, não ocorreu no ano passado.”
“No Brasil pré-crise, 50% das mulheres já não conseguiam mais emprego depois de darem à luz.”
Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas apontada como fonte da afirmação pela assessoria da pré-candidata constatou que mulheres com filhos pequenos têm muita dificuldade de conseguir emprego após darem à luz. Foram entrevistadas 247 mil mulheres que deram à luz entre 2009 e 2012, portanto, antes da crise. Os resultados indicaram que 48% das mulheres ficam desempregadas no primeiro ano após o parto. Como depois disso os índices de emprego voltam a melhorar lentamente, se afastando dos 50% apontados pela pré-candidata, a afirmação foi classificada como exagerada.
A legislação brasileira garante a estabilidade de mulheres grávidas ou com filhos pequenos. Pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, “fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa (…) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”. Portanto, nesse período, poucas mulheres ficam desempregadas. De acordo com o estudo da FGV, são apenas 5%. A partir do fim dessa estabilidade o desemprego começa a aumentar. Seis meses após o parto, o índice já atinge 15% das mães e, em um ano são 48%, auge do desemprego de mulheres mães. Os índices começam a cair em seguida e, mesmo três anos depois do parto, a taxa de emprego ainda é 6,8 pontos percentuais menor do que três anos antes do parto.
Tanto antes da crise como depois, o índice de desemprego é maior para mulheres, sejam elas mães ou não, do que para homens. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,9% dos brasileiros estavam desempregados no primeiro trimestre de 2018 – 15% das mulheres, contra 11,6% dos homens. A série histórica da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) mostra que, em 2013, antes da crise, 6,6% das mulheres estavam desocupadas, contra 4,4% dos homens.
“A gente teve com a reforma trabalhista a possibilidade de as gestantes trabalharem em ambientes insalubres.”
A reforma trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017 por meio da Lei nº 13.467/2017. Ela alterou algumas das disposições para trabalhadoras gestantes garantidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entre elas, as condições de afastamento no caso de trabalhos insalubres.
Na antiga redação da CLT, de acordo com o a Seção V, art 394 A, a empregada gestante deveria ser afastada do trabalho insalubre, em qualquer grau de insalubridade, e exercer sua função em ambiente salubre enquanto durasse a gestação. Desde a implementação da reforma trabalhista, no entanto, as grávidas deverão ser afastadas de “I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação”.
A lei afrouxou um pouco a restrição de trabalho insalubre pelas gestantes. Se antes não era permitido de nenhuma maneira que as grávidas trabalhassem nessas condições, agora, se não apresentarem atestado médico, elas poderão trabalhar em condições insalubres de grau médio ou mínimo. De acordo com a CLT, na Seção XIII, artigo 189, “serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.”
Os graus de insalubridade deverão ser determinados por perícia de médico do Trabalho ou engenheiro do Trabalho, segundo os limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho.
Assim, com a reforma trabalhista, passou a existir a possibilidade de gestantes trabalharem em ambientes insalubres, caso elas não apresentem atestado médico para o afastamento. Antes não havia essa possibilidade. Por isso, a afirmação da pré-candidata foi considerada verdadeira.
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