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Para representantes dos atingidos por desastre de Mariana, Fundação Renova é braço das mineradoras e atua sem transparência nem diálogo com os moradores, que ainda estão sem suas casas

Reportagem
5 de setembro de 2018
12:03
Este artigo tem mais de 6 ano

“Nós não reconhecemos a Fundação Renova como representante ou reparadora dos danos dos atingidos”, diz a representante da Comissão dos Atingidos de Barra Longa (MG), Simone Maria da Silva. “A Renova fica tentando passar uma imagem de que ela está amparando o ser humano, e o que está mais abandonado dentro desse processo todo aí é o ser humano. Ela não está nem aí pra gente”, comenta o agricultor Marino D’Ângelo Júnior, membro da Comissão de Atingidos de Paracatu de Cima (MG). “A gente fala aqui que não existe Renova, é tudo Samarco”, conta o motorista Cristiano José Sales, que integra a Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues (MG). “Por mais que eles queiram dizer que a Fundação Renova é independente, ela não é. No fundo, ela não é”, enfatiza o promotor de justiça da Comarca de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin.

A Fundação Renova foi criada para reparar os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, a partir de um acordo firmado, a portas fechadas, entre BHP Billiton Brasil, Vale, Samarco, os governos federal, do Espírito Santo, de Minas Gerais e entidades governamentais, sem a participação dos atingidos. Ela passou a atuar sete meses após o desastre, em novembro de 2015, que matou 19 pessoas, arrasou comunidades, provocou um estrago imenso na bacia do rio Doce e em seu entorno e levou a lama de rejeitos de minério até o oceano Atlântico. O Estatuto Social da Renova diz que a entidade “é dotada de autonomia administrativa, patrimonial, financeira e operacional”. Em seu site, em suas redes sociais e em panfletos distribuídos aos atingidos a fundação se define como uma organização “autônoma e independente”.

Paracatu de Cima (MG) 3 anos depois da lama

Não é bem assim. Até o ano passado, os serviços administrativos da fundação eram executados pela Samarco. É o que mostra a prestação de contas de 2016 e 2017 da entidade, a que a Pública teve acesso exclusivo na Promotoria de Tutela de Fundações, do Ministério Público de Minas Gerais. De acordo com o documento, a Samarco era responsável pelos serviços financeiros, tecnologia da informação, compras e pelo departamento pessoal da Renova. Ou seja, a Samarco administrava o dinheiro que transferia para a fundação, além de cuidar das contratações. Atualmente, 20% do quadro de pessoal da Renova é formado por ex-servidores das empresas que a sustentam.

Funcionários que ocupavam cargos de confiança da Vale e Samarco assumiram postos de alto escalão na organização. O gerente de relações institucionais da Renova, William Sarayeddin, foi gerente de assuntos externos e gerente de comunicação e assuntos corporativos da Vale, onde trabalhava desde 2006. A gerente de recursos humanos da entidade, Juliana Souto, era coordenadora do RH da Samarco no Espírito Santo. O gerente de comunicação, Cristiano Diniz Cunha, também trabalhou no setor de comunicação da Vale. “Pessoas que usavam uniforme da Samarco em um dia no outro estavam com o da Renova”, destaca Cristiano José Sales, da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, a comunidade destruída pela lama. “Só mudou o nome de Samarco pra Renova, mas são os mesmos funcionários”, faz coro Odete Cassiano, que integra a Comissão dos Atingidos de Barra Longa.

A Renova tem também em seu quadro de pessoal ex-servidores de cargos estratégicos dos governos de Minas e do Espírito Santo. A ex-chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão Lígia Maria Alves Pereira representava o governo mineiro em uma Câmara Técnica, responsável por auxiliar o Comitê Interfederativo a fiscalizar as ações da Renova. Desde fevereiro, ela é gerente de território na Renova. Mais recentemente, em julho, a fundação contratou o ex-diretor-presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo (Iema) Jader Mutzig para assumir as relações institucionais da entidade.

Movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores, grupos de pesquisa e organizações não governamentais assinaram uma nota pública, divulgada no dia 24 de julho, com objetivo de alertar os órgãos competentes sobre a contratação de Mutzig. “Muitas ações da Fundação Renova e das empresas por ela contratadas dependem de licenciamento ambiental, cuja responsabilidade, no Espírito Santo, é do Iema”, diz a nota. “A circulação de funcionários de empresas privadas para cargos de confiança no governo, ou na contratação, por grandes empresas, de agentes públicos que estiveram em cargos estatais estratégicos (a chamada “porta-giratória”) é questionável e vista como imprópria, uma vez que pode permitir às empresas acesso privilegiado a decisões ou informações referentes à sua atuação em situações vantajosas”, ressalta o documento.

