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Entrevista

Conversa com um lobista

Em entrevista à Pública, o diretor do Instituto Pensar Agropecuária (IPA) João Henrique Hummel defende a liberação dos agrotóxicos e do uso de armas nas fazendas

Entrevista
5 de junho de 2018
12:38
Este artigo tem mais de 6 ano

A guerra que vem sendo travada no Congresso em torno da nova lei dos agrotóxicos tirou das sombras um lobista de peso, estrategista responsável, para o bem ou para o mal, pelos movimentos da Frente Parlamentar Agropecuária, a poderosa FPA, na defesa do agronegócio e nas conspirações políticas. Em entrevista exclusiva à Pública, o engenheiro João Henrique Hummel Vieira, diretor-executivo do Instituto Pensar Agropecuária (IPA) e da FPA, responsável pela mansão do Lago Sul que os ambientalistas apelidaram de “bunker” e onde os ruralistas se reúnem, em Brasília, quebra o silêncio e afirma que a legislação será aprovada. Ele chama a resistência dos órgãos de controle – como MPF, Ibama e Anvisa – de corporativismo de quem perderá o poder de legislar.

Audiência da Frente Parlamentar Agropecuária

“Quem é o Ministério Público para questionar a constitucionalidade nesse momento? O Ministério Público foi feito para cumprir a lei, e não para se manifestar”, critica.

Fiel às orientações que aplica a parlamentares, João Henrique ataca as demarcações de terras indígenas, afirma que os sem-terra não querem ficar no campo e defende o uso de armas como proteção das propriedades rurais contra invasões. Por ele, cada cidadão, na cidade ou no campo, teria o direito ao porte de armas.

Os ruralistas, que já derrubaram dois presidentes da Funai, vão manter a pressão para que o governo troque o comando dos órgãos que não atendam o agronegócio, mas sem indicar nomes de substitutos. “Cabe à gente mostrar que existem coisas que não estão funcionando e cobrar do governo”, explica.

Embora pouco conhecido, o IPA é a força que comanda o mais forte bloco parlamentar no Congresso, a mão invisível por trás do movimento que atuou tanto para derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff quanto para sustentar o presidente Michel Temer. O instituto está vinculado a 40 entidades agropecuárias, que colaboram financeiramente para bancar o lobby junto a deputados e senadores simpáticos ao agronegócio.

João Henrique garante que o IPA só aceita contribuição de entidades nacionais, mas admite que estas podem receber e repassar ao instituto doações das gigantes multinacionais de alimentos. “Tem dinheiro da Cargill? Tem. Ela contribui com as associações, e as associações pagam aqui. Não tenho vergonha de falar isso. Está declarado”, afirma.

Por que é necessário mais agrotóxicos?

Nossa agricultura é tropical, diferente da temperada. Hoje, 85% da agricultura no mundo é temperada, aquela que tem o frio, que hiberna a atividade das doenças das bactérias, dos vírus, dos insetos, dos nematoides, das ervas daninhas. Elas hibernam e param. Na tropical tem umidade e sol o tempo todo. Então, há a possibilidade de essas pragas acharem outros hospedeiros e se multiplicarem. Precisa controlar com produtos químicos. É igual remédio, igual produto veterinário. A única regra que fala que se tiver perigo não pode utilizar é a agricultura. Todos os outros falam o seguinte: “Ah, existe perigo? Como mitigar? Tenho que conhecer a ação, fazer a análise de risco. Se usar muito, vai causar dano”.

As áreas de saúde e meio ambiente acham que o projeto ampliaria o uso.

Qual é a grande modificação do projeto? É que a gente está tirando o empecilho do perigo. Vamos mitigar o perigo para que a gente possa salvar a planta, e salvar a humanidade, o povo brasileiro da fome.

Sem aumentar o uso de agrotóxicos não é possível expandir a agropecuária?

Sem mudar o marco, não. A gente sobrevive, mas com custo para a sociedade, em termos de preço de alimentos, de inflação, de competição. Hoje nossa balança comercial depende das exportações agropecuárias. Se não tiver os defensivos, os produtos fitossanitários, nós não conseguimos produzir.

Não há meio-termo para conciliar o uso de veneno com precauções sobre saúde e meio ambiente?

Acho que a população tem que fazer uma opção. Pergunte para a população se ela quer ter os alimentos baratos, de qualidade.

E os danos à saúde apontados por diversas pesquisas?

Prova que os produtos fitossanitários causam câncer, matam! Câncer, tudo dá. Poeira dá, fumaça de carro dá. E aí? Só por causa da fumaça do carro, você vai parar de andar de carro? A discussão não é pelo ataque. É científica, e não no chute.

Qual é a garantia de que não afetará a saúde?

Há 40 anos nós usamos agrotóxicos, a população vem aumentando de vida, vem aumentando a qualidade de vida, está com mais saúde. Qual é o dano que houve? A nossa produtividade vem aumentando – em 40 anos, nós aumentamos em 20% a área e em 300% a produção e estamos colocando produtos cada vez mais baratos. A população está ganhando com isso.

