A ocupação da cidade pelas mulheres a partir de afetos e do medo da violência de gênero. O direito à cidade. O espaço urbano que nos é hostil desde sua concepção. A cidade da mulher que é diferente da cidade do homem. E a pergunta difícil: Como incluir essa reflexão e toda a subjetividade inerente a estas questões em um documentário?
Assim começaram minhas conversas com o artista Guilherme Peters – que convidei a co-dirigir o projeto por conhecer e admirar seu trabalho – ainda em 2015. E começamos a entrevistar mulheres diversas, cis, trans, homens trans, de diversas regiões, idades, regiões e interseccionalidades sobre sua relação com São Paulo. Por onde andam? Por onde não andam? Por onde andam com medo? Que manobras fazem para evitar a violência de gênero? Mudam seus caminhos? Foram entrevistas longas, algumas vezes reveladoras para as próprias mulheres que não haviam parado para refletir sobre as limitações que nos são tão naturalizadas. O foco não era nas histórias de assédio ou outras formas de violência mas em como tudo isso afeta nossa forma de ocupar os espaços. E assim fomos costurando uma narrativa. Também colocamos online uma pesquisa, que foi respondida por mais de 2500 mulheres, com perguntas mais práticas, como por exemplo: “Você evita andar pela cidade em algum horário específico?”.
Para essa pergunta, 93% das mulheres responderam evitar andar após o anoitecer. As respostas, que incluímos no filme e também serviram como base para os lugares escolhidos para filmar, mostraram como o medo da violência de gênero – que é totalmente fundamentado e real – afeta diretamente, não apenas a ocupação dos espaços, mas escolhas como aceitar ou não um emprego. Quando perguntamos: “Você já deixou de aceitar um trabalho por causa do horário, por causa da região ou por causa do trajeto que faria?”, a resposta foi um impressionante 38,5% sim.
O projeto ganhou um Reportagem Pública e logo após um edital da SPCine. Como às vezes acontecem em editais públicos, o nosso ficou congelado por quase um ano, tempo que utilizamos para aprofundar as pesquisas e o olhar. Nossa equipe foi formada em sua maioria por mulheres, incluindo a direção de fotografia da fotógrafa Camila Cornelsen. Também ganhou um desenho de som e trilha originais e inéditos criados pelo artista Bruno Palazzo – algo muito importante já que o doc propõe ao espectador caminhar pela cidade junto com as personagens e cria paisagens sonoras que envolvem o espectador em um suspense contínuo – vivenciado pelas mulheres em suas rotinas reais e traduzido na fala de uma delas: “Uma das coisas que é muito comum é eu não saber se vou voltar inteira pra casa”. Ou em uma frase dita por todas as mulheres que caminharam conosco, dia ou noite: “Eu jamais andaria aqui”.
Dito isso, convidamos a todas a todos para o lançamento oficial de “Sob Constante Ameaça”, que acontecerá no dia 16/06 na Casa Pública, no Rio de Janeiro com uma Conversa Pública sobre Mulheres e o direito à cidade e em São Paulo no dia 21/06, na Galeria Vermelho, com uma entrevista ao vivo com uma urbanista sobre o mesmo tema. Após os lançamentos, o filme será disponibilizado online também para sessões públicas autônomas.