A Renova, por meio de sua assessoria de imprensa, negou que haja conflito de interesse nas duas contratações. De acordo com a entidade, atualmente ela não possui nenhum processo aberto no Iema. Segundo a assessoria de imprensa da Renova, Mutzig se inscreveu voluntariamente para participar do processo de seleção para o cargo e concorreu com outros três candidatos. A fundação afirmou ainda que condicionou sua contratação a uma quarentena de seis meses do Executivo estadual. “Nesse período, a atuação de Jader Mutzig será focada nos municípios impactados do Espírito Santo”, acrescentou. Com relação a Lígia, a Renova alegou que ela apresentou um ofício de comunicação ao Conselho de Ética (Conset) do governo de Minas Gerais acerca da proposta de trabalho elaborada pela fundação. “Conselho este que atestou, por meio de documento, que não há conflito de interesse”, destacou a fundação.

Marino e Maria do Carmo d’Ângelo

A justificativa para os serviços de administração prestados pela Samarco à Renova em 2016 e 2017 foi que durante esse período “a Fundação Renova estava estruturando suas áreas e seu quadro de funcionários”. “Por isso, fez-se necessário manter a dedicação compartilhada da Samarco”, informou, acrescentando que “atualmente, estas áreas não são mais compartilhadas”. A organização negou que haja conflito de interesse na contratação de funcionários das empresas mantenedoras: “A Renova esclarece que não há conflito de interesse e que a seleção dos empregados segue uma rigorosa análise, tendo como base a política interna de recrutamento”.

Parcialidade nos acordos

O promotor de justiça de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin, conta que percebeu a influência da Samarco na Fundação Renova durante as tentativas de negociação com a entidade. Segundo ele, a organização não atende ao interesse dos atingidos. “As empresas são a Fundação Renova”, diz. “A gente sabe que atua para reparar essas parcialidades da fundação, e a todo momento nós buscamos isso com ações”, ressalta. Como exemplo, o promotor menciona a última ação ajuizada pela promotoria, em parceria com a prefeitura de Mariana, contra a Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP, em 3 de agosto.

Guilherme de Sá Meneghin, do Ministério Público

Segundo Meneghin, a fundação se recusou a fazer um acordo com o Ministério Público estadual e a aceitar as propostas do município. “Se ela realmente estivesse atendendo aos interesses dos atingidos, ela teria assinado esse acordo com a gente, porque isso, primeiro, ia acabar com uma situação ilegal que eles mesmos criaram e, em segundo lugar, ia atender ao direito dos atingidos. Mas eles não quiseram assinar o acordo”, destacou. “A gente nem estava tratando com as empresas, só com a Fundação Renova”, acrescentou o promotor .

Segundo a Ação Civil Pública, a que a Pública teve acesso, em 2016 a entidade contratou uma empresa privada para prestar serviço de saúde e assistência social no município de Mariana, sem vínculo com a prefeitura. No entanto, os funcionários da empresa usam toda a estrutura da Secretaria Municipal de Saúde, o que, de acordo com Meneghin, é ilegal. “Ora, trata-se evidentemente de serviço público, mas prestado por empresa terceirizada sem vínculo formal com o Município de Mariana, transgredindo o direito administrativo”, destaca o promotor na ação.

O Ministério Público incluiu na ação o depoimento, prestado ao órgão, do coordenador de serviços da Rede de Atenção Psicossocial de Mariana, Sérgio Luiz Grossi. Ele descreve os problemas causados pela forma de prestação de serviços da empresa privada, as interrupções de serviços, a insuficiência da atuação da Fundação Renova, a necessidade de regularização e a fragilização das vítimas do desastre. De acordo com Grossi, a Samarco solicitou diversas vezes dados dos atendimentos aos profissionais contratados. Ele alega que não autorizou o repasse dos dados, “pois trata-se de informação sigilosa, de interesse dos pacientes”.

Para corrigir o problema, o Ministério Público pede, na Ação Civil Pública, que a equipe contratada pela empresa seja desmobilizada de forma gradual, de modo a não impactar o atendimento aos atingidos; que a Renova transfira recursos para o município de Mariana contratar os profissionais, mediante as normas do direito administrativo; e que a equipe de saúde seja reforçada, com a justificativa de que a atual não está dando conta de atender à demanda das vítimas.