Vocês têm maioria na comissão e no plenário da Câmara. Vão passar o “trator”?

De jeito nenhum. O que nós fazemos ali é o debate com a sociedade. A gente leva a nossa informação para os parlamentares, para que eles conversem com os outros segmentos da sociedade. A gente não pediu medida provisória, não pediu decreto, nada. A gente quer o debate com a sociedade.

A nova lei deve ser votada antes da eleição?

Acho que tem um passo. Democracia não tem prognóstico, ninguém tem o controle.

As notas técnicas do Ibama, da Anvisa e as manifestações das entidades apontam riscos.

Acho que essas notas técnicas têm que vir acompanhadas do conteúdo científico. Só falam assim: existe estudo. Pega os estudos!

O Ministério Público Federal argumenta que há uma série de inconstitucionalidades na proposta.

O MPF quer ser o dono do mundo. Quais são os princípios que ele coloca lá para impedir isso? O princípio do retrocesso. O que é retrocesso? Tem alguma lei que fala o que é retrocesso? E quem é o Ministério Público para questionar a constitucionalidade nesse momento? O Ministério Público foi feito para a lei ser cumprida, e não para se manifestar. É inconstitucional a manifestação do MPF. Os promotores podem se manifestar como cidadãos, mas não como Ministério Público. Ele tem que se manifestar depois. Se tivesse o papel de fazer a lei cumprir e não de se manifestar politicamente, estaria contribuindo mais.

Mas o MPF cita uma série de artigos da Constituição que estariam sendo violados.

Todos eles, vou falar: princípio da precaução, princípio do retrocesso, da proporção. Se tiver a proporção, você não vai ter nada novo. O princípio da proporção é o seguinte: vai ter 100% de certeza que não pode acontecer. Você tem 100% de certeza que essa água não vai te fazer mal? Você não fez todos os testes…

Mas não transfere? Ibama e Anvisa deixam de atuar como agora nos registros de agrotóxicos.

Não transfere nada. Quem é o responsável pelo registro de produtos hoje? Quem é que publica o registro dos agrotóxicos hoje?

O Ministério da Agricultura.

E quem vai publicar amanhã? A Agricultura. Por que modificou?

O substitutivo muda a participação do meio ambiente, da saúde…

Nenhuma. O que acontece hoje é um graficozinho. Hoje você tem que entrar ao mesmo tempo em três lugares diferentes – você não tem um controle do mesmo processo. Você entra no Ministério da Agricultura, que faz a política agrícola. Quem é que faz a política de abastecimento? Quem fala onde tem doença de planta que precisa de ser controlada? É a Anvisa? Não. A Anvisa fala do homem. A ambiental, quem fala, é o Meio Ambiente. A de plantas para agricultura para o abastecimento alimentar é o Ministério da Agricultura, através da defesa agropecuária. Quando você vai registrar um produto de âmbito sanitário, que cuida da sua casa, que é uma saúde direta, quem cuida disso? A Anvisa. A lei trata sobre os produtos ambientais. Quem vai cuidar disso? É o Ibama.

As notas técnicas estão equivocadas?

É um corporativismo dos funcionários da Anvisa e do Ibama e do MPF porque é uma lei autoaplicada, não vai precisar de decreto. A lei está tirando o poder deles de legislar. É por isso que eles são contra.

Qual é a justificativa para mudar a lei que está em vigor desde 1989?

Na Anvisa hoje, tem três, quatro consultas públicas deles modificando as normas deles. Fazendo o quê? Colocando análise de risco. Tem um produto que causa câncer se eu comer 10 quilos de arroz por dia durante um ano. Mas se eu comer 100 gramas durante 100 anos, não tenho nenhum problema. E está proibido.

Por que há tantas críticas, então, ao uso de agrotóxicos?

Eu não sou adepto da teoria da conspiração, mas eu vou utilizá-la. Há 40 anos a agricultura brasileira tinha menos de 1% da agricultura mundial. Hoje nós somos 10%, crescendo assim, galopante. O que era o cerrado 40 anos atrás? O que essas terras produziam? Nada, ninguém queria, as pessoas pegavam de graça. A gente produzia 1.800 kg de soja por hectare na década de 80. Hoje são quase 4 mil kg por hectare, e tem também a safrinha, com mais 7,8 mil kg de milho na mesma área. A Europa, na agricultura temperada, consegue esse ganho de produtividade? E vai conseguir competir com a gente com esse custo? Nosso custo fixo é um só para produzir tudo isso. Será que eles querem [os países europeus] que o Brasil continue ganhando produtividade? As ONGs que estão assinando aqueles documentos lá são financiadas por quem? Aqui eu sei quem financia.

Quem banca o IPA?

Aqui eu tenho 39 entidades sem fins lucrativos que representam o segmento da agropecuária. Pessoa física não contribui. A Cargill, se quiser vir aqui, não pode contribuir. Quem pode contribuir aqui é associação.

Qual é o papel do IPA?