Na ação, o Ministério Público destacou ainda o impacto do rompimento da barragem de Fundão na saúde dos atingidos. “O Núcleo de Pesquisa Vulnerabilidades e Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (NAVeS/UFMG), em parceria com a Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais (assessoria técnica dos atingidos de Mariana), realizou pesquisa de campo junto às vítimas do desastre, tendo como objetivo avaliar sua situação atual de saúde. Referida pesquisa entrevistou 271 atingidos e identificou o intenso sofrimento psicológico das vítimas no contexto pós-desastre, destacando com índices elevados e alarmantes de transtornos psiquiátricos relacionados ao estresse, em especial na população infanto-juvenil atingida”.

A Renova, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que “trabalha apoiando a gestão pública dos municípios com ações que visam fortalecer as estruturas municipais existentes, tanto no atendimento clínico quanto na proteção social”. “Em Mariana, as ações incluem a disponibilização de 50 profissionais da área de saúde que trabalham dentro do Sistema Único de Saúde e são geridos pelo município”, acrescentou.

Ações de reparação

De acordo com a prestação de contas da Fundação Renova, R$ 18,1 milhões foram investidos na saúde mental e física dos atingidos em 2016 e 2017. Os recursos dos 42 programas previstos no Termo de Transição de Ajustamento de Conduta (TTAC) vêm das mineradoras Samarco, Vale e BHP Brasil, responsáveis pela barragem que rompeu. Até 2017, as empresas repassaram R$ 1,431 bilhão para a Renova (R$ 194,3 milhões em 2016 e R$1,2 bilhão em 2017).

Em outubro do ano passado, a Promotoria de Fundações instaurou um Procedimento Administrativo (PA-FC MPMG-0024.17.017391-8) para averiguar “possível uso de recurso da Fundação Renova em fins não previstos no ato de sua Constituição”. A Pública solicitou ao promotor Gabriel Pereira de Mendonça, da Promotoria de Justiça de Tutela de Fundações, mais detalhes do procedimento e acesso ao documento. “O acesso ao procedimento não será possível. Está em análise com o setor contábil. Ademais, todos os documentos relacionados ao referido procedimento de contas, que podem ser acessados por terceiros, foram entregues à repórter. Os demais documentos não podem ser exibidos, tudo conforme decisão já encaminhada para a requerente”, informou Pereira de Mendonça por e-mail.

A Fundação Renova cumpriu ano passado o gasto anual, previsto no TTAC, de R$ 1,2 bilhão, com os programas de reparação e compensação, mas está longe de conseguir reparar os danos causados aos atingidos. “Em todas as reuniões realizadas foram constantemente apresentadas severas críticas à atuação da Fundação Renova, sobretudo no tocante à baixa responsividade das ações de reparação promovidas frente às demandas concretas apresentadas pelos atingidos”, diz o parecer nº 279/2018/SPPEA, de 22 de março de 2018, produzido pelas áreas técnicas do Ministério Público Federal e do de Minas Gerais, a partir de entrevistas e reuniões nas comunidades impactadas.

Esse documento teve como objetivo apresentar a impressão dos atingidos sobre a participação deles no processo de reparação e recuperação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos e na construção da minuta do novo Termo de Ajustamento de Conduta, batizado de TAC-Governança, homologado no dia 8 de agosto pela Justiça Federal.

A poucos meses de completar três anos da maior tragédia ambiental do país, moradores da bacia do rio Doce ainda estão sem suas casas, destruídas pela lama. Alguns nem sequer obtiveram resposta para o pedido de serem reconhecidos como atingidos. É o caso de Simone Maria, moradora de Barra Longa, que luta para que a Renova reconheça sua filha, Sofya Marques, de 3 anos, como atingida. Desde o tsunami de lama, Sofya, que à época tinha 9 meses, tem problemas respiratórios e de pele e sente dores na perna. O rosto da menina, que tem metais pesados no organismo, de acordo com diagnóstico do exame toxicológico realizado por iniciativa do Instituto Saúde e Sustentabilidade, está constantemente inchado.

Simone e a filha Sofya

Simone não mora à beira rio, não teve a casa destruída diretamente pelo desastre, mas está certa de que é a lama, depois usada para calçar as ruas de Barra Longa, que prejudicou a saúde da sua filha. “Eles tiraram a lama da praça, da parte rica da cidade, e levaram ela para o alto do morro, que é a parte pobre, para fazer o calçamento das nossas ruas. Levaram a lama para os morros e para o parque de exposições”, destaca a professora.

Simone conversou com a reportagem no Centro de Informação e Atendimento da Fundação Renova de Barra Longa, onde aguardava uma manifestação do funcionário sobre sua solicitação, feita há quase três anos, para que Sofya receba o cartão emergencial. “Atingido, para eles, é quem a lama entrou na casa, mas quem a lama destruiu a vida não é atingido”, desabafa.

“Até hoje não recebi nenhum centavo das empresas e nem da Renova”, reclama a moradora de Barra Longa Rosana Aparecida Pinto, de 46 anos. Rosana gasta R$ 638 por mês com remédios para tratar as doenças que desenvolveu depois que assistiu, da laje de sua casa, à lama passar próxima ao seu quintal, levando casas, carros, animais. Ela se queixa de que não consegue mais dormir, têm pânico, ansiedade e depressão. A cada dia de chuva, Rosana toma mais uma leva de remédios, além dos diários, para conter o medo.

A casa dela corre o risco de queda, pois o tráfego de caminhões na cidade para retirar a lama prejudicou a estrutura do imóvel, onde rachaduras são visíveis nas paredes. Apesar de o custo de vida da família ter aumentado depois do desastre, Rosana não consegue mais trabalhar como faxineira, pois enfrenta doenças psíquicas. “Bens materiais a gente recupera, mas e a saúde? Nunca mais…”, lamenta.

Enquanto tentava acelerar o carro para o ponto mais alto de Bento Rodrigues, Sandro José Sobreiro via a lama o perseguir pelo retrovisor. “Parecia filme de terror”, lembra. Sandro perdeu sua casa, a casa de sua mãe e seu comércio, herança do pai, morto meses antes da tragédia em Mariana. “A lama levou tudo que meu pai deixou”, lamenta. Ele conta que a fundação pagou, até hoje, apenas R$ 20 mil de indenização.

Foi Sandro quem acompanhou a reportagem da Pública até Bento Rodrigues. Em cada canto uma história, uma memória. No caminho, uma parada no canteiro de obras onde a cidade começou a ser reconstruída. Ainda sem relação afetiva com o local, Sandro não faz questão nem de sair do carro. “Aqui nunca vai ser melhor do que era a nossa comunidade. Eu, até morrer, não deixarei de ir a Bento Rodrigues”, afirmou.

Rosana Aparecido Pinto em frente à sua casa

Propaganda e marketing

Os atingidos, de acordo com a consulta feita pelos ministérios públicos federal e estadual, querem participar de maneira ativa do processo de reparação. A falta de comunicação, de diálogo e transparência está entre as principais reclamações contra a entidade. Conforme o documento produzido pelas áreas técnicas dos ministérios públicos, a Fundação Renova é muito criticada pelos atingidos por priorizar propaganda e marketing institucionais em vez de fornecer informações relevantes e linguagem acessível.

A rubrica “Comunicação e Diálogo” recebeu, no ano passado, R$ 36,9 milhões de investimentos. O gasto foi superior ao de reconstrução dos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira (R$ 8,4 milhões), do que a recuperação de infraestrutura impactada (R$ 34,1 milhões), proteção dos povos indígenas (R$ 24 milhões) e comunidades tradicionais (R$ 10,6 milhões), do que as medidas mitigadoras emergenciais (R$ 30,6 milhões) e do que o investido na saúde física e mental dos atingidos (R$ 13,2 milhões). Representa o terceiro maior orçamento entre os 20 programas de reparação socioeconômica listados na prestação de contas.

Na documento a que a Pública teve acesso não há o detalhamento dos gastos, apenas o valor total aplicado em cada programa. Ou seja, não é possível saber exatamente quanto, dos R$ 36,9 milhões, foram aplicados só em comunicação, ou só em diálogo ou só nos canais de relacionamento, por exemplo.

A fundação assumiu o compromisso público, durante oficina de cocriação sobre Transparência e Controle Social no Processo de Reparação de Mariana e de outros 41 municípios da região, organizado pela Controladoria-Geral da União, de entregar, até 31 julho do ano que vem, um portal da transparência “com linguagem acessível, priorizando a disponibilização de dados em formato aberto”.

A Fundação Renova afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a rubrica contábil “Comunicação e Diálogo” corresponde ao programa Comunicação, Participação, Diálogo e Controle Social, “que permeia todos os outros programas do acordo”, previsto no TTAC. A entidade afirmou que acolhe a crítica da comunidade sobre a dificuldade de obter informações e que vem trabalhando ativamente para melhorar sua atuação. A organização declarou que o programa não tem objetivo publicitário e que não investe em ações de marketing – disse não possuir essa área ou profissionais com essa atribuição. “Todas as ações conduzidas pela fundação, no âmbito deste programa, buscam atender às determinações do TTAC”, informou. “A comparação das despesas com os diferentes programas em 2017 não reflete a tendência da evolução dos gastos das diferentes ações de reparação”, acrescentou a instituição.