Fortalecer a democracia, que só funciona quando a sociedade se organiza e vai fazer o debate no local certo, transparente, de forma direta, que é o Congresso Nacional.

Vocês têm voto para aprovar a nova lei dos agrotóxicos?

Eu só vou saber quantos votos vou ter na hora em que a gente for para o plenário, depois do trabalho in loco. A gente não tem pressa – tem dois anos que a gente vem discutindo isso. Nós somos vistos como trator, mas nós não somos trator. Estamos no processo democrático.

Vocês derrubaram dois dirigentes da Funai no espaço de um ano…

De jeito nenhum, isso é mito. O que nós cobramos do governo são políticas públicas que funcionem, que respeitem a lei e a sociedade. Nós somos representantes da sociedade. Se não somos atendidos nesse sentido, cabe à gente “levantar a lebre” dentro do processo. Cabe à gente mostrar que existem coisas que não estão funcionando e cobrar do governo. Pergunta se a gente indicou algum nome. Não.

Mas foram lá e disseram: tem que trocar.

Nós queremos que funcione. Não conseguimos manter o ministro da Justiça [deputado Osmar Serraglio]. Você só vê as pingas que tomo, mas você não vê os tombos que eu levo. Você pode dizer que a FPA está sem força porque não manteve o ministro da Justiça.

Serraglio era o melhor para vocês?

Mas é claro. Ele é membro, é da diretoria.

Sim, mas o fato é que o governo também cedeu no caso da Funai, não é?

Cedeu porque tinha problema.

O que também é uma inegável demonstração de força.

Sim, claro. A gente é um segmento da sociedade como um todo.

Quem financia a IPA? De onde vêm os recursos?

Das associações, clara, aberta, contábil. Ah, tem dinheiro da Cargill? Tem, ela contribui com as associações, e as associações dela pagam aqui. Não tenho vergonha de falar isso. Está todo declarado. Existe um trabalho.

E os transgênicos, como se encaixam? Não era para evitar exageros de agrotóxicos?

Eu não queria entrar nesse assunto, mas a transgenia é segura. Tem quase 20 anos que vem sendo consumido, todo dia, e não fez mal a ninguém. É mito. As pessoas têm que ter conhecimento do risco. A água que você está tomando, que você toma banho, que está na piscina, toda ela é clorada, para controlar a parte orgânica. Cloro com orgânico dá o quê? O organoclorado. O organoclorado é proibido na agricultura, mas para você beber eles deixam. O que falta é análise de risco para dar segurança. Eu não posso olhar o perigo, eu tenho que olhar a análise de risco.

Por que o ruralista é visto com desconfiança?

Na formação do Brasil, criou-se o conceito do latifundiário, e esse conceito ainda é reproduzido para a nossa sociedade. Eu gostaria que você fosse hoje olhar uma agricultura moderna. Aquela enxadinha, trabalhar no sol, cortador de cana, não existem mais. Os sem-terra não querem ficar no campo. Alguém consegue viver sem energia elétrica, sem carro, sem geladeira, sem televisão? Tem que gerar superávit para poder pagar, você não produz dentro da sua propriedade. Hoje a agricultura de subsistência contratando serviço não bate, não fecha a conta.

A agricultura familiar é responsável pela maior parte da comida que chega à mesa do brasileiro, algo entre 70% a 80%.

Isso não existe. É mito, é de um estudo que foi feito em 1985. O governo do PT teve que fazer dois censos. Um agropecuário e o outro para justificar os 70%, e não conseguiu. Aí sabe o que ele fez? Ele falou que 56% da renda da produção era da agricultura familiar, porque aí ele colocou no sistema familiar um conceito maior, e de valor agregado, que era hortaliça, frutas. Entrou dentro desse aspecto porque eles não conseguem provar os 70%. A agricultura de grãos planta algo como 50 milhões de hectares e produz 240 milhões de toneladas. A agricultura familiar tem 90 milhões de hectares e, se produz 20 milhões de toneladas, é muito. Pergunta se eles conseguem plantar sem agrotóxico.

Como superar os conflitos com os índios?

A grande discussão é o conceito de direitos originários. A pergunta toda é a seguinte: aqui, em 1500, todas essas terras pertenciam a quem? Eu vou devolver tudo pra eles? E o seu direito da casa que você comprou, da estrada que você construiu, você vai devolver para o índio? Eles querem só o da agricultura, mas Copacabana é dos tapajós, Cabo Frio é dos tupinambás, o Centro-Oeste todo, aqui, é dos guaranis. E aí, você vai devolver tudo pra eles? E nós, que viemos depois, vamos embora ou vamos pagar aluguel pra eles? É justo?

Você acha que os fazendeiros devem se armar para defender as propriedades?

Claro. Vai morar lá, você não tem vizinhos. Uma polícia pra chegar lá demora quanto tempo? Como é que você se defende? Eu defendo o armamento [também] dentro da cidade. O cara vai entrar na minha casa se eu estiver desarmado e ele, armado. Se entrar na minha fazenda, eu tenho que me defender.

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