Sem participação dos atingidos

Os ministérios públicos federal e estadual, defensorias públicas, Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP Billiton assinaram, em 25 de junho passado, o TAC-Governança, que, criado com o objetivo de ampliar a participação dos atingidos nas decisões tomadas pela Fundação Renova, inclui os atingidos em todas as etapas do processo de reparação da tragédia causada pelo rompimento da barragem de Fundão. O poder de voz e de voto deles, no entanto, ainda é menor em comparação ao poder da fundação e das empresas.

Bento Rodrigues ficou destruída após o rompimento de uma barragem

Com o novo acordo, o Conselho Consultivo, que tem o papel de opinar sobre os programas e projetos da Renova, passa a ter sete indicados pelos atingidos. Os outros 12 membros serão designados por órgãos ambientais e da administração pública, pela Renova e pelo Comitê Interfederativo. Para o Conselho Curador, que tem competência para aprovar os planos, programas e projetos propostos pela diretoria executiva da fundação, as comunidades poderão indicar dois representantes. Uma cadeira será do Comitê Interfederativo, e os outros seis votos serão de indicados das empresas. Os atingidos terão três vagas no Comitê Interfederativo, responsável por orientar e fiscalizar as ações da Renova, em conjunto com as câmaras técnicas; os outros 16 membros serão indicados pelos órgãos envolvidos. Ainda de acordo com o novo TAC, os atingidos poderão acompanhar as reuniões da diretoria executiva.

“Em primeiro lugar é preciso enfatizar que a forma como foi construída a minuta de TAC-Governança foi duramente criticada em todos os locais onde foram realizadas reuniões”, diz o parecer nº 279/2018/SPPEA, do Ministério Público. No documento, incluiu-se a impressão de alguns atingidos, sem citar nomes:

“O primeiro acórdão foi feito e muito criticado por ter sido feito sem a participação dos atingidos. Aí, vocês me fazem um segundo novamente sem a participação dos atingidos. […] A gente não pode aceitar um negócio desses”.

“Que fique registrada a nossa insatisfação aqui. Que jamais as empresas poderiam participar de um fórum de discussão de governança e controle de um crime que cometeram. É indecente uma coisa dessas. Como que o Ministério Público pode sentar com as empresas e discutir um processo de governança? Tem que ficar registrado que nós não concordamos com isso. Nós reforçamos o Ministério Público, mas ele não está lá para negociar. O conselho tem que ser criado por nós. Eles [empresas] não deveriam nem participar do conselho. Nós não concordamos com a participação das empresas na criação de ferramentas de controle e reparação de danos de um crime que eles mesmos cometeram”.

“A única coisa que eu acho que não faz sentido, acho que todo mundo pensa mais ou menos dessa forma, é que o processo venha pronto ou que seja construído sem a participação dos atingidos. Você não pode fazer uma novela com o protagonista da novela não participando. O galã da novela tá doente e você põe ele só no último dia da novela. Muitos acordos são feitos sem a participação do atingido”.

Ao homologar o TAC-Governança, no dia 8 de agosto, o juiz federal Mário de Paula Franco Júnior alterou o item que trata da contratação das assessorias técnicas aos atingidos. Com a justificativa de que elas “devem ser imparciais, fundadas em atuação técnica, e não ideológicas, políticas ou religiosas”, ele coloca na berlinda as assessorias que já prestam serviços às comunidades e contam com a confiança dos atingidos: a Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que atua em Mariana, e a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), que é parceira do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e atua em Barra Longa.

O juiz proibiu a contratação de assessorias técnicas cujas entidades/equipes/profissionais/indivíduos tenham qualquer vínculo de subordinação com movimentos sociais ou ONGs atuantes na área do desastre de Mariana ou que tenham qualquer vínculo de subordinação com entidades religiosas. Em nota publicada no dia 9 de agosto, o Ministério Público Federal no Espírito Santo e em Minas Gerais e as Defensorias Públicas dos dois estados envolvidos e da União afirmaram que “por discordarem das condições que foram inseridas pelo Juízo Federal da 12ª Vara de Belo Horizonte, as seis instituições que assinam esta nota adotarão as medidas judiciais cabíveis para reverter a inovação realizada na audiência judicial”.

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